DIVERSOS

Aos 81 anos, morre o ‘Baiano’ da gráfica

Aos 81 anos, morre o ‘Baiano’ da gráfica

Publicado em: 11 de setembro de 2020 às 16:02
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 15:59

Ele foi o maior empresário do ramo gráfico, teve muito dinheiro e participou de inúmeras entidades de Santa Cruz

Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Seu nome era Antônio Leme da Silva, mas a cidade inteira o conhecia por “Baiano”. Os mais jovens que o conheceram vendendo um disputado “bolão” de loterias mal sabiam que este homem chegou a ser rico, teve duas gráficas — uma em Santa Cruz e outra em Ourinhos —, foi diretor da Esportiva Santacruzense, presidente do Rotary, membro da diretoria da Associação Comercial e Empresarial, do antigo Clube dos Vinte e mais uma quantidade enorme de participações em instituições. “Baiano” morreu na terça-feira, aos 81 anos, após sofrer complicações numa cirurgia de vesícula.

Antônio Leme não era baiano. Aliás, só conheceu a Bahia durante a “lua de mel”, quando se casou com Mariza Rodrigues Leme da Silva em 1966. Aventureiro, o primeiro e único namorado levou Mariza até o Nordeste num Fusca.

Virou o “Baiano dos Padres” quando trabalhou na antiga “Escola Tipográfica Dominicana”, que fazia os impressos para o Colégio Apostólico Dominicano e para o comércio em geral. Foi a maior gráfica da região nos anos 1970 a 1990.

Cerimônia no Rotary Clube em homenagem ao juiz da comarca, nos anos 1980; Leme presidiu o clube



O apelido surgiu por causa de suas características físicas, mas na verdade Leme era “santa-cruzense da gema”, nascido na fazenda Jamaica, filho de família pobre e com mais três irmãs. Aliás, este fato era um de seus orgulhos. Foi até entregador de pão antes de se tornar um grande empresário gráfico.

Leme começou a trabalhar na tipografia para pagar seus estudos no colégio. Não queria ser padre, mas gostava muito dos dominicanos. Como numa inversão de papéis, o jovem acabou sendo confidente de muitos religiosos da época.

O casamento com Mariza Rodrigues, em 1966



Ainda era solteiro. Na empresa, apresentou tanta desenvoltura que logo se transformou numa espécie de gerente. Comprou uma lambreta e passou a buscar serviços, fazer cobranças e visitar clientes. De quebra, também operava as máquinas e sabia lidar com os tipos gráficos, a maioria de chumbos, alguns de madeira. Era assim que os impressos eram feitos entre as décadas de 1950 a 1980. As letras eram encaixadas manualmente e todo o abecedário ficava numa caixa, cada tipo em seu lugar. A impressão era como “carimbar” as letras no papel, mas de forma rápida e com equipamentos pesados.

No “Colégio dos Padres”, fez grandes amizades, entre elas com Rosário Pegorer, Márcio Irajá Gonçalves e Antônio Cortella, pai do filósofo Mário Sérgio Cortella.

Na década anterior, com a mulher Mariza, os filhos Douglas e Ana e um neto



A Ramos Artes Gráficas, que foi a maior empresa do ramo em Santa Cruz



Quando a gráfica dos dominicanos fechou, Baiano se tornou empresário. Comprou a tipografia de Luiz Pedro e manteve o nome “Ramos”. Tinha um sócio e ambos também compraram outra gráfica em Ourinhos. Mais tarde, desmancharam a sociedade e Leme passou ser o único dono da “Ramos Artes Gráficas”, que funcionou no prédio onde hoje é a eletrônica de Primo Piga e, depois, no imóvel onde fica atualmente a “GTR Informática”.

Logo virou o maior empresário do ramo em toda a região. A “Ramos” tinha clientes não apenas em Santa Cruz, mas em Ourinhos, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Tinha prédio próprio e Baiano se tornou um respeitável empresário, dono de vários carros, imóveis e empregador de muitas famílias.

No Clube dos Vinte, na década de 1970, Baiano está no canto à direita numa recepção ao governador de São Paulo Laudo Natel. Na foto, entre outros, estão ainda Luizito Quagliato, Suzuki e o radialista José Eduardo Catalano (Acervo: Geraldinho Vieira)



Também começou a se destacar na sociedade. Foi diretor de clubes e um dos fundadores do Rotary Club de Santa Cruz do Rio Pardo. Segundo a viúva Mariza, ele e alguns amigos — entre eles Carlito Bertoncini, Luiz Distruti, Celso Suzuki e José Eduardo Catalano — formaram o embrião do clube de serviço, realizando as primeiras uniões rotárias nos fundos do antigo “Bar do Sam”.

Foi diretor da Esportiva Santacruzense nos anos 1980, numa fase difícil do clube. Tinha como companheiros na diretoria nomes como Chicão Quagliato, João Raimundo, João Bertolino e outros. Como todos, colocou dinheiro no clube.

Foi, ainda, diretor da Associação Comercial e Empresarial, no início embrionário da instituição, junto com Amerquiz Júlio Ferreira e outros.

Nos anos 1960, Baiano (à direita) prestigia entrega de carro ao amigo Luiz Distruti, gerente das Pernambucanas (Acervo: Geraldinho Vieira)



O problema é que Baiano nunca foi muito organizado. Nos anos 1980, a “Ramos” teve graves problemas financeiros, que o empresário escondeu da mulher. Quando Mariza ficou sabendo, deixou seu emprego de destaque no Sesi para ajudar o marido, que já estava às voltas com agiotas. Era uma dívida monstruosa, mas em menos de um ano estavam pagas. A “Ramos” voltou a crescer.

Mas Baiano sempre acreditou na tipografia e deixou de investir em tecnologia. Os novos equipamentos e a forte concorrência — inclusive no ramo de papelaria, uma das divisões da “Ramos” —, impuseram novas dificuldades. Cansado, Baiano entregou os pontos e fechou a empresa em 2001.

Teve convites para trabalhar em outras cidades, mas preferiu permanecer em Santa Cruz. Montou, então, um esquema de “bolão” de loterias, que fazia em conjunto com a mulher e o filho Douglas. Aliás, era o próprio Baiano quem saía pelas ruas vendendo o “bolão” aos amigos.

Já não tinha um carro novo. Aliás, era um Fusca verde caindo aos pedaços que Baiano sempre estacionava torno e com a porta aberta. No entanto, a alegria e a presteza com os amigos continuaram até o fim de sua jornada.

Antônio Leme da Silva deixou a viúva Mariza Rodrigues Leme da Silva, os filhos Douglas e Ana Paula Leme da Silva Honorato — casada com Natalino Honorato Filho — e os netos Erick e Arthur. Ele foi sepultado no Cemitério da Saudade na manhã de terça-feira, 2.




Em sua última foto, em agosto, Baiano está na frente da biblioteca municipal, que recebeu livros de Mário Sérgio Cortella graças a um pedido dele ao filósofo (Foto: Toko Degaspari)



No último ato, Baiano conseguiu

obras de Cortella para biblioteca

Antônio Leme da Silva lia muito. Adorava o DEBATE, devorou livros durante toda a vida e era frequentador de bibliotecas. Nos últimos anos, era a mulher Mariza quem escolhia as obras. No mês passado, “Baiano” percebeu que não havia muitos livros de Mário Sérgio Cortella na biblioteca pública “Abílio Fontes”, de Santa Cruz.

Como foi amigo do pai do consagrado filósofo, não pensou duas vezes. Conseguiu o contato do educador que morou na infância em Santa Cruz e pediu livros. Pois bastaram alguns dias para a biblioteca receber vários exemplares de obras de Mário Sérgio Cortella.

O casal frequentava a alta sociedade



“Baiano” sempre assim, dócil e generoso, nos bons e maus momentos. Quando trabalhava na Tipografia Dominicana, por exemplo, ajudava empresários em apuros financeiros sem que os padres dominicanos descobrissem. “Ele mentia para o bem”, conta a viúva Mariza.

Um deles foi Rosário Pegorer, que enfrentou problemas na antiga fábrica da “Verdinha” no início dos anos 1960. Estava com dívidas na tipografia e precisa imprimir rótulos das bebidas. Os padres, além de impacientes, diziam que ele fabricava aguardente e, portanto, cortaram o crédito de Pegorer.

Pois Baiano imprimiu rótulos à noite, pois sabia que Rosário iria pagar. “Ele precisava produzir”, justificava. Um dia, foi descoberto e colocou seu próprio salário como “avalista” dos impressos.

Em outra ocasião, como gerente da tipografia ainda nos anos 1950, teve a incumbência de levar impressos à usina São Luiz, ainda comandada pelo patriarca Orlando Quagliato. Mas a ordem era também receber uma conta. Baiano encontrou Orlando num mau dia. Quando falou sobre a necessidade de receber a conta, o usineiro jogou os pacotes pela janela. “Pode levar embora”, disse, irritado.

Durante muitos anos, Baiano era presença obrigatória em eventos sociais



Esta história era contada aos risos pelo empresário. O restante somente Mariza sabia. Chovia fraco naquele dia e Baiano pegou os pacotes dos impressos, enxugou e levou até a contabilidade. “Vocês vão precisar. Eu vou inventar uma história para os padres. Vou dizer que recebi, mas não me lembro onde coloquei o dinheiro”, afirmou. Num outro dia, recebia a conta e levava o dinheiro para os padres. “Achei!”, dizia.

Por estas e outras histórias, Baiano se tornou amigo da família Quagliato, a ponto de frequentar os grandes eventos do grupo. Mas também foi amigo de outros grandes empresários de São Paulo. 

* Colaborou Toko Degaspari



  • Publicado na edição impressa de 6 de setembro de 2020


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

Previsão do tempo para: Domingo

Períodos nublados
23ºC máx
10ºC min

Durante todo o dia Céu limpo

voltar ao topo

Voltar ao topo