Publicado em: 30 de setembro de 2022 às 20:32
30 de setembro de 2017 e finalmente havia chegado o dia da verdade para um dos casos que mais movimentara o círculo de fofocas da cidade de Salto de Pirapora, no interior de São Paulo.
Desde que o poderoso empresário Francisco Oliveira foi flagrado pela esposa em plenas relações sexuais com a arquiteta responsável por projetar sua mansão, para a qual haviam se mudado há apenas 2 meses, a cidade nunca mais foi a mesma, e olha que, de início, pensavam ser possível manter o caso em sigilo — só não contavam com Padre Jacó, que ouviu a confissão da esposa traída e não conseguiu vencer a tentação. “Contei apenas para Deus”, jurou a ela quando se dirigiu à igreja para tirar satisfação pela língua solta.
Daquele dia em diante, não havia uma alma saltopiraporense que não soubesse os mínimos detalhes sobre o caso. Isso porque, como o casal decidiu resolver tudo na justiça e os processos são todos digitais, a população teve amplo acesso a todos os argumentos, brigas e decisões sobre a partilha de bens e o valor da pensão mensal que o marido prometeu à esposa: incríveis R$ 200.000,00, valor que, segundo ele, era para demonstrar a dimensão do seu arrependimento e o tamanho do seu amor.
A população ficou tão interessada no caso que a prefeitura da cidade ofereceu um curso online e gratuito para ensinar os munícipes a navegar pelo site do tribunal, o que acabou lhe rendendo uma premiação de “inclusão jurídica” da OAB/SP, a primeira cidade a conquistar o prêmio desde a sua criação, em 2014.
Mas com a chegada do tão aguardado dia 30/09/2017, entrava-se no capítulo derradeiro da disputa. Carros de luxo, casas, cotas da empresa, pensão alimentícia, ranchos, fazendas e apartamentos no exterior foram partilhados sem qualquer atrito, porém faltava uma única decisão a ser tomada, e como o casal não conseguia chegar a um acordo, caberia ao juiz da causa decidir quem ficaria com o pequeno Chone, bulldog francês que tinha, inclusive, sua própria suíte na casa nova (ideia da arquiteta pivô do escândalo, que acabou usando o quarto em duas oportunidades para evitar flagrantes).
Os advogados haviam feito sua parte e negociado uma forma de resolver o litígio. “Há tempos os animais domésticos não são mais tratados como coisas, meros objetos. Hoje em dia, o tratamento a eles conferido equipara-se ao oferecido às crianças, pelo que não nos interessa quem comprou o animal ou quem fica mais tempo com ele. Como ocorre com menores de idade e aplicando-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, é mais interessante definirmos uma espécie de guarda e respeitar o melhor interesse do animal, que será o responsável por decidir com quem quer ficar. Já que vocês não se decidem e ambos podem proporcionar boas condições de vida ao pequeno Chone, ele será levado à próxima audiência e lá, com você e sua esposa o chamando, ele decidirá de quem gosta mais e ficará com aquele a quem ele se dirigir com mais afeto, cabendo ao outro o pagamento de uma pensão de 80 mil reais para os seus cuidados mensais, para garantir sua felicidade”, disse com propriedade o Dr. Daniel Cravos ao ansioso Francisco, seu cliente de longa data.
Como a audiência demorou semanas para acontecer, deu tempo de toda a cidade se preparar para confabular, torcer, fazer uma grande aposta e se programar para estar presente em frente ao fórum no dia 30/09, tornando necessária a intervenção da polícia militar para fechar a rua e evitar confusões, como se vê apenas em julgamentos de grandes criminosos.
E foi assim, com uma multidão aguardando do lado de fora, que o casal entrou na sala de audiências e se posicionou cada um numa extremidade do recinto, ele com um pedaço de salame escondido sob a manga comprida e ela com as meias ainda chegando a frango frito, tudo para tentar atrair silenciosamente a atenção de Chone.
Quando o oficial de justiça soltou o animal no círculo pintado sobre o piso, posicionando-o exatamente entre o marido e a mulher, veio a surpresa geral: ele não se mexia. Aos poucos a sala foi se tornando um verdadeiro pandemônio, com todos envoltos em uma incrível gritaria, palmas e tapas no chão, mas o cachorro simplesmente não saía do lugar, apenas mexia o pescoço como se procurasse algo que não estava ali.
Esse estardalhaço durou cerca de 10 minutos, até que o juiz exigiu silêncio e, no preciso momento em que se podia ouvir até mesmo a respiração dos presentes, um telefone tocou do lado de fora e uma voz feminina atendeu a ligação com um simples “alô”, o suficiente para que Chone começasse a abanar o rabo e saísse correndo de felicidade para o lado de fora da sala.
Lá estava Joana, dona da voz e empregada doméstica do casal. Era ela quem, todos os dias, conversava com Chone, lhe dava remédios e alimentava. Era ela quem trocava sua água e acariciava seu pêlo em dias de chuva, na tentativa de tirar-lhe o medo. E foi ela, para surpresa de todos, quem ficou com o cachorro e com a pensão alimentícia, destinada a garantir que pudesse cuidar de Chone da melhor maneira possível.
Ninguém ganhou a aposta.
Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo
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