Publicado em: 30 de julho de 2022 às 05:57
É interessante ver a notoriedade de algumas famílias em seus respectivos ramos de atividade. Mas uma olhada superficial pode conduzir à errônea conclusão de que o sucesso adveio em razão de um de seus membros, justamente porque este é o que mais se desponta na atualidade. Ledo engano! Seria o mesmo que, na prova de revezamento do atletismo onde cada membro da equipe percorre um trecho, entrega ao seguinte um bastão e somente o último cruza a linha de chegada, creditar ao derradeiro o mérito da vitória. A vitória é fruto do bom desempenho de cada um dos antecessores. Assim foi com a família Catena.
A grave crise social e econômica vivenciada na Itália na segunda metade do século XIX gerou um êxodo para o novo mundo na busca da terra prometida. Com um sonho e muita determinação Nicola desembarca na Argentina em 1898. Busca desesperadamente aquela cuja mão lhe havia sido prometida ainda na Itália. Não a encontra, pois havia fugido com um dançarino de tango. Em reparação, o sogro lhe entrega a mão de outra filha, Ana. Pouco tempo depois, em 1902, Nicola planta o seu primeiro vinhedo de Malbec, cuja casta, apesar de não ser italiana, mas sim francesa, tinha promessas de bons resultados.
Os vinhos eram simples e o negócio se desenvolvia de forma satisfatória, mas foi nas mãos do filho, Domingo, que a bodega se firmou como uma mais tradicionais e rentáveis de Mendoza. Domingo casou-se com Angélica, filha de Lorenzo e Nicássia. Tendo recebido uma educação refinada e portadora de grande força interior, Angélica educou com esmero aquele que recebeu o nome do avô: Nicolás. Sempre afirmando ao filho que ele era grande demais para tão somente produzir vinhos. Certa vez o menino, que era dado à leitura, disse: “Quer ser físico!” “Que seja, mas que ganhe o Prêmio Nobel”, bradou a genitora. Mal sabia ela que, na verdade, estava talhando o caráter daquele seria o responsável por colocar o Malbec Argentino no cenário mundial.
Não foi físico, mas economista de renome. Tanto que se tornou professor convidado na Universidade de Berkley, Califórnia. Embora tivesse a sua própria atividade, nunca se distanciou do pai e da produção de vinhos. Era um amante e conhecedor de bons vinhos. Tinha nos franceses, principalmente oriundos da região de Bordeaux, um modelo inatingível e que jamais poderia ser reproduzido em outro local. Até então, a Argentina produzia vinhos no estilo italiano, que descansavam em grandes barricas de madeira (“botti”) e sofriam uma deliberada oxidação, o que ofuscava os aromas e sabores de frutas e deixava o vinho um pouco austero.
Estando na Califórnia, foi visitar a jovem e pujante região vinícola do Napa Valley. Conheceu Robert Mondavi, um dos responsáveis pelo renascimento da vinicultura nesta região. Nicolás teve suas convicções abaladas: provou vinhos cuja qualidade, segundo reconheceu, era a mesma do que os melhores de Bordeaux. Com a determinação recebida de sua mãe, afirmou para si: Também podemos produzir vinhos excelentes na Argentina.
Resumindo, ele assume o negócio da família. Como pioneiro, planta vinhedos de Malbec em maior altitude, em Luján Cuyo. Isola e estuda o solo de pequenas parcelas de vinhas que há décadas apresentavam qualidade diferenciada, embora não se soubesse o porquê. Muda o processo de vinificação e adota pequenos tanques de inox, com melhor assepsia e controle de temperatura. Abandona os “botti” e passa a utilizar barricas francesas e americanas, que são menores.
O reconhecimento foi consequência. O respeitado crítico e guru de vinhos Robert Parker, ao provar o vinho, concedeu uma nota altíssima e tempos depois afirmou que o Malbec atingiu qualidade surpreendente na Argentina, com vinhos baratos, deliciosos, majestosos, profundamente complexos de vinhedos de altitude. Foi o que bastou para que os holofotes do mundo todo se projetassem sobre a Catena Zapata.
Hoje com 83 anos e embora passe a maior parte do seu tempo em Buenos Aires, Nicolás ainda controla a bodega. Seus três filhos, Laura, Adriana e Ernesto, sem se distanciarem do pai, desenvolveram carreira solo e possuem rótulos de grande qualidade. Laura criou a linha La Posta e o fabuloso Malbec Luca. Adriana, juntamente com o enólogo chefe da Catena Zapata, Alejandro Vigil, possuem a Bodega El Enemigo, e é do Ernesto os vinhos Alma Negra.
Por Mauricio Azevedo Ferreira, Promotor de Justiça aposentado que transformou uma paixão em atividade, dedicando-se ao ensino sobre vinhos. É responsável pelo conteúdo da página no Facebook, do perfil no Instagram e do canal do YouTube Apaixonado por Vinhos, além de ministrar cursos. É certificado pela WSET — Wine & Spirit Education Trust, nível 3, e FWS — French Wine Schollar.
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