Publicado em: 16 de abril de 2022 às 00:12
A principal região produtora de vinhos do Brasil é, reconhecidamente, o Rio Grande do Sul, com destaque para o Vale dos Vinhedos, a primeira e, por ora, a única do país classificada como Denominação de Origem (D. O.). Lembrando que só a França tem centenas de regiões reconhecidas e demarcadas pela identidade de seus vinhos, além da tradição milenar na produção desta bebida de Baco.
Não é exagero afirmar que a Europa está séculos à frente do nosso país quando o assunto é vinho. Daí surge a pergunta: “Por que é tão difícil produzir vinho de qualidade no Brasil?” De forma bem simplista o clima é reconhecido como um dos principais empecilhos em razão das características próprias do ciclo da videira. De forma natural ela brota na primavera e tem a sua colheita no final do verão ou início do outono. Após a vindima, as folhas caem no outono e é realizada uma poda drástica para que ela possa repousar durante o inverno e poupar as energias que ficaram armazenas em seu tronco para o próximo ciclo, isto é, a próxima primavera, quando tudo recomeça.
Durante o período de crescimento e maturação a uva necessita de certa quantidade de horas de sol e, principalmente durante a maturação e vindima, ela não carece de muita água. Na verdade, a chuva neste período pode prejudicar a qualidade do futuro vinho. É fácil de entender. Os bagos das uvas em estágio final de maturação estão concentrados de açúcar e substâncias que vão proporcionar os futuros aromas e sabores do vinho. Caso chova, as raízes farão a água chegar até os bagos, estes ficarão inchados, aguados e perderão a concentração, gerando um vinho diluído, sem graça. No hemisfério norte, que é o caso da França, há pouca ou nenhuma chuva neste período.
Aqui está parte da reposta do porquê na Região Sudeste, especificamente em Minas Gerais e São Paulo, era difícil produzir vinho fino de qualidade: o vilão era o verão chuvoso. Eu disse “era difícil”, “era o verão”, pois a realidade está mudando e a cada ano mais e mais vinícolas destes estados estão alcançando prêmios na Europa. O Clima não mudou, continua chovendo no verão, o que mudou foi o acréscimo de mais uma poda.
O mérito é do mineiro Murillo Albuquerque Regina, engenheiro agrônomo da Epamig, com especialização em viticultura e enologia na Espanha, mestrado e doutorado em Bordeaux e Pós-Doutorado em Montpellier, ambos na França. Ele percebeu que famosas regiões vinícolas da França tinham um clima no período de crescimento e maturação das uvas semelhante ao inverno da região cafeeira mineira, que ele conhecia tão bem. Era o clima certo, mas na época errada, pois naturalmente a videira nada produz no inverno.
Após mais de uma de uma década de tentativas e experimentos, apoiado pela Embrapa, o nosso cientista mineiro desenvolveu a dupla poda, também chamada de poda invertida. A videira continua sendo podada no inverno e brotando na primavera, mas ao chegar em janeiro, quando os cachos de uvas já estão formados, ainda verdes, é realizado uma segunda poda, com a retirada de todos os cachos. A seiva da vida vence e a videira reinicia o ciclo para, tempos depois, gerar novamente flores, que viram bagos, amadurecem e são colhidos no inverno, quando não há chuva. Tudo isto ocorre em uma região montanhosa. Sem nuvens, a insolação é grande, com temperatura média de 25º C e, durante a noite, esta cai para 10º C, diminuindo o metabolismo da videira e proporcionando uma maturação lenta, de maneira a conservar a acidez e as substância que serão responsáveis pelos aromas e sabores do vinho.
As primeiras mudas, Murilo Regina ganhou de um amigo francês, com predominância da Syrah. Justamente esta casta foi a que melhor se adaptou a este novo sistema de poda.
Entre as várias vinícolas que receberam reconhecimento pela alta qualidade de seus vinhos de inverno (com dupla poda ou invertida) destaco a “Primeira Estrada”, do próprio Murillo Regina e “Maria Maria”, ambas em Minas Gerais. No Estado de São Paulo temos, na Serra da Mantiqueira, Guaspari (Espírito Santo do Pinhal) e Casa Verrone (Itobi).
Por Mauricio Azevedo Ferreira, Promotor de Justiça aposentado que transformou uma paixão em atividade, dedicando-se ao ensino sobre vinhos. É responsável pelo conteúdo da página no Facebook, do perfil no Instagram e do canal do YouTube Apaixonado por Vinhos, além de ministrar cursos. É certificado pela WSET — Wine & Spirit Education Trust, nível 3, e FWS — French Wine Schollar.
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