Publicado em: 03 de dezembro de 2022 às 12:35
Fui convidado para visitar minha amiga Paula (nome fictício), tínhamos assuntos profissionais a tratar. Ela me avisou antecipadamente algo que a preocupava. Seu pai, de uns tempos para cá, tinha se transformado num empedernido bolsonarista e daí, a recomendação era para tocar o mínimo possível em temas políticos. Cheguei desarmado e assim permaneci, porém, o que ali se passou é bom exemplo de como anda se dando o diálogo entre os dois lados do confronto brasileiro, ainda mais quando um deles não pretende mais dialogar e sim, impor sua posição e nada além disso.
Ele deve ter tomado conhecimento prévio de algo a meu respeito, pois percebi o constrangimento já nos cumprimentos. No cumprimento básico, “Tudo bem, como vai o senhor?”, a resposta já veio enviesada: “Tudo bem uma ova, você não sabe que fomos roubados. A gente não tinha como perder a eleição e se não fosse o cabeça de ovo, tínhamos ganho. O Brasil não pode permitir uma sacanagem deste tipo”.
Percebo que o tal do “cabeça de ovo” dito por ele é o ministro Xandão do STF. Como já estava avisado e não querendo estragar tudo na entrada, me fingi de morto e mudo de assunto: “Como chove por estes dias, né!”. O tal não quer mudar de assunto e insiste na pegada: “Faça sol ou chuva, o Brasil não pode esmorecer, temos que nos manter alertas e unidos, pois o comunismo quer tomar conta deste país e isso não permitiremos”.
Quando minha amiga percebeu que iria responder, delicadamente me dá um bicudo por debaixo da mesa e faz cara de sério, sinal evidente para não entrar no jogo. Ela, simpaticamente me puxa para o lado e diz para todos dos motivos de minha vinda ali, da necessidade de uma conversa particular e me puxa para outro cômodo. Vou, não sem antes ouvir mais uma vinda do senhor, com um olhar cada vez nervoso: “Minha filha precisa ouvir mais seu pai, pois estão tentando destruir nosso mito e o Brasil vai parar por causa dessa maldade”.
Já só com ela, digo não ter acreditado ser tão sério o seu pedido, agora comprovado. Pergunto se já havia buscado algum tipo de orientação psicológica. Ela, tão consciente da destruição provocada pelo bolsonarismo, resume tudo em poucas palavras: “Meu pai está transtornado e transformado. Antes de aderir de corpo e alma nessa perversa seita, era um homem comum e hoje, diante de uma lavagem cerebral, ninguém mais o aguenta. Só fala nisso e se o confrontasse, correria o risco de ser expulso daqui de casa.
Confabulamos o que havia ali me trazido e, o senhor, fazendo questão de ser ouvido, vez ou outra, gritava para ser ouvido, palavras de ordem do tipo “Isso aqui é uma família e ninguém vai destruir o que construí uma vida inteira”. Ela me conta que, outro dia na fila do banco, alguém o contrariou e ele voltou para casa todo molhado, tinha se urinado todo de nervoso. Hoje só sai nas ruas de verde-amarelo e enrolado numa bandeira do Brasil.
A história aqui contada por parecer exagerada, mas trata-se da mais pura verdade. Queria reagir, mas tive a certeza de estar diante de alguém perturbado e com sinais de problemas mentais. Na saída, me provoca novamente: “Igual o mito não tem ninguém. Ele não vai vender o Brasil e os verdadeiros brasileiros vão reagir à altura”. Me despedi sem muitos salamaleques e já do lado de fora, o vejo ele rodando na sala enrolado na bandeira brasileira. Saio de lá entristecido, pois quando me vejo diante de alguém aceitando o diálogo, estou sempre apto, mas diante de situação tão esdrúxula, faço comparação com os tantos hoje dançando e clamando aos céus por uma tal de “intervenção sideral”, postando diante de quartéis militares, agora tenho a mais absoluta certeza, estes só com sério tratamento psicológico. Perderam mais do que a razão.
Henrique Perazzi de Aquino é jornalista, professor de História e mantém o blog Mafuá do HPA (www.mafuadohpa.blogspot.com)
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