Publicado em: 12 de março de 2022 às 05:18
Atualizado em: 12 de março de 2022 às 05:21
Eu mantenho aqui em Bauru e acabo de realizar a 82ª entrevista semanal, bate papo denominado de “Lado B – A Importância dos Desimportantes”, tudo iniciado logo após o advento da pandemia, quando não podíamos mais nos encontrar pessoalmente. Fechado em casa, sem poder bater asas e vendo o que saia publicado pela aí, só com bate papos com importantões ou quando não isso, artistas que nada diziam, mas tinham espaço. Comecei a dar voz para os com pouco espaço na mídia, todos com belas histórias de vida. Para mim, estes os mais importantes em uma cidade, muito mais do que os tais grandões e sabichões, os tais donos do capital, chamados por aqui de “forças vivas”.
Podem prestar a atenção, as histórias populares são recheadas de passagens mirabolantes, muito mais interessantes do que a conversinha “cerca lourenço” a circular diariamente nas rodas dos mais abastados. Eram estes os que queria dar voz. E dei, entrevistando a pioneira do assentamento popular, o artista mambembe de rua, o artesão da praça, a ambulante e seu trailler, a travesti rainha do carnaval, a advogada ganhando a vida como diarista, o fotógrafo lambe-lambe, o renegado comunista rejeitado pela família, o padre revolucionário, o jogador de bola que lê livros nas concentrações, o cara que envelheceu sendo hippie, o moto-taxista que se veste de papai noel, o ambulante especializado em só vender pra armazéns rurais, o poeta caipira, a professora da periferia, etc.
Aquilo que começou como passatempo, está beirando o número 100. Me disseram que não teria mais quem entrevistar e hoje, tenho uma lista de gente aguardando chegar o seu dia. Na verdade, eu não entrevisto ninguém. Eu ouço as pessoas. Hoje, mesmo neste último, o tempo da conversa sempre fica determinado em uma hora, mas como deixo a pessoa falar e quem pouco fala, quando diante de uma oportunidade, contam tudo em detalhes, chegamos a 1h40. Nem sei se muitos ouvirão a gravação por inteiro, mas de cada um, extraio boas conversações e histórias inebriantes, daquelas de prender a respiração e a atenção. Não sei entrevistar, mas como sou um proseador por natureza, a coisa flui e quando vejo, me empolgo. Sempre quero mais.
São registros de vida, na maioria das vezes, de gente que, não encontro algo deles, pelo menos desta forma, em nenhum outro lugar. Muitos são controversos e comentam horrores de alguns (estes os mais interessantes), o que me faz buscá-los com maior avidez. Não sou o único a produzir algo assim e nem quero. O bom era mesmo, se mais gente se interessasse pelas histórias e relatos exatamente dos “simplões”. Eu quero confessar estar cada vez mais interessado em não parar mais, pois ouvir essas histórias também ajuda a mover a minha própria vida. Eu crio toda uma expectativa, a preparação para o que virá pela frente, quem será o próximo. Faço um roteiro, pesquiso, me informo e quando diante da pessoa, quase todos de forma virtual, eles de um lado, eu aqui de outro, soltamos a franga. Já ouvi cada história de arrepiar, algumas mais do que emocionantes, dessas com vontade de largar tudo e ir lá abraçar a pessoa.
O sentido da vida está muito em fazer o que se gosta. Eu gosto muito, deste contato com pessoas diferentes. Não me peçam para entrevistar um figurão empoado, onde mentiríamos um para o outro, pois daria merda. Quando a gente encontra algo que dá sentido pra vida, eis um prolongamento natural pra existência humana. Não é só estes encontros semanais que me movem, mas um deles. Desde o primeiro momento, quando me decidi escrever dos tipos populares de Bauru, creio ter encontrado um rumo diferente. Agora, no prelo, um livro com cem destas pessoas, as imprescindíveis que o visitante não pode deixar de conhecer ao chegar à Bauru. Depois vou compilar algo de cada uma destes bate papos semanais. Penso também em juntar histórias, reuni-las num condensado com pitada deste jeito gostoso de saber tocar a vida adiante. Projetos não me faltam, mas o cansaço me alquebra. Temo não ter tempo de fazer tudo o que tenho em mente. Acumulo novas ideias na cachola e a cada dia, dores se acumulando pelo corpo, uma só certeza, faltará tempo para colocar tudo em prática. Nem isso me faz parar. Eu só quero continuar tentando, insistindo e dando muito murro em ponta de faca. Mijo também, muito, fora do penico. Só não faço, ainda, xixi na cama.
Henrique Perazzi de Aquino é jornalista, professor de História e mantém o blog Mafuá do HPA (www.mafuadohpa.blogspot.com)
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