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Criação de salários na ditadura reduziu a importância do vereador

Criação de salários na ditadura reduziu a importância do vereador

Publicado em: 05 de outubro de 2018 às 14:07
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 11:00

Subsídios foram instituídos a partir de

1977, ‘inventados’ pela ditadura militar

Para o ex-vereador, cargo na Câmara hoje "virou profissão"



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

No final do século 19, eram eles quem governavam Santa Cruz do Rio Pardo ou qualquer outra cidade da região, já que a figura do prefeito ainda não havia sido criada. E só deixaram de existir durante curtos períodos na ditadura de Getúlio Vargas. São os vereadores, que amanhã comemoram seu dia nacional. Mas há o que comemorar? Afinal, os parlamentares do município são os alvos mais fáceis da crítica pública, principalmente depois que passaram a receber salários. A questão monetária veio em 1977, numa medida do então ditador Ernesto Geisel para obter apoio político nos municípios. O problema é que, a partir daí, as vantagens, mordomias e reajustes foram se multiplicando e, hoje, o cargo de vereador dá direito a uma razoável remuneração mensal. “Virou profissão”, lamenta o ex-vereador José Messias de Britto, 89.

É verdade que nem sempre foi assim. Até o governo de Geisel na ditadura militar, apenas vereadores de capitais tinham direito a salários. No interior, nenhum deles recebia um único tostão. Era a época da política saudosista, onde vereador, na verdade, colocava a mão no bolso para pagar despesas decorrentes do trabalho. A função também mudou, pois hoje o vereador está mais preocupado em conseguir verbas para o município do que fiscalizar a administração pública, que é a sua verdadeira vocação.

“Virou uma profissão”, diz José Messias de Britto, no alto de seus 89 anos e com a experiência de ter sido vereador sem salário na década de 1960. Ele é filho do saudoso Boanerges de Britto, que trabalhou com o prefeito Leônidas Camarinha e, junto com o lendário político, implantou a rede de água e esgoto na cidade, além de transformar Santa Cruz numa cidade totalmente arborizada. O professor José Messias acompanhou o grupo político do pai e nas eleições de 1968 acabou substituindo um colega de escola na lista de vereadores do grupo dos “vermelhos”. Era apenas para completar a chapa, mas Messias acabou sendo eleito. “O professorado me apoiou”, contou.

“Havia uma grande vontade de prestar um serviço para a coletividade, ao contrário de hoje, quando o sujeito se candidata para ter um ordenado”, afirmou. Aliás, atualmente um vereador em Santa Cruz do Rio Pardo recebe R$ 4.179,73, enquanto o presidente da Câmara tem direito a um valor maior: 5.386,24. Muitos têm, inclusive, empréstimos consignados pagos com o salário de vereador.

Nem por isso, segundo Messias, a paixão política era menor. “Havia grandes embates. Me lembro de uma sessão em que nosso grupo abandonou o recinto e a ata acabou sendo redigida pelo advogado Célio Fonsatti, que era da oposição”, lembra. O curioso é que os grupos políticos de Santa Cruz na época eram todos da Arena, partido de sustentação da ditadura militar, divididos em sublegendas. O MDB, o único partido de oposição permitido pelos militares, nem existia na cidade e só disputaria sua primeira eleição em 1976.

No entanto, Messias acabou se desiludindo com a política. “Começou a ter muito cambalacho e minha mulher também passou a não querer mais minha presença na Câmara”, disse, explicando porque abandonou a carreira política. “Mas nunca deixei de gostar de política. Até hoje gosto de ler e conversar sobre política”, afirmou.

José Messias aparece na propaganda dos “v ermelhos” em 1968



Antes e depois

Agente funerário, o ex-vereador Luiz Besson, 78, acumulou seis mandatos na Câmara de Santa Cruz do Rio Pardo. Por conta da longevidade, ele experimentou dois períodos distintos, aquele sem salário e outro em que o vereador passou a ser remunerado. Filho de um caminhoneiro fanático pelos “azuis” — o grupo político liderado por Lúcio Casanova Neto e Onofre Rosa de Oliveira —, Luiz entrou na política curiosamente graças aos adversários. Afinal, em 1972 ele foi convidado pelo candidato a prefeito Joaquim Severino Martins para compor a chapa de vereadores do grupo. “Eu acabei contando para o Lúcio e ele disse que eu deveria ser candidato, mas no grupo que meu pai sempre apoiou”, contou. E foi assim que Luiz Besson conquistou seu primeiro mandato.

“Na verdade, nunca foi partidário, mas um bairrista. Sempre apoiei todos os prefeitos e isto acabou provocando desconfiança entre meus companheiros. Um dia, a oposição ia votar contra um projeto do prefeito Joaquim Severino e eu achei que não era correto. Avisei o líder da oposição, vereador Antônio Francisco Zanette — o ‘Batatão’ —, e votei a favor. Aquilo me afastou do grupo e, então, eu passei a fazer parte da bancada governista”, lembra.

DOIS LADOS — Besson teve mandatos com e sem salários na Câmara



Besson conta que, mesmo sem receber salários, gastou muito dinheiro como político, não necessariamente para “comprar” eleitores. Também não foi em viagens, pois o vereador costumava acompanhar o prefeito nas audiências na capital. “Era o Joaquim Severino quem pagava tudo na viagem. E nunca pedia nota para depois ser reembolsado”, disse.

Besson, na verdade, gastou com famílias pobres, cedendo caixões de graça. E garante que ainda tem este hábito. Segundo ele, os gastos foram provocados pelo “coração mole”. Como agente funerário, Besson distribuiu até velórios de graça. “Meu ramo é ingrato. Imagine o sujeito abalado pela morte de um parente e sem dinheiro para o enterro. Então, eu fazia sem cobrar”, contou. Aliás, esta característica de Besson se mantém até hoje, mesmo fora da política. O ex-vereador diz que nunca cobrou enterros de famílias dos bairros mais carentes. “Ainda assim, a gente era muito explorado”, garante.

Besson conta que, quando foi instituído salário para vereador, era um valor simbólico. “O vencimento inicial era irrisório. Mas foi crescendo e, hoje, virou meio de vida”, diz.

Como vereador, Luiz Besson chegou à presidência da Câmara e acumulou problemas. Teve uma conta rejeitada e ficou inelegível por um curto período. Reabilitado, diz que não deseja mais disputar eleições. “A política está avacalhada e sem credibilidade. Hoje, há muita traição. Não desejo voltar, embora tenha sido insistentemente convidado. Mas a verdade é que encerrei a carreira”, afirmou.
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