DIVERSOS

Pascoalino: "Manoel e Geraldo"

Pascoalino:

Publicado em: 26 de agosto de 2020 às 17:42
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 08:33

Manoel e Geraldo

Pascoalino S. Azords

Dezembro não amanheceu com o Sol às 6h12 lhe desejando bom dia, como uma tia encalhada na janela que não perde o desfile dos lixeiros apressados. Dezembro acordou nublado, guardando um Sol melhor para o poente, como quem desperta contrariado, tentando colar os cacos do sonho. Foi-se o novembro dos figurões e figurantes do último mensalão embolsando dinheiro graúdo na cueca, na meia e até nos bolsos todos do paletó. Dólares, meias e cuecas à parte, dezembro amanheceu, antes de tudo, para os ilustres aniversariantes do mês. Dezembro veio vindo assim lá do Oriente, indiferente ao horário e ao erário de Brasília, e com a Lua quase Cheia ingressando no signo de Gêmeos; e com os reservatórios quase cheios, num parto prematuro e ao contrário, para dentro, antes mesmo da chegada do Verão.

Depois de perder a primeira semana com o desenlace do brasileirão, vou me redimir celebrando o aniversário do amigo Geraldo Machado. Geraldo não veio ao mundo de trem pelo fato de que Chavantes só viria ao mundo três anos depois. Poderia ter apeado neste planeta pela estação de Avaré, mas veio mesmo de cegonha, como Manoel de Barros chegou a Cuiabá no bico de um tuiuiú para reparar que “as coisas que não existem são mais bonitas”. Geraldo nasceu pequenininho, como todo mundo nasceu, mas cresceu como pouca gente cresceu — o jequitibá do Paranapanema.

Há 10 anos, quando passou a escrever regularmente para o Debate, Geraldo publicou “O sítio onde nasci”. Fresca como uma cachaça de Paraty é a crônica do menino da roça que “andava a cavalo, caía do cavalo, e vivia feliz”. Depois de duas páginas e meia passeando descalço pelo sirito Guarantã, Geraldo assim arrematou a crônica: “Nós não precisávamos de nada, tínhamos tudo. Hoje precisa-se de tudo e não se tem nada”. Seu primo Wilson Gonçalves tinha chegado seis meses antes, ali também no Irapé, para dividir com ele uma meninice de calça curta e a cara amarela de tanto chupar manga. “Onde eu nasci foi muito bonito e eu não voltarei mais lá”, diz Geraldo naquela crônica reminiscente. Ele que no próximo dia 16 arredonda 90 anos de idade!

Como a primeira e única edição de seu livro de crônicas escolhidas está esgotada, quero multiplicar aqui o que escrevi, a pedido do autor, na apresentação de “O celeiro da memória”: Historiadores nos contam de nomes de projeção, de efemérides e revoluções. Geraldo Machado nos fala da paz que reinava nos quintais e no ofício de seus vizinhos e antepassados, de ocupações e virtudes que às vezes já saíram de moda. Sem cair no saudosismo dos cronistas que passarão, ele reverencia o passado e celebra o futuro. É “compadre das coisas” (da família de Guimarães Rosa), e da natureza e do progresso sustentável. É irmão daquele que venceu à custa do seu trabalho como daquele que, por toda a existência, preferiu se manter puro como veio ao mundo. Geraldo Machado nos ensina que, sem os óculos cansados do maniqueísmo, podemos enxergar melhor em todas as direções — até contra a luz e contra a corrente. E mais: enxergar e recordar como gostaríamos todos de sermos lembrados.

No próximo 16 de dezembro irei com outros dois mascates do Oriente levar uns presentinhos para o amigo Geraldo Machado: coquinhos de guariroba, café de garapa e um vidro de vagalumes para clarear a alvorada da sua idade nova. Na volta, virei catando bitucas, tampinhas de garrafa e preguinhos de joelhos dobrados largados no chão para presentear, no dia 19, Manoel de Barros pelos seus 93 anos.



  • Publicada originariamente em 06/12/2009 e repercutida na edição impressa de 16 de agosto de 2020


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

Previsão do tempo para: Sexta

Períodos nublados
21ºC máx
11ºC min

Durante todo o dia Céu limpo

COMPRA

R$ 5,41

VENDA

R$ 5,41

MÁXIMO

R$ 5,41

MÍNIMO

R$ 5,39

COMPRA

R$ 5,45

VENDA

R$ 5,62

MÁXIMO

R$ 5,45

MÍNIMO

R$ 5,43

COMPRA

R$ 6,36

VENDA

R$ 6,38

MÁXIMO

R$ 6,37

MÍNIMO

R$ 6,35
voltar ao topo

Voltar ao topo