ESPORTE

O dia em que a Esportiva rejeitou Pelé

Nos anos 1950, diretoria não quis trazer para Santa Cruz um garoto franzino que jogava no “Baquinho” de Bauru

O dia em que a Esportiva rejeitou Pelé

Por ironia do destino, Pelé quase foi jogador da Associação Esportiva Santacruzense

Publicado em: 02 de janeiro de 2023 às 16:58

Sérgio Fleury Moraes

 

O mundo lamenta a morte de Pelé, na tarde de quinta-feira, 29, e reverencia o maior jogador de futebol de todos os tempos. Edson Arantes do Nascimento morreu aos 82 anos, vítima de câncer que provocou a falência de múltiplos órgãos. A repercussão mundial e todas as homenagens tiram qualquer dúvida sobre o fato de ele ser considerado o “Rei do Futebol”.

Por toda parte, surgem depoimentos de jornalistas que, cobrindo guerras nos confins da África ou na Ásia, se viram em apuros quando cercados por grupos guerrilheiros. Mas a simples palavra “Pelé” acalmava todos e salvava os profissionais da imprensa.

De fato, o Santos, time pelo qual o jogador atuou por quase 20 anos, já conseguiu parar até uma guerra civil no Congo Belga, na África. Foi em 1969, quando o mundo todo queria ver o time mais poderoso do planeta, cujo ataque era liderado por Pelé.

A diretoria do time sentiu insegurança e disse que o time só viajaria caso houvesse uma trégua na batalha. Então, a surpresa que entrou para a história: os dois lados entraram num acordo que permitiu dois dias de paz absoluta. O Santos entrou num estádio lotado, com as forças dos dois lados dividindo as arquibancadas. Depois, quando o avião partiu, as bombas recomeçaram.

 

AO LADO DO ‘REI’ — O jogador Mariani (à direita de Pelé) estava em campo quando a Ferroviária de Araraquara goleou o Santos por 4x1, pelo campeonato paulista de 1971

 

O mesmo aconteceria dias depois, na mesma excursão do Santos, quando o governo de Biafra assegurou que não haveria confrontos com a Nigéria enquanto o time brasileiro estivesse em solo africano.

Pelé nasceu em Três Corações-MG, mas cresceu em Bauru, a 100 quilômetros de Santa Cruz do Rio Pardo, onde ganhou o apelido que encantou o mundo. E poderia ter uma história diferente, caso diretores da Santacruzense escolhessem o garoto para jogar na cidade em meados da década de 1950.

O episódio aconteceu quando a diretoria da Esportiva, que disputava a Terceira Divisão de profissionais, foi em busca de reforços para conseguir o acesso do time. Um dos dirigentes aconselhou o clube de Santa Cruz para observar um adolescente “endiabrado” que entortava zagueiros.

Dois diretores da Esportiva — Antônio Yoneda e Paulo Gilberto Machado Ramos — viajaram para Bauru para ver de perto o garoto durante um treino. De fato, os dois santa-cruzenses se encantaram com a performance do menino, mas acharam que ele era muito franzino. Trouxeram, então, um jogador mais robusto de Bauru.

Mais tarde, aquele garotinho seria levado a Santos pelo ex-jogador e técnico do BAC, Waldemar de Brito. Em 1956, na apresentação de Pelé, Waldemar disse a Athiê Jorge Coury, presidente do Santos: “Este é o garoto que vai ser o melhor jogador do mundo”.

 

Pelé com a camareira santa-cruzense Aparecida Sabino

 

O ex-prefeito Paulo Gilberto Machado Ramos, que morreu em 2015, confirmou em várias entrevistas a história do fatídico dia em que a Esportiva recusou trazer Pelé para jogar em Santa Cruz do Rio Pardo. “Betão”, aliás, dizia que não se arrependia. “Claro que seria uma honra para a cidade. Mas o que ele faria num time que era bom para a Terceira Divisão? Afinal, naquela época o Santos já tinha craques como Mengalvio, Zito, Pepe, Doval e outros. Foi melhor para a carreira dele”, disse certa vez.

 

Em 1956, Pelé assina seu primeiro contrato com o Santos

 

Pelé também marcou a vida de outros santa-cruzenses. O ex-jogador Benedito Carlos Mariani, o “Padeiro”, que foi ídolo no Marília e na Ferroviária de Araraquara, chegou a enfrentar Pelé nos gramados. E participou de um feito que entrou para a história: a goleada sobre o Santos por 4x1, inclusive com Pelé em campo.

O jogo aconteceu no dia 7 de março de 1971, pelo primeiro turno do campeonato paulista, o principal campeonato da época. O público presente, quase 17 mil pessoas, foi recorde durante muitos anos no estádio da Fonte Luminosa, em Araraquara.

De forma surpreendente, a Ferroviária envolveu o Santos de Pelé, Edu, Clodoaldo e companhia, goleando por 4x1. Mariani mal podia acreditar no feito histórico, mas lembrou que Pelé, ao sair de campo, avisou: “Vai ter troco no segundo turno”.

Outra curiosidade é que a Ferroviária atravessava uma crise financeira grave e o presidente avisou os jogadores para não trocarem as camisas com os adversários, uma tradição no futebol. No entanto, Pelé ofereceu sua camisa ao atacante Lance. “Claro que ele trocou. Afinal, era Pelé”, contou Mariani em entrevista ao jornal em 2019.

A desobediência provocou uma crise entre dirigentes da Ferroviária e os jogadores. Por muito pouco, Lance não foi punido. Mas Pelé ficou sabendo do caso.

No segundo turno, na Vila Belmiro, Pelé apareceu em campo com a camisa de Lance trocada no jogo anterior. Estava devidamente passada e embrulhada num plástico. O “rei” devolveu ao atacante, dizendo que jamais faria algo que prejudicasse atletas.

E, em campo, cumpriu a promessa feita na goleada do primeiro turno. O Santos ganhou por 5x0, com Pelé sendo escolhido o melhor da partida.

 

Pelé toca violão ao lado de “Cidinha” Blescke (à direita)

 

A ex-artista de programas de televisão Maria Aparecida Klescke, moradora em Santa Cruz do Rio Pardo, é outra que conheceu Pelé de perto. Ela se tornou uma das “boletes” que animavam o programa “Clube do Bolinha”, que fez sucesso nas TVs Excelsior e Bandeirantes durante duas décadas. Era apresentado por Edson Cabariti, nascido em Bauru, que adotou o nome artístico de Edson Cury.

Nos anos 1970, “Cidinha” conheceu Pelé numa recepção ao ex-presidente Jânio Quadros e ao deputado Gastone Right, que estavam acompanhados do famoso jogador do Santos. Foi no salão do Hilton Hotel, quando ela ficou ao lado de Pelé.

Em 1979, “Cidinha” teve uma pequena participação no filme “Os Trombadinhas”, em que Pelé foi o ator principal. Dirigido por Anselmo Duarte, o filme conta a história de um técnico do Santos que decide alojar delinquentes de rua em projetos sociais.

A santa-cruzense Aparecida Sabino, que trabalhou como camareira numa produtora de conteúdos e publicidade para televisão de São Paulo, também conheceu Pelé de perto.

Ele apareceu na empresa para gravar um vídeo e, segundo Sabino, foi extremamente simpático com todos os funcionários da empresa. “Claro que pedi uma foto”, disse numa entrevista ao jornal.

 

* Colaborou Toko Degaspari

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