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‘Caso do Semanário’ se arrasta na Justiça há quase uma década

‘Caso do Semanário’ se arrasta na Justiça há quase uma década

Publicado em: 08 de setembro de 2020 às 18:58
Atualizado em: 28 de março de 2021 às 22:12

Escândalo publicado pelo jornal em 2008 teve denúncia em 2011, mas ainda não há sentença

Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Um dos escândalos da administração de Adilson Mira (2000-2008) se arrasta no Judiciário e está prestes a completar uma década. O caso foi noticiado pelo DEBATE em 2008 e envolveu um esquema na distribuição do “Semanário Oficial do Município” com indícios de fraude.

Na época, o jornal conversou com alguns entregadores do jornal oficial e descobriu que eles recebiam seus cheques na tesouraria, descontavam no banco, voltavam para devolver os valores ao chefe da fiscalização e ficavam com quantias menores. Outros, eram servidores da própria prefeitura e afirmaram fazer “bicos”.

Quase dez anos depois, o processo ainda está na fase dos depoimentos de testemunhas.

A denúncia por improbidade administrativa foi apresentada pelo Ministério Público em 2011, através do promotor Reginaldo Garcia, quatro anos após as reportagens sobre o esquema financeiro de distribuição do jornal oficial da prefeitura e de panfletos de propaganda do governo, uma marca registrada do governo Mira. A petição inicial, porém, só foi recebida pelo juiz Antônio José Magdalena em 2015.

Recibo de pagamento, de fevereiro de 2005, à mulher do diretor de fiscalização da gestão Adilson Mira; salário mínimo na época era R$ 260,00



O MP acusa o esquema de ser “fraudulento”, inconstitucional e com indícios de enriquecimento ilícito. Além do ex-prefeito Adilson Mira, são réus na ação as ex-assessoras de imprensa Ana Beatriz Ferreira Schauff, Vanessa Regina Marinelli Nogueira Bidellati e Fernanda de Moraes Silva, o ex-diretor de fiscalização Walgnei Júlio Andrade, além de João Carlos Ferrari, José Ferrari, Ailton Cardoso, Samuel Cupertino Correia e Cristiane Amélia Siena de Andrade.

O esquema da entrega tinha uma espécie de “troco” dos entregadores. O que despertou suspeitas foi o fato de, ao menos oficialmente, alguns entregadores recebiam mensalmente quantias maiores do que salários de médicos ou outros profissionais qualificados.

Na época, um dos entregadores conversou com o DEBATE. João Carlos Ferrari disse que ficou preocupado com a divulgação dos valores em seu nome e negou recebê-los. Como entregador do “Semanário Oficial”, ele contou que tinha problemas de visão e, por isso, assinou vários documentos “em branco” a pedido do fiscal Walgnei.

Quando um cheque em seu nome era emitido pela prefeitura, a ordem era para Ferrari era descontá-lo no banco e devolver o dinheiro ao fiscal, que em seguida pagava em média 40% do total para o entregador. O mesmo acontecia com o irmão de João, também entregador.

Ferrari disse que resolveu contar como funcionava o esquema porque ficou com receio de ter problemas na Receita Federal. Ele era aposentado como funcionário da CPFL e temia ser responsabilizado por valores altos em seu nome. Segundo narrou, o próprio fiscal o tranquilizou, dizendo que faria o seu Imposto de Renda caso houvesse alguma notificação a respeito dos valores.

João Ferrari durante depoimento à CPI



João Ferrari e o irmão José receberam pagamentos para entrega de panfletos em Caporanga e Sodrélia, mas garantiram que “não pisavam os pés” naqueles distritos havia anos.

Depois das reportagens do jornal, a Câmara de Santa Cruz instaurou uma CPI que responsabilizou o então prefeito Adilson Mira e sua assessoria. Em 2011, o Ministério Público concluiu um inquérito e ajuizou a ação civil pública.

As investigações apontaram que a prefeitura, na verdade, efetuava a maioria dos pagamentos a Cristiane Andrade Siena, mulher do diretor Walgnei. Ela declarou à CPI ser proprietária de uma “empresa de panfletagem”, mas não forneceu o CNPJ e disse que não possuía funcionários. A contratação era feita sem licitação pública. Ficou sem explicação o fato de a prefeitura emitir inúmeros cheques em nome de vários entregadores.

Em juízo, os entregadores relatam o “troco” dos cheques emitidos pela prefeitura, mas garantiram que esta era uma exigência do diretor nomeado pelo então prefeito. Já Cristiane Andrade Siena disse que apenas “cumpria ordens”, mesmo não fazendo parte dos quadros de servidores da prefeitura. Cristiane também justificou o alto preço cobrado nas entregas: segundo ela, era “baseado” em preços de postagens nos Correios.

O ex-prefeito Adilson Mira disse que não tinha sequer conhecimento das contratações e que a responsabilidade era dos assessores e secretários. Conforme alega o ex-prefeito, os ordenadores de despesas eram outros funcionários, como o chefe de gabinete da época.

Além disso, destacou que Walgnei era funcionário “do terceiro escalão”, cuja fiscalização era de responsabilidade de seus respectivos chefes.

A pedido do réu, o juiz Antônio José Magdalena concedeu ao ex-prefeito o benefício da gratuidade processual.

Empenho da prefeitura de parte do pagamento da entrega do semanário



Walgnei foi demitido algum tempo depois. Ele foi “advertido” numa sindicância interna instaurada pela própria prefeitura. O fiscal, aliás, era um dos protegidos durante o governo de Mira, tendo cargos comissionados e fazendo serviços “extras”.

Era Walgnei, por exemplo, o responsável por “notificar” o diretor do jornal em dezenas de questionamentos extrajudiciais sobre reportagens, que deram origens a processos particulares ajuizados por Adilson Mira. Ele chegou a ser fotografado cumprindo a determinação do prefeito no prédio do jornal.

Em depoimento à Justiça, o ex-diretor disse que, a pedido da assessoria de imprensa, apenas “formou” uma equipe de entregadores, mas não teve participação na contratação por dispensa de licitação, pagamentos, emissão de cheques ou mesmo pareceres favoráveis.

Walgnei declarou que estas funções eram restritas às assessoras de imprensa e ao então prefeito Adilson Mira. Se houve fraude, declarou, ela deve ser imputada a Mira e seus assessores.

José Ferrari, um dos entregadores, depõe na "CPI do Semanário""



Ação se arrasta

Quase dez anos depois, todos os réus já foram ouvidos, mas o processo empaca na tentativa de ouvir testemunhas. Uma delas é a jornalista Tânia Guerra, que foi assessora de imprensa nas gestões de Adilson Mira e Maura Macieirinha e cujo endereço foi fornecido incorretamente pelo ex-prefeito. No último despacho, de 18 de agosto, uma juíza de Bauru informa que a testemunha não foi localizada e determinou a expedição de ofício à Câmara Municipal de Jaú solicitando informações e endereço da ex-servidora daquele Legislativo.

Também entrou em discussão a possibilidade de realização da oitiva de testemunhas por videoconferência. Todos os réus deverão se manifestar sobre a hipótese.

A longa tramitação da ação civil pública já provocou a prescrição da punibilidade dos réus por improbidade administrativa. No entanto, resta o ressarcimento dos prejuízos que, conforme decidido pelo STF, é imprescritível.

Há contradições no processo. O Ministério Público, por exemplo, descobriu que não houve pagamentos em algumas edições do “Semanário”. Segundo explicações da prefeitura na época, foram edições extraordinárias, que apenas ficaram à disposição das pessoas no prédio da municipalidade. A tiragem de cada edição, de acordo com a própria administração, variava de 1.000 a 8.500 exemplares semanais.




Prefeitura usava semanário para fazer prpaganda político-eleitoral e se defender de acusações em denúncias que se transformaram em ações do Ministério Público



Mira usou jornal oficial

como propaganda política


O ex-prefeito Adilson Mira fez pouco em seus oito anos de administração. No entanto, usou a máquina pública a seu favor, inclusive o “Semanário Oficial” e panfletos que costumava mandar espalhar pelas ruas de Santa Cruz.

O caso da distribuição do jornal oficial não é único processo que envolveu o “Semanário Oficial” e o ex-prefeito. Ele já foi acionado pelo Ministério Público por fazer propaganda eleitoral e promover sua imagem, publicar reportagens sobre a administração, de forma repetida, em ano eleitoral e por atacar desafetos no jornal oficial da prefeitura.

Em 2011, por exemplo, Mira foi condenado em ação civil pública a ressarcir os cofres públicos por ter usado o “Semanário” para fins eleitorais e para atacar o jornalista Sérgio Fleury Moraes. No entanto, o juiz Antônio José Magdalena condenou o ex-prefeito apenas ao ressarcimento dos gastos com a publicação, estimados em pouco mais de R$ 800,00.

Inconformado com a condenação que chamou de “econômica”, o Ministério Público recorreu e, em julho de 2012, o Tribunal de Justiça ampliou a condenação, impondo uma multa equivalente a duas vezes a remuneração do prefeito na época dos fatos, acrescida de juros e correção monetária.

Em 2016, Adilson Mira voltou a ser condenado em ação do Ministério Público pelo “uso particular” do jornal oficial durante o período em que foi prefeito de Santa Cruz. Ele determinou a publicação no jornal oficial de textos contra o candidato que foi o primeiro colocado no concurso público para procurador — que posteriormente foi aprovado pelo Judiciário e tomou posse como juiz de Direito.

Mira se defendeu dizendo que usava o “Semanário” para rebater matérias do DEBATE sobre suspeitas no concurso público. Meses depois, a Justiça reconheceu irregularidades, afastou dois aprovados e determinou a posse nos respectivos cargos de outros candidatos a procurador jurídico.

Nesta ação, Mira foi condenado por improbidade administrativa dolosa a ressarcir os danos das publicações e ainda a uma multa civil no valor de três vezes a remuneração que recebia na época dos fatos. Em apelação do MP, o Tribunal de Justiça ainda condenou o ex-prefeito a pagar as custas e despesas processuais



  • Publicado na edição impressa de 30 de agosto de 2020


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