O frade dominicano Gustavo Trindade dos Santos, que foi pároco da Igreja Matriz de Santa Cruz do Rio Pardo
Publicado em: 11 de junho de 2022 às 03:08
Atualizado em: 14 de junho de 2022 às 14:22
Sérgio Fleury Moraes
O frei Gustavo Trindade dos Santos, 37, foi ouvido pela Polícia Civil na quinta-feira, 9, depois de sucessivas negativas para prestar depoimento sobre o atropelamento proposital de um ladrão na noite do dia 7 de maio. Segundo relatório complementar encaminhado sexta-feira, 10, à Justiça pelo delegado Valdir Alves de Oliveira, a versão do religioso não condiz com as provas coletadas no inquérito, inclusive filmagens.
O ex-pároco da Igreja Matriz de São Sebastião de Santa Cruz do Rio Pardo perseguiu e atropelou um ladrão que havia furtado três moletons e uma camiseta na Casa Paroquial, localizada a uma quadra do templo católico. Imagens de câmeras de monitoramento mostraram a perseguição do ladrão pelas ruas frei Marcos Right e Alziro Souza Santos e avenida Tiradentes, onde o padre invadiu a calçada e jogou o veículo — um Chevrolet Cobalt de propriedade da Diocese de Ourinhos — contra o homem, arrombando o portão de uma loja de tintas e prensando a vítima contra um caminhão estacionado na garagem.
O ladrão é Ângelo Marcos dos Santos Nogueira, 40, conhecido por “Anjinho” e que já tem passagens por pequenos furtos. Ele é dependente químico. Internado nas UTIs dos hospitais de Ourinhos e Santa Cruz em estado crítico, “Anjinho” foi liberado na semana passada e está acamado na residência da família. No entanto, ele permanece em coma e não responde a qualquer estímulo.
Já o padre, que estava acompanhado de um estudante no momento do atropelamento, conforme se descobriu posteriormente, deixou a cidade na mesma noite do acidente num Fiat Doblô do convento.
Nos dias seguintes, ele se recusou a depor e deu endereços onde não foi encontrado. A Justiça negou dois pedidos de prisão preventiva apresentados pela Polícia Civil, com o padre sendo defendido por advogados da comarca.
No entanto, Gustavo mudou de ideia e resolveu depor na última quinta-feira, 9, pelo sistema de videoconferência. Ele alegou que os advogados de Santa Cruz, que inicialmente o defenderam, sequer o consultaram e que uma nota de possível “arrependimento” foi assinada por representantes da Igreja que não conversaram com ele.
No depoimento em que finalmente concordou em falar sobre o acidente, o padre Gustavo Trindade dos Santos disse que, ao perseguir o ladrão, gritou para que o mesmo parasse. Ele ainda alegou que o ladrão “se jogou sobre o veículo” na hora do acidente. Por último, informou que, imediatamente após o atropelamento, abriu o vidro do carro e pediu para que chamassem a polícia.
No entanto, não é isto o que mostram as imagens das câmeras de monitoramento. Segundo a Polícia Civil, não é verdadeira a versão de que o ladrão “se jogou” sobre o veículo ou mesmo que o padre estivesse gritando para ele parar. “Os vidros do veículo estavam fechados”, lembra o relatório complementar do delegado, que indiciou criminalmente Gustavo Trindade por tentativa de homicídio qualificado.
O carro, aliás, só foi identificado porque uma testemunha anotou o número da placa.
Testemunhas do atropelamento contaram que o padre fugiu em seguida, sem prestar socorro ou abrir o vidro do carro. Segundo o delegado Valdir Alves de Oliveira, houve um “desmedido ato de vingança privada, que não encontra amparo em um Estado Democrático de Direito”.
Pouco depois do depoimento do frei Gustavo, o advogado César Moreira, que defende o religioso, voltou a atacar o delegado que presidiu o inquérito policial. Valdir Alves de Oliveira é um dos mais respeitados delegados de São Paulo e fez seu relatório com base nas imagens das câmeras e depoimento das testemunhas.
Em entrevista à rádio 104 FM, o advogado de Ribeirão Preto disse que o inquérito foi “tocado de forma enviesada” e que seria “infelizmente tendencioso”. Segundo ele, o delegado já teria uma opinião formada a respeito do caso: “O frei tem o direito de dizer o que quiser, independente do que afirmam as testemunhas. O contraditório não compete à polícia”, criticou.
César Moreira disse que o frade “é um homem de Deus” e que sabe que “mentir é pecado e que os mentirosos não vão para o céu”.
Em outro ponto da entrevista, o advogado usou termos deselegantes para afirmar que não pode agir por conjecturas antes de uma eventual denúncia do Ministério Público: “Não vou ficar me masturbando mentalmente, pois não é o caso”.
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