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Serraria de São Pedro do Turvo tem usina para gerar energia desde 1928

Serraria de São Pedro do Turvo tem usina para  gerar energia desde 1928

Publicado em: 19 de janeiro de 2020 às 14:14
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 14:51

Sistema teve autorização de Washington Luís

e turbina alemã custou mais de R$ 1 milhão


A queda d'água no ribeirão alimenta a turbina de 1928



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Imagine o cenário de 1928. A energia elétrica era precária e servia poucas casas em Santa Cruz do Rio Pardo, o maior centro comercial da época. O meio de transporte mais conhecido era movido a cavalo ou boi e a Escola Normal — atual “Leônidas do Amaral Vieira” — estava sendo criada. Pois em São Pedro do Turvo, cidade vizinha de Santa Cruz, a iluminação a querosene havia sido substituída pela elétrica havia pouco mais de sete anos, mas ainda não tinha a força suficiente para tocar, por exemplo, uma indústria madeireira.

Foi assim que o pioneiro José Nazareno Benetti, em sociedade com o ex-prefeito são-pedrense Joaquim Rodrigues da Cunha, construiu uma pequena hidrelétrica numa propriedade particular para gerar energia e movimentar as máquinas de uma serraria. Joaquim se afastou da empresa quando se elegeu prefeito. Desde então, a família Benetti está na terceira geração de empreendedores e a hidrelétrica ainda está lá, em funcionamento.

A serraria foi, provavelmente, a primeira empresa do ramo em toda uma vasta região. Foi, ainda, uma das primeiras em todo o Brasil a adotar uma geração própria de energia elétrica. Começou a ser construída em 1926, entrando em funcionamento em 1928, logo após a implantação da “hidrelétrica”.

A serraria está paralisada desde 2013, quando foi inundada por uma forte enchente



PRESERVAÇÃO — Casa das máquinas da pequena usina é a mesma de 1928



Benetti e Rodrigues mudaram-se de Santa Cruz para São Pedro naquela época. É por isso que no contrato de compra da turbina geradora de energia — ainda mantido em perfeito estado pela família — consta o endereço da “Benetti & Cunha” como sendo Santa Cruz.

Ela foi comprada em São Paulo da empresa importadora “Herm Stoltz & Company” pelo preço de “dez contos, trezentos e setenta e três mil reis”, de acordo com a moeda da época. A reportagem atualizou a cifra, que hoje seria em torno de R$ 1,5 milhão. Um “dinheirão”, como costumava dizer Ana Göetz Benetti, casada com Milton, o filho do patriarca Nazareno.

O contrato foi assinado no dia 23 de outubro de 1928 e está registrado sob número 412. Metade do valor foi pago no ato e o restante, seis meses depois. A turbina principal foi importada da Alemanha e é da marca Francis, do grupo Voith, que existe até hoje. No lote, constam ainda regulador de velocidade e um jogo de instrumentos.

Mas não foi só. Para instalar a pequena usina, foi preciso represar um braço do ribeirão São Pedro e construir um canal de aproximadamente um quilômetro para impulsionar a turbina. A queda d’água tem 10 metros e proporciona 450 litros por segundo. Os 45 HP gerados foram suficientes para movimentar as serras da empresa e, de quebra, fornecer energia para as casas da propriedade.

Projeto da usina de energia teve contrato firmado em 1928, cujo original ainda existe



O pioneiro dos Benetti pensou em tudo. Nazareno comprou as terras por onde passa o canal de água, de um quilômetro de extensão. Há anos, a família sofreu uma ação contestando a propriedade, mas o registro em cartório deu ganho de causa aos Benetti.

Nazareno era um visionário. Nos anos 1930, ele tinha planos de comprar a usina hidrelétrica de Piraju, mas o negócio não saiu porque ele ficou doente.

Chevrolet “Gigante” adquirido em 1937, que ainda existe e será restaurado por Ulisses Benetti



Foto do final dos anos 1930 mostra o Chevrolet “Gigante” trabalhando



No início, não havia caminhões e as toras eram transportadas até a serraria em carretões puxados por bois. Somente em 1937 é que Benetti comprou um Chevrolet “Gigante”, importado dos Estados Unidos. O veículo era fabricado especialmente para a indústria madeireira, com a carroceria descoberta.

O curioso é o velho Chevrolet está guardado numa garagem da propriedade, à espera de uma restauração. Faltam poucas peças, pois o motor está intacto, assim como os instrumentos e a cabine. Os irmãos Quagliato já fizeram uma oferta por ele, mas a família não quer vendê-lo. O plano é restaurá-lo completamente e deixar como era. Até a carroceria, que foi retirada porque estava muito danificada, será reformada. Em 1945, durante a Segunda Guerra, a família recebia cotas de gasolina do exército para abastecer o caminhão.

Os pioneiros da serraria e as turbinas alemãs



Terceira geração

A serraria foi transferida para o filho de Nazareno, Milton Benetti, que comprou a parte de todos os irmãos. Ele comandou a empresa até 2006, quando faleceu. Desde então, o negócio ficou sob responsabilidade do filho de Milton, o engenheiro mecânico Ulisses Benetti, 61, mas também é de propriedade de suas irmãs, Suely e Lucy.

Ulisses já trabalhava com o pai, mas em 1990, durante o governo de Fernando Collor de Mello, quando houve uma severa recessão e o confisco dos recursos depositados nos bancos, ele perdeu o emprego em São Paulo e voltou para São Pedro do Turvo.

No início, as enormes toras eram levadas em carros de boi



Ao longo de sua existência, as intempéries da natureza foram os maiores obstáculos. Em 1942, por exemplo, uma forte enchente arrebentou o canal em cinco pontos. Em 1999, outra enchente levou uma moita até a represa, destruindo-a parcialmente.

Mas foi em 2013 que uma tempestade seguida de enchente praticamente destruiu o município. Toda a serraria ficou submersa, assim como a casa das máquinas da usina de energia. Além disso, uma espessa lama cobriu tudo. A recuperação foi lenta, mas impediu a retomada da serraria. Ainda hoje, há lama debaixo do assoalho das máquinas.

Mas a atividade madeireira também perdeu terreno para o gado, a cana e a soja. “Hoje é difícil comprar madeira na região”, conta Ulisses Benetti. Enquanto a serraria não funciona, a usina é ligada apenas parcialmente durante à noite, para levar energia às casas. 

* Colaborou Toko Degaspari

Usina teve autorização

do governo para operar


O presidente Washington Luiz, que autorizou o projeto da pequena usina de energia no ano de 1928



A pequena usina de energia elétrica da família Benetti, instalada em 1928 na zona rural de São Pedro do Turvo, precisou de uma autorização do Governo Federal, cuja sede ficava no Rio de Janeiro. O projeto foi analisado pelos técnicos do presidente Washington Luís e ao menos uma mudança foi imposta: a barragem deveria contar com uma escada para os peixes, um dispositivo que não impede a piracema.

Para Ulisses Benetti, a medida mostra que o País, ainda na terceira década do século XX, parecia se preocupar mais com o Meio Ambiente do que hoje. Como comparação, a usina “Lucas Nogueira Garcez”, inaugurada em 1958 no município de Salto grande, não possui escada para peixes. “Foi a primeira exigência do Governo Federal”, disse Ulisses.

O “braço” do ribeirão São Pedro alimenta a turbina de energia elétrica e, um pequeno trecho depois, volta ao leito principal para desaguar no rio São João. 



  • Publicado na edição impressa de 12/01/2020


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