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Dívida de vereadores por ausências nas sessões passa de R$ 330 mil

Dívida de vereadores por ausências nas sessões passa de R$ 330 mil

Publicado em: 20 de fevereiro de 2020 às 13:34
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 12:01

Valor ainda sem atualização explica o

empenho de um grupo para aprovar

a “anistia” dos salários pagos indevidamente


Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

A polêmica sobre a tentativa frustrada de oito vereadores em aprovar uma lei que “anistia” a devolução de salários pagos integralmente de forma indevida, sem os descontos relativos às faltas em sessões, tem agora uma forte explicação. Na semana passada, a Câmara concluiu um levantamento sobre as ausências injustificadas de parlamentares no período entre 2009 a 2018. O total chega a R$ 337.291,88 e há recomendação da Procuradoria Jurídica para que o caso seja encaminhado ao Ministério Público para uma investigação sobre eventual improbidade administrativa dos vereadores e dos respectivos presidentes que autorizaram os pagamentos nos períodos analisados.

O levantamento, ao qual o DEBATE teve acesso, mostra que em uma década houve “desídia e falta de interesse” de vereadores eleitos pelo povo. Muitos faltaram às sessões — inclusive ordinárias e extraordinárias — sem dar qualquer justificativa à Câmara. Mesmo assim, receberam seus salários integralmente.

O “campeão” de faltas é o vereador Luiz Antônio Tavares (PSB), que voltou à Câmara em 2013. Ele recebeu até o final de 2018, em valores não corrigidos, um total de R$ 49.332,96 indevidos. Em segundo está Milton de Lima (PL), que tomou posse em 2013 e foi reeleito em 2016. Lima recebeu irregularmente R$ 48.203,89. A soma devidamente corrigida deve ultrapassar R$ 60 mil.

O terceiro vereador que mais faltou às sessões foi o radialista Souza Neto (DEM), o mesmo que, como locutor da rádio Difusora, costuma fazer apologia de seus oito anos de mandato e sugerir, sem falta modéstia, que foi um dos melhores parlamentares da Câmara de Santa Cruz do Rio Pardo. No entanto, Souza recebeu indevidamente R$ 40.002,56. O radialista deixou de comparecer até mesmo em sessão ordinária, sem qualquer justificativa.

Os valores atualizados são bem maiores. A título de exemplo, Souza Neto, que aparece na lista dos “gazeteiros” em terceiro lugar, com mais de R$ 40 mil, na verdade pode ser compelido a devolver R$ mais de R$ 80 mil, de acordo com os índices de correção do IGP-M.

Há 22 vereadores na lista daqueles que devem devolver valores aos cofres públicos, pagos indevidamente. Além dos três mais faltosos, constam com valores indevidos Leandro Mendonça, Luiz Carlos “Psiu” Novaes Marques, Marco “Cantor” Valantieri, Roberto Marsola, Murilo Costa Sala, Cleuza “Enfermeira” Soares, Rui Reis, João Marcelo Santos, Lourival Heitor, Joel de Araújo, Antônio Ferreira “Teco” de Jesus, Edvaldo Godoy, Cristiano Neves, Paulo Pinhata, Luiz Vanderlei “Baiano” Freire de Souza, Maura Soares Macieirinha, José Paula da Silva, Jorge Araújo e Luciano Severo (veja os valores na arte ao lado).

Projeto não volta

Os oito vereadores que apresentaram um projeto prevendo a “anistia” dos valores a serem devolvidos mudaram de ideia depois da forte repercussão popular negativa. Não é à toa que o primeiro signatário do projeto foi o vereador Luiz Antônio Tavares (PSB), exatamente aquele que pode devolver um dos maiores valores.

O projeto foi incluído na pauta de votação da primeira sessão do ano, no dia 3 de fevereiro. Entretanto, ele acabou sendo retirado pelo líder do prefeito na Câmara, Lourival Heitor (DEM). O vereador alegou que a bancada iria “estudar melhor” o texto e que ele poderia voltar ao plenário em março.

Entretanto, a reportagem apurou que a tentativa de “anistia” foi abortada. Afinal, os vereadores estariam legislando em causa própria e, o pior, revogando dispositivo de uma lei complementar da legislatura anterior que não pode ser modificada, pois estipulou os salários e normas de descontos para os atuais vereadores.

A única dúvida é referente à falta de convocação de vereadores para as sessões solenes. No entanto, a presença de alguns deles afasta qualquer alegação de desconhecimento. Porém, caso este argumento seja aceito, pelo menos R$ 129 mil do valor total poderá ficar isento de devolução. 




O procurador jurídico da Câmara, advogado João Luiz de Almeida Júnior, que fez o relatório sobre as faltas



Procurador derruba os

argumentos contrários


Quando retirou o projeto de “anistia” aos vereadores que receberam valores indevidos, o líder do prefeito, Lourival Heitor (DEM), disse que a bancada governista tinha um entendimento diferente do procurador da Câmara e que a mesma opinião era sustentada por órgãos como o Tribunal de Contas e o Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), que encaminhou um parecer ao Legislativo de Santa Cruz do Rio Pardo. “Nossa intenção é dar um basta nisso”, afirmou Lourival. O projeto assinado por oito vereadores tinha até um parecer do advogado do prefeito, Marcelo Picinin, contrário à devolução de valores.

O procurador é João Luiz de Almeida Júnior que, num documento de 27 páginas, derrubou os argumentos dos governistas, do assessor parlamentar José Eduardo Catalano e da diretora-geral da Câmara, Rosely Rissato. O documento mostra que, ao contrário do que disseram os governistas, os descontos são devidos e, inclusive, defendidos pelos pareceres que a Câmara recebeu de instituições.

Lourival Heitor, por exemplo, provavelmente não interpretou o parecer do Ibam, que é uma associação civil com sede no Rio de Janeiro e que recebe um valor mensal para emitir orientações à Câmara de Santa Cruz. De acordo com o documento, a sanção imposta a vereador que se ausenta de determinada sessão precisa estar expressa em lei, ou seja, “ter prévia estipulação legal”. Pois existe esta norma, que são as leis complementares 337/2012, 469/2012 e 583/2016. Todas foram aprovadas por unanimidade e determinam o desconto salarial do vereador que não comparecer, sem justificar, às sessões ordinárias, extraordinárias e solenes.

O parecer do Ibam ainda diz, sobre os descontos, que “são comuns que tais previsões constem da lei que fixou o subsídio dos edis”. É exatamente o que consta nas leis complementares aprovadas pela Câmara antes do início de uma legislatura. De acordo com a Constituição Federal, os subsídios dos vereadores devem ser aprovados numa legislatura para vigorar na outra. Há ressalva de que a fixação dos vencimentos deve ser feita antes das eleições municipais e que tal lei não pode ser revogada na legislatura seguinte.

Lourival também citou o Tribunal de Contas, que teria emitido parecer a favor dos “gazeteiros”. Outro equívoco que, durante o processo de levantamento dos valores a serem devolvidos, foi repetido pela diretora-geral da Câmara, Rosely Rissato. Segundo ela, em manifestação encaminhada à Procuradoria Jurídica, “há precedentes do Tribunal de Contas no sentido de que as sessões extraordinárias não devem ser pagas pela Câmara”. E continua: “Não sendo pagas, não há como ocorrer qualquer desconto pelas ausências”.

No entanto, o que o TCE veda é o pagamento adicional pelas sessões extraordinárias. Isto já aconteceu em Santa Cruz do Rio Pardo em meados da década de 1990, quando os vereadores recebiam irregularmente por sessões extraordinárias. Era o conhecido “jetom”, um adicional acrescido do salário. Mas era totalmente ilegal, já que a Constituição prevê que o salário legislativo deve ser uma “parcela única”, sem qualquer acréscimo ou benefício. No caso de Santa Cruz, todos os vereadores foram obrigados a devolver estes valores. A maioria optou por um parcelamento. Rosely Rissato já era a diretora-geral naquela época.

Isto significa, como defendeu o procurador, que o salário do vereador abrange todos os trabalhos em qualquer sessão, seja ordinária, extraordinária ou solene. “O vereador não é vereador apenas nas sessões deliberativas. Ser vereador não quer dizer, e nem pode significar, comparecer duas vezes por mês às sessões ordinárias. Vereador é vereador vinte e quatro horas por dia”, alertou o procurador João Luiz de Almeida Júnior.

Por fim, alguns vereadores e o assessor legislativo José Eduardo Catalano alegam a existência da lei 524/2014, do vereador Marco “Cantor” Valantieri, que excluiu o desconto proporcional em sessões solenes. No entanto, o procurador alertou que aquela lei é totalmente inconstitucional. O projeto não recebeu a maioria da Mesa nas assinaturas e os vereadores legislaram em causa própria, o que é proibido. Além disso, a lei da legislatura anterior que instituiu os atuais salários não poderia ser modificada, pois a medida fere as regras da anterioridade prevista na Constituição Federal. 




Rosely Rissato: 32 anos em cargo nomeado e salário médio de R$ 12 mil mensais



Procuram-se os ‘culpados’

O imbróglio que a Câmara se meteu ao autorizar pagamentos salariais indevidos durante tantos anos certamente deve ter seus responsáveis. Além dos próprios vereadores, já que foram eles que aprovaram as leis autorizando os descontos e depois receberam salários integrais, recai maior responsabilidade nos presidentes que comandaram a Câmara na última década. Eles liberaram os pagamentos sem os respectivos descontos das faltas.

Mas o episódio também deixa claro a necessidade do Legislativo renovar o quadro de comissionados, principalmente os ocupantes dos cargos com salários maiores. É o caso do assessor José Eduardo Catalano — que está na Câmara desde 1992, sem concurso público, e recebe mais de R$ 15 mil mensais — e de Rosely Rissato, a diretora-geral que é seguidamente nomeada desde 1988 e tem salários em torno de R$ 12 mil.

Tanto Catalano quanto Rosely defenderam a maioria dos vereadores e opinaram oficialmente contra qualquer desconto pelas ausências em sessões. No entanto, sempre foi de competência do assessor parlamentar a devida orientação aos vereadores e o assessoramento ao presidente sobre os pagamentos. O cargo de procurador concursado só foi criado em 2012.

No caso de Rosely Rissato, compete a ela, conforme consta na lei que criou a função de diretora-geral, controlar os dados necessários à elaboração das folhas de pagamentos de servidores e vereadores, supervisionando sua execução, além de supervisionar todos os pagamentos de salários. Rosely, aliás, assinava os cheques junto com o presidente quando era esta a forma de quitação salarial, sem nunca ter alertado sobre a irregularidade. A diretora ignorou vários questionamentos feitos pelo procurador sobre o assunto.

Na verdade, pelo longo período ocupando cargos comissionados, Catalano e Rosely criaram vínculos fortes dentro da Câmara, o que atrapalha o desempenho profissional. Neste caso, vale muito mais a proteção a um vereador amigo do que propriamente uma opinião técnica. O atual presidente, Paulo Pinhata, não tem coragem de demiti-los porque é pressionado por vários vereadores. E ele sabe que a exoneração reduziria drasticamente as despesas apenas com os dois funcionários, hoje em torno de R$ 400 mil por ano. É que uma lei recentemente aprovada reduz os salários básicos pela metade, no caso de vacância no cargo, e retira benefícios ilegais que estão sendo incorporados há anos aos comissionados.

Enfim, ao contrário do que acontece na administração, os cargos comissionados na Câmara não são renovados com a troca de direção e servem para manter pessoas ligadas a determinados vereadores. Elas se transformaram, na verdade, em “donos dos cargos” e não dão chance a outros profissionais de Santa Cruz. 



  • Publicado na edição impressa de 16/02/2020


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