Henrique mostra uma Polaroid e um celular antigo; Flavia exibe ganchos de banheiro para toalhas
Publicado em: 08 de janeiro de 2022 às 02:24
Sérgio Fleury Moraes
Ferro-velho é aquele lugar cheio de entulhos e amontoados de ferros retorcidos e enferrujados prontos para venda por quilo, certo? Nem sempre. Este tipo de estabelecimento pode ser também um local onde se encontra peças que poderiam estar num museu ou quinquilharias que se transformam em belas decorações em qualquer residência.
Aliás, “Quinquilharia Rio Pardo” é o nome do ferro-velho que existe há quase quatro anos em Santa Cruz do Rio Pardo e está localizado na rodovia SP-225, ao lado da Trans Bernardes. Administrado pelo casal Henrique de Azevedo Soares, 37, e Flávia Soares, 38, é um estabelecimento que se preocupa em “garimpar” peças valiosas do ponto de vista histórico ou sentimental para gerações.
Claro que o ferro-velho também possui peças de todos os tipos, sucata para venda por quilo e metais variados. Mas há um setor onde objetos antigos são separados — e alguns são vendidos imediatamente.
É o caso de aparelhos telefônicos de discar, máquina fotográficas, celulares “tijolões” da década de 1990, máquinas de somar antigas, panelas e até vitrolas para discos de vinil.
Por sinal, o ferro-velho tinha centenas de discos de vinil, mas tudo foi vendido para um único colecionador. Uma antiga vitrola portátil vermelha também saiu rapidamente. “O comprador conhecia a peça, que era de um amigo que costumava levá-la para ouvir músicas durante a pescaria”, lembra Henrique.
O ingresso do casal no ramo aconteceu por acaso. “Eu estava cansado de ser empregado e precisava melhorar a renda da família após a chegada dos filhos”, explicou Henrique.
Ele fazia “bicos” com filmagens de drone, sendo um dos pioneiros na fotografia aérea em Santa Cruz, enquanto a mulher Flávia é restauradora de imagens sacras. Veio a ideia do ferro-velho, a empresa começou a crescer e Flávia foi obrigada a ajudar o marido na “Quinquilharia”. Claro que não foi fácil “pegar o jeito” de um ramo totalmente desconhecido. “Erramos muito e chegamos a pagar caro em materiais por puro desconhecimento”, admite Henrique.
Ele conta, por exemplo, que até na venda de latinhas de alumínio é preciso ter cuidado. “As empresas não compram no final do ano, pois toda a cerveja consumida nas festas natalinas e de Ano Novo já foram fabricadas. É preciso saber o momento certo para vendas”, explicou.
O diferencial é que o casal separou um setor de um barracão para peças que podem agradar a particulares. E já conquistou clientes cativos, que buscam estes produtos o mais rapidamente possível. “É até curioso. Tem sábado que o barracão parece um shopping, com as pessoas caminhando e observando os materiais”, conta Flávia.
Henrique conta que geralmente os clientes são homens, cujas mulheres ficam aguardando no carro. “A gente costuma dizer que é a hora da vingança”, diz, rindo, lembrando que muitos homens são obrigados a aguardar as mulheres em lojas e shoppings.
Às vezes, a peça é vendida antes mesmo de ganhar o balcão. “Isto acontece muito. Quando chega um lote e a separação começa, se tiver um cliente na loja ele olha e já compra na hora”, diz a restauradora.
A compra dos materiais é feita em clientes fixos, como oficinas e lojas. No entanto, muitas famílias também procuram o ferro-velho para se desfazer de “quinquilharias” quando, por exemplo, morre um idoso. “Muitas vezes, aquela peça era importante apenas para ele, mas no ferro-velho vai encontrar outra pessoa que goste, especialmente quando gera sentimentos saudosistas”, explicou Flávia Soares.
“Quando é a própria pessoa que deseja limpar o quartinho, é recomendável que ela não esteja presente na hora do recolhimento”, conta Henrique. É que muitas pessoas são consideradas “acumuladoras” compulsivas e têm grande dificuldade de se separar dos objetos. “Nestes casos, a gente tira duas peças do local e ela pega uma de volta, alegando que é importante”.
No “acervo” do ferro-velho há uma máquina fotográfica Polaroid novinha em folha, inclusive com a bolsa para transporte. No Mercado Livre, produto semelhante é oferecido a R$ 400. Para os saudosistas, há também filmes fotográficos antigos, da época das máquinas analógicas.
Nos armários da área “retrô” estão máquinas de costura, ferros elétricos antigos, lustres, arandelas, cilindros de pão, panelas de ferro e até uma lata rara de manteiga “Aviação”.
Outro produto que chama a atenção é um mimeógrafo, um equipamento manual para impressão em papel que usava o álcool como matéria-prima. Inventado em 1887, a máquina se popularizou no século XX, principalmente nas escolas.
Há também um gravador de fitas k7, que já virou peça de museu com a tecnologia digital. Aliás, o ferro-velho também tinha dezenas de fitas k7 com músicas de todos os tipos, mas foram vendidas rapidamente.
Alguns produtos são disputados desde o momento em que chegam no estoque. É o caso, segundo Henrique, do moedor de café, uma peça muito usada em decorações. “Temos uma fila de espera de aproximadamente 40 clientes. Esta é uma peça que já virou rara, até mesmo em ferro-velho”, explicou.
O estabelecimento também tinha uma enorme coleção de chaveiros, a maioria de empresas de Santa Cruz que já não existem mais. Quase tudo foi vendido. Alguns clientes levaram dezenas de uma só vez.
Na prateleira mais alta do barracão estão produtos que o casal não vende. “É apenas para exibição”, diz Flávia. Ao lado de um fogão portátil com forno e um carrinho de bebê, está a bicicleta que Henrique usou quando criança e que já passou pelo filho mais velho — de 16 anos e que trabalha com os pais. Como tem um valor sentimental para eles, não está à venda.
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