ECONOMIA

Amolador: a profissão que resiste ao tempo é a paixão de um santa-cruzense

Anselmo Donizeti Xavier tem um ofício quase desconhecido pelos mais jovens: é amolador - e à moda antiga

Amolador: a profissão que resiste ao tempo é a paixão de um santa-cruzense

‘O ÚLTIMO DOS MOICANOS’ — Anselmo percorre as ruas de Santa Cruz oferecendo seus serviços e com uma bancada ‘moderna’

Publicado em: 13 de agosto de 2022 às 03:47

Sérgio Fleury Moraes

Já imaginou pagar por uma pessoa que vive amolando? Pois é exatamente essa a profissão de Anselmo Donizeti Xavier, 58, que amola facas, tesouras, alicates de cutícula e até machados. O santa-cruzense, na verdade, herdou a profissão do avô, uma vez que o pai era pedreiro. “Eu passava horas olhando meu avô amolar e ficava encantado. Cresci e me tornei amolador”, diz.

Anselmo, aliás, é um amolador ambulante – daqueles que percorrem as ruas e oferecem seus serviços de casa em casa. Há clientes fixos, que ele visita a cada dois ou três meses e que são verdadeiramente fiéis. Dependendo do objeto, cobra de R$ 8 a R$ 10 por amolação.

“Se a dona de casa tem bastante coisa para amolar, faço um preço camarada”, garante.

A profissão de amolador certamente é milenar, passando por objetos bem diferentes em toda a história da humanidade. Na Idade Média, por exemplo, os profissionais amolavam espadas ou lanças. Hoje, são geralmente os utensílios domésticos.

Há estabelecimentos que oferecem estes serviços, mas ainda há os bravos e aguerridos ambulantes que percorrem as ruas para cumprir seu dever. São raros, é claro, mas os únicos que fazem o serviço nas próprias residências de seus clientes – que gostam da comodidade.

Anselmo conta que foi o avô quem ensinou o ofício. “Ele usava uma bicicleta para andar pelas ruas. Quando parava, era só mudar a corrente e o pedal passava a movimentar o esmeril”, conta. “Mas eu notava que ele sempre tinha dinheiro na mão. Inclusive, me pagava alguns doces”, lembra.

Nascido na vila Santa Aureliana, ele saiu às ruas aos 17 anos, usando uma bicicleta igual àquela do avô, um modelo antigo que não se vê mais nas ruas. Quando tinha 25 anos, Anselmo resolveu se aventurar por outras profissões. Foi garçom, fez bicos, entre outras atividades. Mas a paixão pelo antigo serviço falou mais alto. E o santa-cruzense, aos 35 anos, voltou a ser amolador.

Mais velho, porém, decidiu inovar na “tecnologia”. Primeiro, Anselmo adaptou um antigo carrinho de pipoca como uma bancada para amolar facas e outros objetos. “Ficou bem melhor e tinha até uma lâmpada ligada a uma bateria”, diz.

Há algum tempo, ele idealizou uma nova bancada, a partir de um carrinho de carga. Instalou um esmeril com uma pedra própria para amolar e adaptou espaços para outras ferramentas.

Na frente, o couro – imprescindível para “fechar” o corte após a amolação. O detalhe curioso, do qual nem todos sabem, está no fato de que o couro é o único produto capaz de “fechar” o corte. É por isso que, ainda hoje, é comum observar um barbeiro passando sua afiada navalha num pedaço do material.

“Não pode ser outra coisa. Tem que ser o couro. É o mais importante para finalizar a amolação”, conta Anselmo. Na pequena bancada, ele ainda leva um punhado de papel para o teste final: a lâmina deve cortar a folha sem esforço algum.

O detalhe é que a nova bancada precisa de energia elétrica e tem uma extensão com tamanho razoável. “Mas a amolação é muito mais rápida. Quase nem gasta energia”, garante. “Se a pessoa reclamar, dou até um desconto”.

Durante a pandemia, Anselmo foi morar com uma filha em São José dos Campos. “Voltei faz pouco tempo e minhas clientes começaram a me ver de novo”, diz. Foi naquela cidade, aliás, que o amolador “bolou” sua nova bancada, que logo começou a ser usada em Santa Cruz do Rio Pardo.

Anselmo sabe que sua profissão é uma daquelas – entre tantas outras – fadadas à extinção. No entanto, para ele não há outra igual. “A gente conversa bastante, conhece muita gente. E quem não tem aquela faca ou tesoura que já não tem corte, mas a pessoa insiste em não jogar fora? Pois eu dou jeito”, diz.

E dá mesmo. Anselmo conserta até lâminas com buracos iguais a dentes. “Vou ajeitando e fica retinho novamente. O cliente fica contente e eu sei que vou voltar”, afirma. São casos como este que, ao invés dos R$ 8 tradicionais, Anselmo cobra R$ 10.

“Tem casa que eu passo uma, duas vezes e a pessoa não demonstra interesse pelo serviço. De tanto amolar na conversa, na terceira já vira cliente”, brinca. Às vezes, uma ou outra dona de casa pede para tirar a ponta da faca, que é um perigo para as crianças. Fica muito bom”.

Faça chuva ou faça sol, Anselmo vive nas ruas, oferecendo seus serviços. “Amolador, olha o amolador!”, anuncia. Faz sucesso.

 

* Colaborou Toko Degaspari

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