Publicado em: 22 de outubro de 2022 às 07:00
Não cresci em uma família que consumia vinho com frequência. Mas recordo-me de, certa vez, meu pai ter comprado uma caixa de vinho, com uma dúzia. As garrafas eram personalizadas com o seu nome logo abaixo da inscrição: “Reserva Especial de...”. Lembro-me que constava no rótulo palavras, que para mim, pareciam estranhas: Cabernet Sauvignon. Meu pai falava com orgulho: “Vieram do Rio Grande do Sul.” Ele presenteou alguns amigos, entre eles o seu compadre Baiano, porém, algumas garrafas ficaram guardadas. Quando completei 18 anos, ganhei uma garrafa e abri. Uma decepção! Era horrível! O vinho não estava estragado, simplesmente eu não entendia como alguém pudesse gostar de algo assim! Hoje, peço perdão publicamente à Cabernet Sauvignon pela minha incompreensão, própria dos jovens.
Meus amigos de juventude, às vezes, compravam uma garrafa de vinho, e naqueles tempos de importação restrita, ficávamos com os brasileiros Château D’Argent e Château Duvalier. Meu paladar continuava o mesmo, mas eu não reclamava. Seria ofensa ao amigo que trouxera o vinho. E era uma alegria quando aparecia o vinho alemão adocicado da garrafa azul: Liebfrauenmilch
Na época, o Dedé, proprietário da principal lanchonete da cidade, com o sugestivo nome de “Pingão”, acrescentou pizza ao cardápio, a qual era acompanhada de vinho servido em um pequeno decanter: chic! Fiquei deslumbrado com aquela combinação e perguntei sobre a origem daquele vinho e então ele me contou a seguinte história: “Você conhece o Frei Cláudio, o dominicano de barbas longas e brancas e que dirige um Jeep Willys? Nós compramos uma carga fechada de vinho do Rio Grande do Sul e enterramos no porão da igreja, cobrimos tudo com terra. O vinho descansa e melhora.” Fiquei fascinado com a ideia de que o vinho poderia melhorar com o tempo. Recentemente, o Bibão, filho do Dedé, disse que a história seria verdadeira. Sempre quis comprar um garrafão dele, mas nunca vendeu e dizia porquê: “Quer acabar com meu negócio? Se vendo para você, terei que vender para todo mundo e então, adeus ao acompanhamento da pizza.”
Certo dia encontrei o saudoso professor Nico Mardegan em uma distribuidora de bebidas da cidade comprando vários garrafões de vinho do Ernesto Maitan. Então eu brinquei: “Vai ter festa professor?” Ele deu uma gargalhada e completou: “Não! Apenas estou repondo a adega. São para mim e para a Marina. Eu coloco tudo em garrafas de 750ml, devidamente esterilizadas, e faço o arrolhamento com um pistão de madeira e vamos consumindo aos poucos.”
Então eu gostei da ideia e passei a juventude comprando garrafões de vinho e distribuindo em garrafas menores. A economia era grande. Por diversas vezes eu tomei emprestado do professor Nico, o tal pistão de madeira para colocar a rolha. Da última vez demorei para devolver e ao encontrá-lo pedi desculpas, mas ele foi categórico: “Não está fazendo falta. Quando eu precisar, eu peço. Vai ficando com você”. É certo que está comigo até hoje e tem em um lugar de destaque na minha adega. Recordo-me das marcas Mioranza e Mosteiro. A primeira foi indicação do Dedé. Mas eu não sabia a diferença entre vinho de mesa e vinho fino.
Desde então, o meu paladar foi se aprimorando. Já casado, com filho ainda pequeno, ganhei do meu cunhado um livro sobre vinhos, com mais de quinhentas páginas. Novamente o encantamento sobre o mundo do vinho se apoderou de mim. Fiquei impressionado com tantos detalhes, com as milhares de uvas existentes, as diferenças de cada região produtora de vinho do mundo: seus solos, seus climas, as uvas que melhor se adaptam às condições de cada lugar e o modo particular de como o vinho é produzido. Mas foi menos de uma década que descobri a existência de cursos sobre vinhos e pesquisei os melhores.
Foram várias viagens, centenas de horas de estudo, muitas aulas, quase duas centenas de vinhos degustados e analisados, além provas difíceis. Mas nada é pesado quando se faz o que se gosta. Assim, recebi o certificado da melhor instituição dedicada ao ensino sobre vinhos, a inglesa Wine & Spirit Education Trust – WSET, nos níveis I, II e III. Também sou certificado pela French Wine Scholar - FWS, um curso avançado sobre vinhos e regiões francesas, destinado a profissionais da indústria e consumidores experts. Ambos os cursos foram ministrados através da melhor escola do país: Enocultura.
Creio que quanto mais você conhece sobre o mundo do vinho, melhor você escolhe a sua garrafa e mais você aprecia. Por isso, passei a ministrar cursos, aceitei o convite para desenvolver esta coluna, bem como para colaborar com o Portal Café Conto Encontro e, há menos de dois anos, iniciei um canal no Youtube, que já conta com mais de uma centena de vídeos: youtube.com/@apaixonadoporvinhos.
Espero a sua visita ao canal.
Saúde, um forte abraço.
Por Mauricio Azevedo Ferreira, Promotor de Justiça aposentado que transformou uma paixão em atividade, dedicando-se ao ensino sobre vinhos. É responsável pelo conteúdo da página no Facebook, do perfil no Instagram e do canal do YouTube Apaixonado por Vinhos, além de ministrar cursos. É certificado pela WSET — Wine & Spirit Education Trust, nível 3, e FWS — French Wine Schollar.
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