
José Carlos Vieira virou celebridade nacional — e até mundial — quando “marcou” um gol que salvou a Santacruzense
Sérgio Fleury Moraes
Da Reportagem Local
O ano era 2006. O estádio, o velho “Leônidas Camarinha”. O jogo, praticamente uma decisão para a Esportiva Santacruzense, pois uma derrota significava a desclassificação da Copa Paulista, torneio que dava vaga para a Copa do Brasil. Até os 44 minutos do segundo tempo, o Atlético Sorocaba vencia por 1×0, apesar da pressão da Esportiva. Num lance, o atacante Samuel chuta e a bola bate na rede pelo lado de fora. Lance corriqueiro, mas o bandeirinha apontou o meio de campo. José Carlos Vieira, que era gandula, deu uma “ajudinha” chutando a bola para o gol. A árbitra Silvia Regina de Oliveira validou o gol que classificou a equipe de Santa Cruz do Rio Pardo.
Houve protestos, ameaça de exclusão da Esportiva do campeonato e até do banimento do gandula do futebol, mas nada aconteceu. A equipe foi absolvida e José Carlos seguiu sua vida. Mas por algum tempo, virou celebridade a ponto de ser constantemente procurado por emissoras de televisão e grandes jornais. Era parado na rua, em grandes cidades do País, para tirar fotos com desconhecidos. “Dei até autógrafo”, conta.

Afinal, o gol do “gandula artilheiro” foi matéria no Jornal Nacional, Fantástico, Domingo Espetacular, Globo Esporte e centenas de outros programas. O lance inusitado foi até reproduzido milhares de vezes do exterior. “Não ganhei dinheiro com nada disso, mas cheguei a voar em helicópteros das grandes emissoras”, conta José Carlos, que ganhou o apelido “Canhoteiro” quando era volante de times amadores da cidade. Parou quando “estourou” o joelho.
Hoje aos 65 anos, ele só está afastado dos campos por conta da pandemia. Afinal, José Carlos já foi auxiliar, técnico da equipe de base da Santacruzense, gandula e até árbitro de futebol credenciado. Hoje, só não pode mais ser gandula em jogos profissionais porque não realizou o curso obrigatório depois daquele fatídico 2006.
O buraco na rede
Sobre o lance inusitado, “Canhoteiro” garante que não fez o gol. “Quando eu chutei a bola para as redes, o bandeirinha já estava apontando para o meio de campo, apontando o gol. Foi aí que a juíza veio em direção à meta para verificar o que tinha acontecido”, lembra.
Claro que José Carlos admite ter feito uma “malandragem” para confundir a arbitragem. “Eu forcei a rede para dar a impressão de que a bola saiu por um buraco. E deu certo”.

Ele acredita, inclusive, que não foi um mero caso de ilusão de ótica que levou a arbitragem a um erro tão grotesco. “O estádio estava cheio e a torcida mostrava impaciência. O jogo estava no fim e o alambrado que separa os torcedores do campo era muito fraco. Pode ser que a juíza e o bandeirinha tiveram medo”, afirmou.
A juíza Silvia Regina de Oliveira e o bandeirinha foram afastados pela Federação Paulista após o erro. José Carlos, porém, nunca foi punido, mas teve problemas com dirigentes da Santacruzense na época. É que o clube quis usá-lo para acionar emissoras de televisão que usaram as imagens repetidas vezes, sem pagar nada. José Carlos não aceitou e entrou em rota de colisão com a diretoria da época. “Hoje são todos meus amigos. Foi coisa do momento”, lembra “Canhoteiro”.
O ex-gandula, porém, ainda é celebridade. Ele trabalha para a Pitoltur em Camboriú, embora esteja afastado durante a pandemia. “Já fui parado até em Santa Catarina, por pessoas que pediram para tirar uma foto junto comigo”, conta.

‘Gol’ serviu para apurar
sobrepreço dos assentos
ONG pagou um terço do valor do aluguel
O “gol do gandula” teve até implicações políticas. Em 2006, o prefeito era Adilson Mira, que anos mais tarde fora condenado por repasses ilegais ao time de futebol. Na época do polêmico gol, Mira alugava arquibancadas móveis para o estádio Leônidas Camarinha, com o objetivo de adequar a praça esportiva ao número de assentos exigido pela Federação Paulista de Futebol. O valor consumia R$ 32 mil mensais, em valores da época, dos cofres públicos.
Pois logo após o gol do “gandula artilheiro”, a FPF anunciou que a Esportiva iria perder o mando de campo pelo resto do campeonato. Mira, que já vinha sendo pressionado pelo Ministério Público sobre seu envolvimento com o clube, anunciou, então, a rescisão do contrato de aluguel. A empresa foi chamada para desmontar os assentos móveis.
Entretanto, a Santacruzense foi absolvida e a diretoria correu para acertar a manutenção das mesmas arquibancadas, que já estavam sendo retiradas.
Formou-se uma ONG para a negociação. O aluguel foi acertado por R$ 9,4 mil mensais — ou R$ 12 mil pelo período de 38 dias, ou seja, o restante da competição. O pagamento de um terço do valor pago pela prefeitura mostrou um sobrepreço de R$ 240 mil anuais.
Em 2006, a Esportiva não foi longe na Copa Paulista, foi desclassificada e adiou o sonho de um dia disputar a Copa do Brasil. Já o ex-prefeito Adilson Mira foi condenado no caso dos repasses ilegais — conhecido como “escândalo da linguiça” — e até hoje responde a uma ação civil pública por conta das irregularidades. Os assentos móveis, aliás, estão interditados até hoje por ordem da Justiça.
* Colaborou Toko Degaspari
- Publicado na edição impressa de 19 de julho de 2020