‘Margô’ trabalhou 31 anos na Santa Casa de Misericórdia, mas um AVC a levou para o Lar dos idosos
Publicado em: 13 de março de 2023 às 16:23
Sérgio Fleury Moraes
O olhar parece perdido no horizonte, talvez buscando as memórias boas de um passado que, muitas vezes, não é muito distante. “Eu tenho saudade de tomar sorvete. Todo dia eu ia numa sorveteria perto de casa”, conta Margarida Maria da Silva, 68, que durante 31 anos trabalhou na Santa Casa de Misericórdia. Ela era conhecida como “Margô da Santa Casa” e há três anos sofreu um AVC que deixou sequelas. Desde então, está no “Lar São Vicente de Paulo” de Santa Cruz do Rio Pardo.
Margô é uma das 16 internas do asilo, onde mulheres são maioria num grupo de 29 idosos. Ao contrário do preconceito que existe sobre as casas de repouso, nem sempre o espaço é um local melancólico e triste. Claro que existem histórias de abandono, mas os internos têm tantas atividades que conseguem encontrar um novo estilo de vida.
A história de Margô foi dividida pelo AVC. Antes, era assistente social do hospital de Santa Cruz, depois de alguns anos trabalhando na recepção.
Margarida esteve na Santa Casa desde os tempos em que o hospital era administrado por um grupo de madres dominicanas. As religiosas deixaram a Santa Casa em 1981 e Margô continuou no trabalho, agora sob nova diretoria.
Casada duas vezes, ela se lembra do marido avisando que iria para Ourinhos e ficar fora “uns dois ou três dias”. Estava na cozinha e estranhou, mas o marido contou que iria visitar os irmãos. “Fiquei meio chateada e fui deitar. Daí não me lembro de mais nada”.
Ela foi encontrada no chão pelo irmão. O AVC deixou sequelas e Margô não tem os movimentos do lado esquerdo do corpo e pelo menos dois dedos ficaram atrofiados.
Três médicos que foram colegas de Margarida na Santa Casa a socorreram — Jonas Jovanolli, André Coelho e Walter Henares. “Quando eu me recuperei, me encaminharam para o Lar São Vicente. Não havia jeito de contratar uma cuidadora”, contou.
“Meu marido vem me visitar de vez em quando”, diz. Mas a assistente social ainda sorri e mostra que sua vida no asilo é boa. “Eu faço muitas coisas, gosto de caça-palavras e de música”, garante. ‘No começo eu estranhei, mas agora já me acostumei”.
Ela ainda tem um filho adotivo, que diz ver de vez em quando. “É que existem dias certos para as visitas”, lembra, olhando para o infinito.
Na verdade, existem preconceitos sobre as casas de repouso, hoje modernizadas e cheias de atividades. No “Lar São Vicente de Paulo” de Santa Cruz do Rio Pardo, por exemplo, os idosos fazem fisioterapia e assistem shows musicais todas as semanas — com a dupla Jovino e Jovane e o sanfoneiro Jean Freitas, que são voluntários.
Além disso, eles interagem entre si, fazem amizades e têm vários jogos à disposição.
“Estou feliz aqui”, diz Dirce Tavares da Silva Magnoni, 80, idosa que tem uma disposição surpreendente e mora no Lar São Vicente há alguns anos. Ela era de Cerqueira César, mas veio para Santa Cruz há décadas com o marido para trabalhar na zona rural.
Dirce conta que morava com o filho único num sítio após ter ficado viúva, mas ele se casou e começou a ficar com receio da mãe permanecer algum sozinha na propriedade. Assim, a idosa veio para o asilo há mais de três anos.
“Aqui tem de tudo. Faço amizades, aprendo jogos e converso bastante”, diz, lembrando que a felicidade, muitas vezes, pode ser encontrada nas pequenas coisas.
Aos domingos, é dia de visita da Comunidade de Jovens Nossa Senhora das Graças. “Eles gostam muito e cantam juntos. As atividades com os jovens voluntários chegam a durar até três horas”, diz a assistente social Luana de Fátima Marsola, uma das funcionárias da instituição de idosos.
Além disso, durante pelo menos dois dias por semana, os internos se misturam aos participantes do “Centro Dia”, um projeto do município em que idosos ficam numa ala do asilo durante todo o dia, retornando aos lares no final da tarde. O “Centro Dia” funciona num espaço lateral da instituição.
Os internos têm praticamente quatro refeições todos os dias, todas supervisionadas por nutricionistas.
Lar tem dificuldades
para os gastos diários
Segundo tesoureiro do “Lar São Vicente de Paulo”, Valdeir Nantes diz que a instituição sofre com falta de recursos, que muitas vezes chegam para fins específicos. É a conhecida “verba carimbada”.
“A gente sempre precisa prestar contas e, por exemplo, não podemos usar uma verba para reforma na compra de alimentos ou sabonetes”, explica. Por isso, diz, a instituição busca alternativas com promoções e doações para os gastos em geral.
Para reformas do prédio, felizmente a instituição recebe verbas governamentais. Recentemente, o deputado santa-cruzense Ricardo Madalena (PL) conseguiu a liberação de uma verba de R$ 200 mil, que será empregada na reforma do refeitório e da ala feminina.
Hoje, o “Lar São Vicente de Paulo” está promovendo a “Campanha da Soja”, incentivando produtores rurais a doarem pelo menos o valor de uma saca da safra agrícola. “No ano passado conseguimos 180 sacas. Neste ano, o tempo colaborou e podemos ter um resultado ainda melhor”, afirmou Valdeir.
Outra promoção é uma “ação entre amigos” em que o vencedor vai levar uma perua Kombi Volkswagen ano 2009 com menos de 2.000 quilômetros. O veículo pertence ao próprio asilo e surpreende pelo estado de conservação e baixa quilometragem. Os números podem ser adquiridos a R$ 20 na secretaria da instituição.
O “Lar São Vicente” existe desde 1946 em Santa Cruz e foi sendo ampliado ao longo de anos. Atualmente um dos projetos da atual diretoria é construir um espaço na lateral da rua José Ephifânio Botelho para alugar a algum tipo de comércio. “Nós precisamos de recursos mensais fixos”, diz Valdeir.
O tesoureiro admite que o povo de Santa Cruz do Rio Pardo é caridoso, mas que o asilo fica em último lugar quando se trata de doações. “É por isso que nos esforçamos para mudar mentalidades e acabar com preconceitos. Estamos convocando as pessoas a conhecerem a instituição. Temos, por exemplo, um excelente salão de festas que muitas famílias evitam alugar simplesmente porque fica ao lado do asilo”, diz.
Valdeir também reconhece que há muitos casos de abandono de idosos no asilo. “Existem alguns que nunca receberam a visita de um filho, nem mesmo no Dia dos Pais ou das Mães”, conta. “Nós cuidamos muito bem, mas o idoso também precisa do carinho dos familiares”, lembra.
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