Publicado em: 30 de setembro de 2022 às 19:21
“A gente se acostuma a reclamar das vitórias que escolheu conquistar” – eu tenho pensado nessa frase com frequência. E por esses dias, num dos meus momentos de reflexão, ela me veio à cabeça, certeira como um “cala a boca”...
Terminei a faculdade de medicina em 2010, e comemorei a formatura em janeiro de 2011. Desde a faculdade fiz muitos plantões, naquela época como estagiária, e depois de formada essa continuou sendo minha rotina por muito tempo. Eu sempre gostei de ter certa independência financeira, e desde a infância meus pais me ensinaram sobre a importância de conquista-la. E foi pensando assim, que dediquei muitas noites fora de casa, percorrendo a região metropolitana de Curitiba, para aumentar a renda da residência médica. Queria ser independente. Precisava me sentir assim.
Mas sempre tive claro que minha independência financeira não seria essa. Jamais quis ter uma rotina cansativa de plantões, detestava passar as noites fora de casa. Sempre soube qual era minha meta profissional, quem eu queria me tornar, a médica que eu gostaria de ser e como eu iria trabalhar. Almejei grandes sonhos, e lutei por eles, percorri cada estágio com dedicação (e cansaço) nos meus 11 anos de formação profissional.
Quando terminei os últimos 5 anos de formação (pediatria, neuropediatria e epilepsia), no início de 2016, optei por voltar para Santa Cruz. Não sei precisar em qual momento eu e meu esposo decidimos isso, talvez tenha sido um caminho natural da vida. Mas é fato que as coisas foram muito difíceis, profissionalmente falando, quando retornei.
Os primeiros 6 meses, especialmente, foram de muitas tentativas de divulgação do meu trabalho, cartãozinho entregue aqui e ali, bate-papos nas escolas, entrevistas na rádio e propaganda no jornal. Parecia que tudo era lento demais, os pacientes não chegavam, e eu não estava acostumada com essa morosidade.
Escolhi não ficar parada, aumentei minha rede de relacionamento profissional, passei a me contactar com médicos de outras cidades, iniciei meu trabalho nas redes sociais, e me dediquei a muitas palestras (em toda parte que me chamavam). Às vezes chegava para falar para 10 pessoas, em outras para mais de 100, e estava tudo bem, eu me via percorrendo o caminho que tinha traçado.
E então, quando atingi profissionalmente o que tanto lutei, me peguei reclamando da falta de tempo, da agenda abarrotada de pacientes, dos milhões de compromissos extra-consultório, das aulas de pós-graduações, de escrever um capítulo de livro, do Instagram que tenho que manter sempre alimentado, das palestras em cidades distantes, enfim... me percebi reclamando do sucesso profissional com o qual tanto sonhei.
Sim, “a gente se acostuma a reclamar das vitórias que escolheu conquistar”, a gente se habitua a ser ingrato com as próprias escolhas. Que bom que vem a vida e nos faz refletir sobre nossa própria caminhada.
Ellen Manfrim é médica neuropediatra em Santa Cruz do Rio Pardo
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