Você vai ter que engolir

Apanhar pode significar várias coisas, desde pegar algo como levar uma surra. Quando saio às ruas, ou até mesmo na internet, apanho a realidade e apanho dela.

Na semana passada, em um desses grupos de facebook, uma mãe disse não haver conseguido faxina, e por isso pedia uma caixinha de leite para a filha. Cliquei no nome e abri o perfil. Na foto de capa ela estava sorrindo ao lado de um bebê, com roupinha amarela.

No começo do mês, um menino, por volta dos seus doze anos, veio de chinelos em minha direção enquanto comia um lanche. Com a boca ainda cheia, perguntei de onde era. Apenas disse ser de um desses bairros distantes. Eu engolia um teco do hambúrguer. A única coisa que abundava entre seus dentes era a saliva.

Há pouco, um amigo publicou em sua rede social ter sido abordado por um sujeito enquanto saia de um supermercado. “Tudo bem?” - perguntou. “Não, senhor” – ouviu. Continuaram pela calçada e o homem tomou impulso, e após alguns passos soltou: “O senhor tem alguma coisa de comer? Qualquer coisa.”.

No para-brisa de um carro apanhei um folheto de supermercado onde aparecia: “grande inauguração. Você é o nosso convidado. Venha conhecer um novo conceito”. Vários alimentos aparecem. Embaixo deles, o número dos preços aparece em branco, tendo como fundo, um pequeno retângulo vermelho. Olho para o lado e o sinal está fechado. Uma mulher caminha entre os carros, segurando uma placa.

Ontem recebi uma carta na minha casa. Através do plástico transparente, vi apenas uma folha de caderno branca e rosa, com pequenas flores impressas na margem, recheada com letras cursivas em caneta azul. Não tive coragem de abrir o pequeno embrulho.  

Ando apanhando todos os dias. Dizem que a gente tem que aprender a se defender, mas mais que isso, ultimamente necessito de energia para lutar.