SOCIEDADE

O amor por um Fusca, veículo símbolo de uma época

Carro não foi o mais longevo da indústria mundial, mas marcou gerações

O amor por um Fusca, veículo símbolo de uma época

Paulo Cachoni com seus dois Fuscas, um deles mexicano, mostra o manual do modelo 1967

Publicado em: 25 de junho de 2022 às 02:02

Sérgio Fleury Moraes

Nunca na história do automóvel um carrinho com desenho de “besouro” foi tão apaixonante quanto o Volkswagen Fusca. Fabricado no Brasil desde 1959, dificilmente uma família não tem alguma recordação com um “Fusquinha”. Ele deixou de ser fabricado no Brasil em 1996, mas deixou uma legião de amantes do carro mais apaixonante da indústria, que foi tema de filme da Disney — “Se Meu Fusca Falasse” — e que tem até um dia mundialmente comemorativo: 22 de junho.

Em Santa Cruz do Rio Pardo, estava prevista para sábado, 25, uma exposição do carro mais popular do mundo na sede da revendedora “Coletto 3R”, com praça alimentação e bebidas. E, claro, com a exibição de modelos de proprietários e colecionadores da cidade.

Dois destes modelos em exposição pertencem ao empresário Paulo Cachoni, 58, que praticamente nasceu no ramo de automóveis, já que a família é provavelmente a mais tradicional neste comércio em Santa Cruz. O pai, o saudoso Mário Cachoni, foi taxista e vendedor de carros por longas décadas, além de ser um fã incondicional do Fusca.

Interior do Fusquinha 1967 de Paulo Cachoni, que demorou oito anos para ser totalmente recuperado

Claro que o amor pelo carro contagiou a família. O primeiro automóvel de Paulo só podia ser um Fusca ano 1966. O irmão Mário, também empresário do ramo de vendas de veículos, é proprietário de dois Fuscas, um deles conversível.

Paulo Cachoni possui dois Fuscas na garagem, um modelo 1967 e outro, 2015. Mas Fusca 2015? Pois trata-se da última linhagem do Fusca, reestilizado e moderno, fabricado no México. Ele admite até negociar o modelo mais novo, mas o Fusquinha da década de 1960 “chapa preta” não está à venda por preço algum. “Nem sugiro uma oferta porque senão fico sem ele”, diz.

A chapa preta é um recurso oferecido pelo Estado para caracterizar a originalidade do automóvel, geralmente destinada a colecionadores. Para conseguir, o proprietário precisa se filiar a algum clube de carros antigos e o veículo passar por uma vistoria.

O Fusca 1967 vermelho granada saiu de fábrica como o primeiro com motor Volkswagen 1.300, mais possante que o modelo anterior, embora ainda com sistema elétrico de 6 volts. Este é um item que Cachoni não preservou em seu velho Fusquinha, mudando o sistema para 12 volts. “Por ter um motor mais forte, este modelo ganhou o apelido de Tigrão”, conta Paulo. A própria Volks, na época, fez uma campanha publicitária com uma foto do carro com um rabo de tigre.

O reluzente Fusca foi comprado pelo empresário em 2005. Estava num razoável estado de conservação, mas precisava de uma funilaria e peças originais. “Eu demorei uns oito anos para a recuperação completa do carro”, conta Cachoni. Ele trocou até mesmo o assoalho do Fusquinha, por uma peça original.

As duas gerações de Fuscas de Paulo Cachoni

Os bancos do automóvel, por exemplo, foram trocados por outros de um modelo praticamente igual, que rodou por alguns donos e hoje pertence ao médico Paulo Marcato. É o Fusca branco que pertenceu ao escritor José Ricardo Rios, autor do livro “Coronel Tonico Lista, o Perfil de uma Época”.

O outro Fusca de Paulo Cachoni é um modelo importado do México ano 2015. Não é o “New Beetle”, mas a última geração do Fusca no mundo e cuja fabricação foi suspensa em 2019. Claro que as linhas lembram o Fusca, mas o carro é maior, tem até teto solar, câmbio automático e um motor turbo de 200 cv, que acelera de zero a 100 km/h em apenas sete segundos. Enfim, uma máquina para quem gosta de esportivos.

E também para quem pode, já que o modelo vale mais de R$ 100 mil. Paulo diz que os filhos não ligam muito para os Fuscas, mas admite que ele e a mulher Mauren preferem o modelo 1967.

Num outro canto de Santa Cruz, o funileiro Miguel Mendes, ainda na ativa aos 91 anos, é outro colecionador que adora Fusca, mas gosta mesmo é dos originais e mais antigos. Ele passou por apuros nos últimos meses, com duas covids e uma dengue, mas já voltou à oficina.

Anúncio da Volks de 1950, quando o Fusca ainda era importado da Alemanha

“Tive muito Fusca na minha vida. Foi uma época em que todo mundo tinha um fusquinha, mas eu comprei um ano 1962 com motor 1.200cc e decidi que não ia vender”, contou. O modelo é um de seus “xodós”, ao lado de uma camionete Ford série F1 ano 1951. Mendes também tinha uma “irmã gêmea” da camionete, ano 1952, mas vendeu. Ele ainda é dono de um Corcel ano 1972 e está reformando um Gol dos anos 1980. Todos reluzentes e originais.

A família Mendes sempre adorou carros antigos. O filho “Guel” foi dono de um “incrementado” Gordini na juventude e está terminando a reforma um jipe Willys e de um Ford Landau. Mas, é claro, também possui um Fusca. Já o irmão, o saudoso mecânico José Mendes, tinha um “pé-de-bode” ano 1929 que despertava paixões pelas ruas da cidade.

O Volkswagen 1962 está com Miguel Mendes há 30 anos. Ele começou a trabalhar como mecânico aos 12 anos, quando a Segunda Guerra Mundial ainda estava em curso. Só muitos anos depois é que mudou o ofício para funileiro. Por isso, tem condições de avaliar que o Fusca foi um dos melhores carros já fabricados no mundo.

“É um carro simples, mas muito bom. Ele leva a gente para qualquer lugar, independente da estrada”, conta. Segundo ele, a mecânica simplificada também não deixa o motorista na mão. Afinal, diz, quantas pessoas já improvisaram consertos com arames para seguir viagem.

Porém, Miguel diz que nunca fez alguma “gambiarra” no Fusca por um simples motivo: “Comigo ele nunca quebrou”. O funileiro já avisou a família que a camionete Ford e o reluzente Fusca são inegociáveis. “Só poderão vender quando eu pifar”, brinca.

 

Carro foi encomenda de Hitler antes da 2ª guerra

O carro mais popular e um dos mais vendidos do planeta em décadas foi concebido pelo engenheiro Ferdinand Porsche a pedido do ditador nazista Adolf Hitler, da Alemanha, que desejava um veículo militar que tivesse facilidade em atravessar desertos. Foi, então, que surgiu o motor refrigerado a ar, sem necessidade de água.

Em 1938, o ditador nazista Adolf Hitler inaugura a fábrica da Volkswagen para produzir fuscas

Em 1938 saiu da fábrica o primeiro volk (povo) wagen (carro), mas exclusivamente para fins militares. Hitler perdeu a Segunda Guerra Mundial anos depois, mas houve um esforço da Alemanha para manter a fabricação do carro, agora para fins civis, e dissociar o modelo do nazismo.

Rapidamente, o Fusca se espalhou pelo mundo a partir de 1945 e se tornou um carro popular.

No Brasil, chegou nos anos 1950, no início importado da Alemanha. Com o apoio incondicional do presidente Juscelino Kubitschek, a Volkswagen começou a fabricação no Brasil em 1959. A cada ano, o veículo ganhava novidades, algumas rejeitadas de ponto. Foi o caso do Fusca com teto solar, lançado em 1965 e que logo ganhou o apelido de “Cornowagen”.

O primeiro motor 1.200 logo evoluiu para 1.300 e, a partir de 1970, surgiu o “Fuscão” com motor de 1.500 cilindradas. A cada novidade, o carro mais amado do Brasil era carinhosamente apelidado. Quando as lanternas traseiras ficaram maiores, o carrinho ganhou o apelido de “modelo Fafá de Belém”.

Em 1984 o modelo já saía de fábrica com motorização 1.600 e freios a disco. Dois anos depois, embora fosse o segundo carro mais vendido no Brasil, a Volks tirou o Fusca de sua produção.

Quem diria que, sete anos depois e a pedido do então presidente Itamar Franco, a Volkswagen relançaria o Fusca como carro popular, com isenção parcial de impostos.

Foi o único modelo com motor mais possante do que 1.000 cilindradas a ser considerado “carro popular”. O Fusca deixou definitivamente a linha de montagem em 1996, com uma série especial chamada “Ouro”.

No mundo, o modelo foi sendo descontinuado. O último país a deixar de fabricar o Fusca tradicional foi o México, em 2003. Porém, os mexicanos ainda continuaram com os modelos “new beetle” e, por último, o Fusca terceira geração, cuja fabricação foi encerrada em 2019.

 

* Colaborou Toko Degaspari

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