A santa-cruzense Laura Frederico, idealizadora do estúdio Revoá
Publicado em: 23 de julho de 2022 às 04:23
André Fleury Moraes
Passa-se o tempo, apagam-se as velas, e jovens seguem na vanguarda de seu tempo. Rebeldes, criativos e donos de si próprios, eles são capazes de mudar conceitos já estabelecidos, virar padrões de ponta-cabeça e, por que não?, retomar hábitos que jamais deveriam ter desaparecido da vida das pessoas.
Foi assim, contra tudo e contra todos, que a santa-cruzense Laura Frederico, 27, decidiu deixar a estabilidade que tinha no trabalho do mundo corporativo para tocar um projeto que, embora pessoal, transcende gerações: produzir álbuns de fotografia personalizados.
Laura, a bem da verdade, conhece o poder das lentes há muito tempo. Ganhou a primeira câmera fotográfica aos 15 anos — foi amor à primeira vista. Os cliques entraram para a rotina da então adolescente, que compartilhava os retratos no extinto Orkut, principal rede social da primeira década dos anos 2000.
A afinidade da jovem com a fotografia foi gradativamente reconhecida. Primeiro pelos colegas, para os quais produziu ensaios, e depois pela sociedade. Àquela altura, a paixão se tornou trabalho remunerado.
Inquieta por natureza, Laura percebeu ainda cedo que seu futuro estava na área da comunicação. Começou no curso de Publicidade e Propaganda, mas não se adaptou. Seguiu para a faculdade de Jornalismo. Acertou em cheio, perceberia pouco tempo depois.
Foi o Jornalismo, afinal, que reacendeu a paixão de Laura pelas lentes. Uma das disciplinas do curso é voltada exclusivamente à fotografia, e não é ingenuidade dizer que esta era sua matéria preferida.
Laura estudou da Unisagrado (antiga Universidade Sagrado Coração, a USC de Bauru), e foi numa aula voltada a trabalho social que conheceu o personagem que, anos depois, seria a peça central de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
O ano era 2015, e Santa Cruz acabava de receber o refugiado sírio Husam Halo, proprietário do restaurante Siriana, que fugiu da guerra que até hoje assola o território árabe. Ele mal falava português, e sua única fonte de renda estava na venda de alimentos típicos de seu país.
A barraca de Husam foi, então, o tema de um trabalho de Laura na faculdade. Nascia ali um laço que só se fortaleceria ao longo dos anos. Nenhum deles sabia, mas era questão de tempo para que os dois se reencontrassem — e de uma maneira muito mais profunda.
Entusiasta da fotografia, Laura decidiu que seu TCC seria desenvolvido a partir da produção de retratos. A proposta, mais do que original, foi contar a história do sírio Husam Halo através das lentes.
O trabalho exigiu 24 horas diárias de dedicação ao longo de uma semana. O sol mal nascia quando a estudante batia na porta do sírio, de quem ela não desgrudaria um segundo sequer ao longo dos dias. Estava acompanhada tão somente de uma câmera fotográfica, responsável por registrar a rotina de Husam em retratos que, embora simples, simbolizassem a difícil trajetória de um refugiado.
O resultado final do projeto da jovem impressiona qualquer pessoa. As várias páginas do trabalho, impressas em papel fotográfico e organizadas dentro de um livro capa dura, retratam em cores a rotina de um personagem forçado a deixar seu país e obrigado, por fatores sobre os quais não tem controle algum, a recomeçar a vida do zero.
O TCC da então estudante era o prelúdio de um trabalho que, anos depois, se tornaria empreendimento. Laura não se distanciou da fotografia, mas seu emprego no mundo corporativo a impedia de dedicar mais tempo ao ofício — até a chegada da pandemia.
A Covid mal chegava no Brasil quando ela passou a trabalhar em home office. O isolamento a que foi submetida, porém, levou Laura a repensar sua vida e refletir sobre o futuro. Reuniões, protocolos e burocracia talvez não fossem realmente seus planos.
Dentro de casa e sem poder manter contato social, Laura buscou alternativas para passar o tempo e não se perder no próprio tédio. Uma delas foi produzir álbuns de fotografia em forma de livro. Foi a melhor decisão que poderia tomar.
O primeiro ela fez por conta própria, com fotos de arquivo. Mostrou o resultado a colegas, que não esconderam a empolgação — naquele instante, Laura recebia as primeiras encomendas do que se tornaria um empreendimento. “Vejo a fotografia como uma arte capaz de mudar a vida das pessoas. Ela possibilita uma visão de mundo mais aprofundada”, afirma a jovem.
Assim nasceu o Revoá em Santa Cruz do Rio Pardo, o estúdio que Laura criou e cujo nome remete a um termo francês que significa “que bom te ver de novo”. É exatamente isso, a materialização da memória e dos bons momentos, que a fotografia proporciona.
O empreendimento até pode ser considerado inovador. Mas suas entrelinhas carregam um sentimento de rebeldia que, acima de tudo, simbolizam uma crítica a uma sociedade cada vez mais acelerada e digital.
“Temos que retomar práticas que, por mais simples que possam parecer, proporcionam um sentimento de paz e harmonia. Isso acontece quando vemos álbuns antigos, por exemplo”, aponta Laura.
Para muito além da memória, fotografias reveladas também garantem a eternização dos retratos. Não há, por exemplo, o risco que existe ao se armazenar imagens no celular — muitas vezes, importantes fotos são perdidas na troca de aparelho.
Os álbuns produzidos por Laura, porém, não se propõem apenas a guardar os momentos em papel fotográfico. Seu objetivo vai muito além: são únicos, especiais a cada pessoa. “A ideia é desenvolvê-los de acordo com o perfil de cada um”, explica. Cada foto-livro, por exemplo, tem sua própria capa, contracapa e dizeres internos. Alguns são inteiramente visuais, somente com imagens, enquanto outros carregam frases ou textos que combinam com os retratos impressos.
O Revoá até pode ter surgido de uma mente jovem. Mas carrega, por trás de tudo aquilo que produz, a essência de que existem hábitos que jamais devem envelhecer.
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