SOCIEDADE

Os artistas argentinos que fazem da rua um verdadeiro picadeiro

Argentinos ganham a vida se apresentando nos semáforos de Santa Cruz do Rio Pardo

Os artistas argentinos que fazem da rua um verdadeiro picadeiro

PRÁTICA Yoel Maximiliano Márquez, artista de rua argentino, durante performance no semáforo da avenida Clementino Gonçalves, em Santa Cruz (Foto: Renata Cachoni)

Publicado em: 06 de agosto de 2022 às 04:36

Sérgio Fleury Moraes

Lautaro Gabriel Carballo, 25, há oito anos não abraça seus pais. Artista de malabares, ele está longe de seu país, a Argentina, desde que resolveu se aventurar numa bicicleta pelas rodovias em busca de oportunidades. Passou pela Bolívia, Paraguai, Chile e há quatro anos está no Brasil. Seu companheiro de viagem é Yoel Maximiliano Márquez, 25, um amigo de adolescência na Argentina que reencontrou pelo caminho.

Os dois são artistas circenses que se apresentam nas ruas. É a chance de um morador ver esta arte de perto, já que hoje é difícil encontrar um picadeiro de circo pelas cidades. O jeito foi se aproximar dos motoristas. O dinheiro arrecadado no “farol” não é muito, mas quase sempre banca a maior parte das despesas.

Arte dos argentinos nas ruas é elogiada pelos motoristas (Foto: Renata Cachoni)

Eles também buscam empregos alternativos para complementar a renda, mas esbarram em preconceitos. Há poucos dias, Lautaro conseguiu um “bico” como jardineiro, mas o serviço era temporário. “A gente faz qualquer coisa e não temos problemas em trabalhar até no domingo”, diz.

Yoel entrou nas terras brasileiras há mais de três anos, inicialmente pelo Acre. Voltou para casa, mas, a exemplo de Lautaro, se apaixonou pelo Brasil. “É tudo maravilhoso, acho que aqui é o verdadeiro país das oportunidades”, afirma.

Na grande aventura, eles estavam no Rio Grande do Sul e foram “subindo” até encontrar Santa Cruz do Rio Pardo. Estão na cidade há dois meses e deixaram as ruas nos últimos dias, se hospedando numa pousada. Antes, já dormiram até debaixo de chuva ou à beira do rio Pardo.

O problema é que Lautaro e Yoel também são apaixonados por animais. Eles trouxeram dois da Argentina e foram adotando outros pelo caminho. Hoje, são seis cachorros e mais três gatos, que estão sob cuidados de uma ativista da causa animal. Na quinta-feira, 4, eles reencontraram os animais na praça São Sebastião, perto da escola “Sinharinha Camarinha”. Foi uma festa.

Apaixonados por animais, dupla tem seis cachorros e três gatos, todos em Santa Cruz

Fiéis à dupla, os animais também enfrentam as intempéries das rodovias brasileiras. Um deles, por sinal, sofreu um atropelamento e ficou com uma das pernas paralisada. Numa das cidades, um veterinário sugeriu amputar o membro e se dispôs a fazer a cirurgia. “Hoje, é o mais ágil da turma”, garante Lautaro.

Os dois têm histórias semelhantes. Eles resolveram deixar a Argentina devido à crise econômica no país vizinho, que se agravou nos últimos anos. Entretanto, Lautaro conta que a arte nas ruas significa uma luta pela sobrevivência dia a dia. “A gente arrecada para almoçar, jantar, dar comida para os animais e, se der, pagar uma hospedagem. Mas nem sempre a arrecadação ajuda. Amanhã começa tudo de novo”, afirmou.

Os argentinos sabem que o coração do santa-cruzense é grande. No entanto, eles reclamam de uma certa discriminação, principalmente quando são comparados a outras pessoas que também ficam nos semáforos. São moradores de rua que disputam o mesmo espaço para pedir esmolas. Muitos associam os artistas à “turma do farol”.

(Foto: Renata Cachoni)

“Este é um problema sério. Nós somos artistas e o dinheiro doado é nosso incentivo, enquanto outros pedem para comprar bebidas ou drogas. Já recebi dinheiro na rua e ouvi a pessoa dizer que era para a minha cachaça. É feio isto, pois não é o nosso caso. Somos contra drogas”, disse Lautaro.

Depois de matar a saudade dos animais, a dupla se despede e prepara uma nova exibição de arte circense. Em alguns minutos, eles estarão se apresentando em um dos semáforos de Santa Cruz. São ações rápidas e cronometradas no pequeno espaço de tempo durante as mudanças das cores do farol. À noite, a arte ganha força com o uso de fogo nos malabares. Brilha tanto como os olhares de algumas crianças nos automóveis. E vale cada centavo de incentivo.   

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