Há décadas, Otávio da Silva trrabalha atrás de um vidro no guichê de passagens da empresa “Princesa”, que comprou a ”Manoel Rodrigues”
Publicado em: 17 de maio de 2023 às 15:16
Sérgio Fleury Moraes
Era maio de 1967 quando Otávio da Silva entrou pela primeira vez num ônibus para trabalhar como cobrador. A empresa era “Princesa do Norte”, que fazia várias linhas no Paraná, estado em onde Otávio nasceu, na cidade de Ribeirão do Pinhal. Hoje, aos 76 anos, Otávio da Silva completou 56 anos no mesmo ofício, mas há décadas deixou o chacoalhar dos ônibus para vender passagens no guichê da rodoviária de Santa Cruz do Rio Pardo.
E lá se vão muitas histórias, sem qualquer vontade para encerrar sua trajetória no setor de transporte. “Vou até onde der, pois sei que tudo termina um dia”, diz, com o sorriso que o caracterizou durante tantas décadas.
O surpreendente é que Otávio não faltou um único dia durante 56 anos. “Tive férias e licenças, mas faltar sem justificativa nunca aconteceu”, diz, orgulhoso.
Filho de lavradores humildes, ele só conseguiu completar o primário, mas as boas notas em matemática (sempre foi o primeiro da classe na matéria) o levaram para uma profissão em que a conta do troco precisa ser rápida. Otávio vivia dentro de um ônibus vendendo as passagens e ainda limpava e lavava o veículo após a jornada diária. Em 1970, foi transferido para um guichê na rodoviária. Continuou, porém, vendendo passagens.
Ainda nos anos 1970, foi para São Paulo vender passagens no setor rodoviário da estação Júlio Prestes, onde ficou seis anos. Segundo ele, era um local muito movimentado, com milhares de passageiros de ônibus e trem. “Foi o auge dos passageiros, quando se saía do trem e pegava o ônibus. Vazava passageiro pelo ladrão”, brincou.
Até que, um dia, foi “convocado” para trabalhar em Santa Cruz do Rio Pardo a convite de Clóvis Rodrigues, um dos diretores da empresa “Manoel Rodrigues”, de Avaré.
Chegou em 1988 e não saiu mais. “Eu vi que esta rodoviária foi inaugurada em 1969, quando a cidade completou 99 anos. Acho que foi a primeira de toda a região”, lembrou. Antes, as rodoviárias das cidades pequenas e médias funcionavam em prédios acanhados ou junto a bares e lanchonetes.
Há 35 anos, portanto, ele está na mesma sala, que praticamente só mudou a pintura durante este período.
Otávio se lembra de algumas situações inusitadas, como clientes que perderam a paciência ao saber que não há vagas em ônibus ou mesmo aqueles que chegavam atrasado e perdiam a viagem. O vendedor, muitas vezes, levava a culpa. “Uma vez um homem deu um murro no vidro de tanta raiva. Saiu com a mão sangrando”, diz.
Mas paciência é que nunca faltou ao vendedor de passagens. Ele sempre procurou encaixar passageiros, mesmo na época em que a informática ainda engatinhava. Hoje, por exemplo, ele consegue vender passagens de outras empresas e trajetos diferentes pelo computador. A um simples “clique”, Otávio consegue visualizar até as poltronas do ônibus e as passagens já vendidas. “Mas eu confesso que sempre tive uma dificuldade com o computador”, diz.
Em mais de cinco décadas vendendo passagens, Otávio sempre teve uma educação elogiada e um sorriso pronto para atender os clientes. Ele conta que em algumas ocasiões aparecem pessoas que precisam viajar e não têm dinheiro. “Quando eu percebo que é verdade, eu tiro do bolso e ajudo. Mas não perco nada porque também recebo gorjetas de pessoas satisfeitas com o atendimento”, conta. “No final, acho que empata”, brinca.
Atualmente Otávio da Silva é funcionário de uma empresa terceirizada que atende as concessionárias de ônibus. A “Manoel Rodrigues”, por exemplo, não existe mais – foi comprada pelo grupo da “Princesa”, aquela mesmo em que, curiosamente, Otávio começou sua jornada há 56 anos. Na época, era conhecida como “Princesa do Norte”. A incorporação aconteceu em 2010 e a “Princesa” é do grupo da Gol Linhas Aéreas.
Sobre uma nova rodoviária, com toda a sua experiência Otávio diz que não seria necessária. Ele aponta a queda brutal no número de passageiros nos últimos anos. “O movimento caiu muito. Hoje, as pessoas preferem dividir os gastos de um carro para viajar. O ônibus só lota em feriados especiais”, diz.
De repente, Otávio interrompe a entrevista para atender o telefone. “Empresa Princesa do Norte, boa noite”, diz, para em seguida informar os horários solicitados ao cliente sem consultar nenhum papel. Sabe tudo de cabeça. “É a prática”, justifica.
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