As rugas

HISTÓRIAS DO MAGÚ

-  Se tem uma coisa que eu não gosto de sentir é a tal da saudade.

- Depende da saudade. Tem saudade que é gostosa de sentir.

- Nenhuma saudade é boa de sentir. Todas são horríveis.

- A vida é assim, meu caro! Deixa saudade.

- Pior são as antecipadas. As que começamos a sentir antes do tempo.

- Que tempo?

- O tempo é um só.

- Mas antes do quê?

- Não sei se é antes ou depois.

- Tá. Então antes ou depois do quê?

- Na verdade o tempo nem tem antes e depois. A gente que inventou isso à sua revelia.

- Revelia de quem?

- Do tempo.

- O tempo tem sim o antes, o agora e o depois.

- Tem nada. O agora nem existe. Ele passa antes de existir. Só existe no depois. Talvez no antes também. Vai saber?

- Só sei que o tempo urge!

- Aliás, não é só o agora que não existe. Pode ser que o próprio tempo nunca tenha existido. Pode ser só uma ilusão. Quem sabe um dia a gente ainda perceba isso e caia na real?

- E o que a gente vai fazer com o tempo quando descobrir que é só uma ilusão.

- Parar de considera-lo. De contá-lo.

- Nesse caso teríamos que inventar alguma outra coisa. Algo que o substitua. Não tem como ficar sem nada no lugar do tempo. Uma outra ilusão que sirva para considerarmos.

- Não precisa de ilusão. Basta considerar a simples degeneração das coisas. Inevitável, progressiva e o irreversível.

- E isso não é considerar o tempo?

- Não. É considerar a vida. De forma natural e tranquila. Sem a presença do tempo.

- Que viagem!

- Sem se desapontar com a falta de ilusão. Saborear a própria degeneração. A degradação dos desejos, das aspirações, das ambições, dos ideais, dos amores, de tudo. E esperar.

- Esperar o quê?

- O que vier.

- Sei.

- Tudo que vier. Tudo que possa vir junto com as nossas rugas, com a flacidez, com a fraqueza, enfim, tudo que pode aparecer a caminho do cadavérico que nos pertence.

- Você diz a caminho da velhice?

- Sem medo.

- E se ela não existir?

- Saborear como um bom vinho. Envelhecido por anos.

- Pois é, o tempo melhora o vinho

- Melhora tudo. Menos a energúmena da saudade.

- É a vida.

- Doce ilusão.

Ouvi, não resisti, passando em frente ao asilo. Dois idosos. Parei um tempo. Senti. Saudade.