SOCIEDADE

Cidade que já foi polo calçadista retoma aos poucos sua indústria

Santa Cruz tinha mais de 30 fábricas e foi o quarto polo calçadista de São Paulo, mas a maioria quebrou na crise

Cidade que já foi polo calçadista retoma aos poucos sua indústria

Roberto ‘Cabana’ e os filhos Pedro e Paulo , da fábrica ‘Gyncana’

Publicado em: 28 de maio de 2022 às 02:52
Atualizado em: 27 de dezembro de 2022 às 15:15

Sérgio Fleury Moraes

A retomada ainda é tímida, mas nos últimos anos algumas fábricas de calçados começaram a ressurgir em Santa Cruz do Rio Pardo. O sindicato patronal do setor também está sendo reorganizado e uma das primeiras bandeiras será reivindicar o retorno de cursos profissionalizantes do Senai para trabalhadores calçadistas. Nos anos 1980 e 1990, a cidade alcançou o status de quarto polo calçadista do Estado de São Paulo.

Foi o maior momento do setor calçadista de Santa Cruz, que participava de exposições nacionais, exportava seus produtos e empregava, direta ou indiretamente, mais de 2.000 pessoas na cidade. Além dos trabalhadores diretos, havia centenas de costureiras terceirizadas que trabalhavam em casa.

A partir do final dos anos 1990, quando começou a invasão dos produtos chineses no Brasil a preços baixos, uma crise sem precedentes provocou uma quebradeira geral. Em Santa Cruz do Rio Pardo, das quase 30 fábricas sobraram menos de cinco. Desde então, a cidade deixou de ser polo calçadista.

Apesar da retomada industrial do setor ainda ser tímida, ela é consistente e com os “sapateiros” — apelido dado aos empresários — desta vez com “os pés no chão”. Muitos, aliás, nunca deixaram de atuar na indústria, apesar das dificuldades.

Donizeti e calçados com nome de famosos fabricados nos anos 1990

É o caso de José Borges de Souza, 66, que começou a trabalhar em indústrias de sapatos desde os 15 anos de idade. “Sempre fui chão de fábrica”, garante. Eram os anos 1970 e o setor iniciava uma grande expansão em Santa Cruz. Segundo Borges, foi a época dos industriais pioneiros, como Ermínio Paulin (Calçados Claer), Ditão (Bemose), Augusto Venturini, José Wilson Freitas e outros.

Borges já era gerente da Mauber Calçados quando surgiu a chance de se tornar empresário. Arrumou sócio e se aventurou no ramo. O negócio foi bem durante alguns anos, até que a crise começou a apertar. “Nós quebramos”, conta.

Borges voltou a ser funcionário de uma fábrica, a “Kipé”, e algum tempo depois, insistente, comprou o estabelecimento. Hoje, a indústria funciona num barracão próprio no bairro São José e é administrada pela família — além de Borges, trabalham a mulher Maria José Bertoldo e os filhos Eduardo e Gustavo. A fábrica é especializada em calçados femininos para adultos, adotando a marca de fantasia “Moara”.

Para Eduardo Borges, a China já não é mais um obstáculo. “Hoje, a vilã é a inflação, além do período da pandemia que foi muito sofrido”, explicou. “O atual preço dos insumos prejudica a estabilidade do nosso custo”, disse. A lata de cola, por exemplo, dobrou de preço em pouco tempo.

Otimista, José Borges acha que há condições para Santa Cruz voltar a ser polo calçadista. “A nossa geração está passando, mas há uma nova com muita disposição. O sapato nunca vai sair do mercado e, portanto, o horizonte é bom”, disse.

As novas indústrias, aliás, tiveram de se reinventar por conta da tecnologia, principalmente a internet. Em alguns casos, a venda é quase que totalmente praticada através da internet, facilitando o contato com fornecedores ou clientes. Todavia, a concorrência é muito maior.

A “Kipé” voltou ao mercado, comandado pela família de José Borges e com cerca de 10 colaboradores

O auge da indústria calçadista de Santa Cruz possibilitou a vinda da escola Senai, por intermédio do empresário Geraldo Vieira Martins Júnior — ele próprio vindo do setor, já que era dono de uma cartonagem que fabricava caixas de sapatos. O Senai implantou cursos voltados para o setor, que hoje não existem mais.

A falta de mão-de-obra especializada é um problema sério na retomada das fábricas. Depois da “quebradeira” no final dos anos 1990 e início da década de 2000, os trabalhadores buscaram novos postos de trabalho e se espalharam em indústrias de outros ramos.

A “Kipé”, por exemplo, está fabricando 200 pares por dia, mas se a produção dobrar a empresa terá obrigada a “rasgar pedidos” por falta de mão-de-obra. É por isso que os “sapateiros” acreditam que a retomada do sindicato da categoria é essencial.

“Precisamos resolver este problema. Hoje, até as costureiras avulsas estão em falta no mercado. É urgente um treinamento”, diz José Roberto Alves Campos, o “Cabana”, 64, um dos pioneiros em Santa Cruz. Ele foi dono da “Criações Mauber”, uma das maiores fábricas de calçados da cidade.

“Cabana” começou a produzir em 1976 e três anos depois surgiu a “Mauber”, que espalhava seus produtos pelo País e ainda exportava para Paraguai e Bolívia. “No começo tinha umas oito fábricas, mas logo o setor cresceu e Santa Cruz chegou a ter 30 indústrias”, contou.

 

A Mauber não escapou da crise e fechou as portas. No entanto, como José Roberto também era dono de uma fábrica menor, ele continuou no ramo. Hoje, a indústria é a “Gyncana”, localizada no Jardim Brasília, que fabrica os produtos “Via Sul”, e tem 15 funcionários diretos. A indústria também é familiar, comandada por “Cabana” e os filhos Pedro e Paulo.

Dos 1.200 pares diários da antiga Mauber, a “Gyncana” tem atualmente uma produção diária em torno de 250 pares. Mas há esperança. “Estamos percebendo uma retomada boa do mercado. As feiras de calçados estão voltando e alguns polos estão aumentando a produção. Se a alta for consistente, vai faltar sapato no mercado”, alerta José Roberto.

Quando era o quarto polo calçadista de São Paulo, atrás de Franca, Birigui e Jaú, Santa Cruz do Rio Pardo tinha seus produtos conhecidos no mundo artístico. A fábrica de botas “São João”, por exemplo, de Cícero Ribeiro, calçou os pés de Lima Duarte na novela “Roque Santeiro”, quando interpretou “Sinhozinho Malta”.

A Madoni, que também foi uma das fábricas mais fortes de Santa Cruz, apostou em artistas para alavancar seus produtos. O empresário Aparecido Donizeti Batista Oliveira, 64, lembra com saudade da época em que fabricava calçados e botas com as marcas “Sandy e Júnior”, “Donizetti” e “Betinho Carrero”. A Madoni fechou as portas, mas o industrial ainda sonha em voltar ao ramo.

Daquele período, não ficaram apenas as lembranças. “Fiz uma amizade muito forte com o cantor Donizetti [famoso com a música “Galopeira”], que estampou nossos produtos. Eu falo com ele até hoje”, disse.

Aparecido era bancário, com carreira em ascensão no Bradesco, quando resolveu apostar no setor calçadista em 1985. Ficou entusiasmado, pediu demissão e montou a “Madoni Calçados”, sendo também um dos fundadores do Sindicato Patronal. “Ganhei dinheiro, mas sofri muito também”, admite.

Segundo ele, da grande crise que destruiu o polo calçadista de Santa Cruz, sobraram apenas duas ou três fábricas daquele período. Hoje, na perspectiva de retomada, a cidade já tem cerca de dez indústrias.

A aposta em artistas aconteceu por acaso. “Eu era rotariano na época e o cantor Donizetti veio fazer um show em Santa Cruz. A ideia surgiu na hora, conversamos e pouco depois assinamos o contrato. A bota Donizetti vendeu muito, especialmente em época de feiras country”, disse.

O empresário gostou do resultado e foi atrás de outras atrações. Ele fechou contrato para fabricar calçados com a marca “Sandy e Júnior”, estampando as fotos dos adolescentes, filhos do cantor Xoxoró (da dupla com Chitãozinho) nas caixas de sapatos.

Na época, 1997, a dupla juvenil estava no auge e tinha até um seriado na Rede Globo. Imagine, então, o preço do contrato. “Mas valeu a pena”, avalia Donizeti. A Madoni fabricava cerca de 1.200 pares diários, empregava 120 famílias e não conhecia a palavra encalhe. “Acredito que naquela época Santa Cruz produzia mais de 12 mil pares diários, contando todas as fábricas”. O industrial ainda fechou contrato para produzir calçados com a marca “Betinho Carrero”.

Segundo Donizeti, a quebradeira foi provocada pelos calçados chineses, que invadiram o mercado com preços muito baixos. “Diziam que eles tinham trabalho escravo e, por isso, os produtos eram muito baratos. Isto abalou a indústria brasileira”, contou.

Mesmo aposentado, o industrial diz que acalenta a esperança de voltar ao setor de fabricação de calçados. “Tudo vai depender do que acontecer no final do ano”, disse, referindo-se às eleições de outubro. 

 

* Colaborou Toko Degaspari

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