Publicado em: 10 de maio de 2023 às 17:43
Ainda tenho vívido na memória, no início da década de 90, o realismo mágico de Aguinaldo Silva em sua novela “Pedra sobre Pedra”. Como esquecer do personagem Sérgio Cabeleira, que sofria a cada lua cheia por se sentir fortemente atraído por este satélite. Foi interpretado pelo já brilhante Osmar Prado que, recentemente, nos brindou com outra bela atuação como “Véio do Rio”, em “Pantanal”.
Mas o foco da minha memória não é a novela, mas os intervalos, “os reclames do plim plim” que apresentavam comerciais da Almadén. Lembro-me de um deles. Já, naquela época, o comercial queria desmistificar regras sobre o vinho e deixá-lo mais atraente para o grande público. Mostrava três moças simpáticas e solteiras em um restaurante. Não eram adolescentes, mas também não eram balzaquianas. O narrador afirmava: “Diz a regra, carta de vinhos sempre deve ser entregue ao homem... Deve-se provar o vinho antes de servir”. Obviamente as moças é que escolhem o vinho e autorizam o garçom a servi-lo, mesmo sem realizar a prova prévia por este oferecida. Para encerrar, elas pagam a conta da mesa ao lado, onde estavam três rapazes e o narrador arremata: “A Almadén respeita todas as regras de qualidade para que você não tenha que respeitar as regras ao beber”. Peças publicitárias como estas renderam à Almadén, por muitos anos, o título de o produtor de vinho mais lembrado pelos brasileiros.
A história de Almadén tem 17 décadas, ela foi a pioneira na produção de vinhos na Califórnia. Foi fundada em 1852 pelo francês Etienne Theé, que plantou os primeiros vinhedos da Califórnia com vinhas de sua casa na França, batizando-o de “Almaden Vineyards” em homenagem a uma mina local na área de Los Gatos. Inclusive, tem uma cidade no Vale de San José na Califórnia com o nome “Almaden”.
No início da década de 70 a Almadén pertencia ao grupo Seagram, que detinha uma boa fatia do comércio de bebidas no Brasil. Mas, na época, os poucos vinhos brasileiros não eram tão bons e a importação era limitada pela legislação de reserva de mercado e praticamente não existia vinho importado. Então, a Seagram decidiu produzir vinhos no Brasil. Para tanto, trouxe especialistas da Universidade de Davis (Califórnia) para identificarem o melhor “terroir” no Brasil para uvas viníferas. Após detalhados estudos de clima e solo, foram escolhidos os terrenos na região de Santana do Livramento, na Campanha Gaúcha (RS), na divisa com o Uruguai, no Paralelo 31, Sul. Os técnicos ficaram encantados com os 100 dias de sol durante o verão e com a amplitude térmica diária, isto é, a diferença de temperatura noite dia, que é de suma importância para a produção de vinhos de qualidade.
A instalação da vinícola trouxe uma grande evolução nas técnicas de cultivo de videiras e produção de vinho. A primeira safra foi lançada em 1982, e, dois anos depois, os vinhos passaram a ter a marca Almadén. Mas, em 2002, a francesa Pernod Ricard comprou a vinícola da Seagram que, posteriormente, em 2009, foi comprada pela Miolo Wine Group. Então, hoje, a Almadén pertence ao grupo Miolo. A propriedade tem 1.200 hectares, com 450 hectares de vinhedos. É o maior do vinhedo do Brasil e o mais antigo da Campanha Gaúcha. Destes vinhedos de Santana do Livramento são produzidos 13 vinhos (sete tintos, cinco brancos e um rosé). A linha que recebe o nome da marca, Almadén, é a linha de entrada, vinhos mais simples, mas de ótima relação qualidade/preço, na faixa de trinta e cinco reais.
A Miolo, há pouco tempo, desenvolveu uma linha intermediária de vinhos que entrega muita qualidade pelo preço pago. É a linha “Single Vineyard”. Esta expressão significa vinhedo único. Trata-se de vinhos cujas uvas foram retiradas de uma única parcela, geralmente pequena e específica de um vinhedo, que demonstrou durante os anos que produz um vinho de qualidade superior às demais parcelas. A linha é composta por seis rótulos e dois deles são elaborados nos vinhedos da Almadén, em Santana do Livramento: Single Vineyard Cabernet Franc e o Single Vineyard Riesling Johannisberg, ambos com Indicação de Procedência da Campanha Gaúcha. Ambos na faixa de oitenta a noventa reais.
Destaco, por fim, que é na vinícola Almadén que nasce um dos ícones da Miolo e do Brasil: “Miolo Vinhas Velhas Tannat”, de plantas enraizadas ainda em 1976, com 47 anos de idade. Este vinho é semelhante em estilo aos grandes vinhos de vinhas velhas da Europa. Quanto mais velha uma vinha, menor será a sua produção e com isso os frutos são mais concentrados e os frutos assim geram vinhos mais concentrados e melhores. É encontrado na faixa de cento e oitenta reais. É muito bom!
Caso queira saber mais sobre a Almadén e seus vinhos, assista, no meu canal no Youtube, o vídeo: “Almadén: 50 anos de vinhos bons e baratos”, neste link: https://youtu.be/ufp7DgKw_XA
Por Mauricio Azevedo Ferreira, Promotor de Justiça aposentado que transformou uma paixão em atividade, dedicando-se ao ensino sobre vinhos. É responsável pelo conteúdo da página no Facebook, do perfil no Instagram e do canal do YouTube Apaixonado por Vinhos, além de ministrar cursos. É certificado pela WSET — Wine & Spirit Education Trust, nível 3, e FWS — French Wine Schollar.
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