Publicado em: 22 de abril de 2022 às 21:44
Duas condições o ser humano precisa ostentar para ser um homem sábio. A paciência e a humildade. Estas devem ser igualmente virtudes de um advogado, que acresce a seu cabedal, para advogar, a perseverança. Esta trilogia de humildade, paciência e perseverança, meu amigo João Nantes as tinha de sobra e as aliava à sagacidade. Porque a Advocacia não é ofício de leguleio, o que se destaca por vomitar regras. Mas substancialmente a humanização e a vivificação dos cipoais de legalidade. E João, neste ofício, transformava com maestria o mistério da juridicidade em quase um recitar infantil, com que se entendia com todos, como poucos, até mesmo com os juízes. Desde quando conseguira com o então Presidente da Ordem, meu saudoso amigo José Eduardo Loureiro, voto favorável do Conselho Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, para instalar a Subsecção da OAB em Santa Cruz do Rio Pardo, então tributária de Ourinhos na gestão do Doutor Hélio Assad, João Nantes já pontuava em nossa Advocacia, sobretudo, com a simpatia, que deve ser outro atributo do advogado para conquistar clientela, na expressão natural de um advogado que sabia falar porque sabia dizer.
Muitos o duvidavam e até com ironia indagavam o que faria um quase farmacêutico na complexa posição de causídico ou no cipoal das ciências jurídicas. Entretanto, o menino que rompia os limites de uma profissão complexa, sabia conversar com o povo sem a afetação dos que complicam o singelo do direito que é simples para ser real e nada é quando se complica, tornando-se ininteligível à linguagem do povo.
Em sua carreira profissional, desde o trabalhador rural do Bairro da Onça, perpassando por auxiliar de sapateiro, Nantes aprendeu a palavra simples para dizer coisas complexas, que são simples para o entendimento de todos e que se não forem entendidas de plano pelo mais simples do povo, é porque não são efetivamente jurídicas. Quando militei na política de Ordem, meu primeiro telefonema era para João Nantes. Desde quando acompanhei Mariz contra Loureiro, e depois Batochio, por causa de Piza, em seguida, meu presidente da OAB paulista, tendo João como ponta de lança, sempre ganhamos até por unanimidade todas as eleições santa-cruzenses para a Ordem, em que me cabe agradecê-lo e aos advogados de minha terra por toda esta consideração.
Quando me iniciei em outra Ordem, pelas mãos de meus amigos Pedro Gagliardi e Toninho do então Pedra Bruta vindo à luz, a primeira pessoa que vi, em São Paulo, à minha frente, foi João Nantes. Uma curiosa coincidência que Gagliardi (já falecido) sempre me disse que fora casual. Acredito. Contudo havia algo entre nós, quiçá o carinho que ele tinha por minha mãe, professora dele ou por meu avô, obstetra, que, como ele dizia, havia lhe salvado a mãe. João tinha espírito de elevada fraternidade. Ponta firme. Era certamente líder e sobretudo cívico, que é o que falta no Brasil: alguém que sabe servir sem nada pedir. Conhecido por muitos, além das fronteiras do Rio Pardo, por muitos magistrados de nossos Tribunais. Sou testemunha em quanto João tinha fama. Um advogado polivalente, que modernizou o ramo em Santa Cruz.
Eduardo Couture, excepcional processualista uruguaio — aquele que disse que, no conflito entre o Direito e Justiça, fiquemos nós, advogados, com a Justiça e não com o Direito -, dizia que das maiores emoções de um advogado é ver um filho advogado. Meu amigo e irmão partido, que repousa em nossa saudade, teve vários em família e finalmente sua esposa, que tanto deve ter alicerçado sua carreira, filha de meu amigo João Brandini, um italiano de fibra e muito trabalho.
A literatura Jurídica escolheu Sísifo como símbolo do advogado, tirando-o da mitologia grega. Sísifo que, em versão romana, foi chamado Tântalo, era um gigante (e o advogado é gigante). Castigado pelos deuses, Sísifo ou Tântalo tinha como pena carregar uma pedra enorme até o alto de uma montanha altíssima. Mas quando o gigante chegava ao cume do monte, com a pedra, às costas, ela caía, de novo e rodava morro abaixo. Sísifo tinha de começar tudo de novo, sem reclamar jamais. Pegava de novo a pedra lá embaixo e a trazia novamente para cima da montanha, em moto contínuo, de cima para baixo e de baixo para cima sucessivamente até a morte, sempre. A vida do advogado é isto, de alto a baixo. A cada causa levada ao píncaro da Justiça, há outra que desmorona, todo sempre a fazer com sacrifício e recomeçar, com denodo. João sabia bem o que era isto e nunca desanimava. Outro jurista, Sobral Pinto, dizia que advogado se marca pela coragem e que não pode conhecer jamais a covardia.
João era o trabalho. Nunca a covardia. Mas sabia ser firme, com muita doçura.
Santa-cruzense, Sampaio Gouveia é advogado graduado pelas Arcadas e especialista em Finanças e Contabilidade (pela EAESP/FGV) e em Direito Penal Econômico (pela GVLAW/FGV), mestre em Direito Público (Constitucional) pela PUC-SP, Conselheiro e Orador oficial do IASP, membro do Consea/Conjur/Fiesp, procurador-jurídico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, entidade em que é irmão Mesário e remido, conselheiro da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Medicina da Faculdade de Misericórdia de São Paulo. É membro do Instituto Brasileiro de Recuperação de Empresas em Crise. Foi conselheiro-seccional da OAB-SP e da ASP. CEO Sampaio Gouveia Associados
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