ECONOMIA

Veja como foi o julgamento do policial condenado a 14 anos de prisão por matar jovem de Santa Cruz

Depois de seis anos, PM que atirou em Brian foi condenado pelo júri popular após um julgamento que durou quase 15 horas

Veja como foi o julgamento do policial condenado a 14 anos de prisão por matar jovem de Santa Cruz

Valdineia Pontes se emociona no final do julgamento em Ourinhos

Publicado em: 09 de março de 2023 às 14:45

Sérgio Fleury Moraes

 

Já eram 03h30 da madrugada de sexta-feira, 3, quando Valdineia Pontes deu um grito de choro no auditório do Tribunal do Júri do Fórum de Ourinhos. Ela começava a ouvir a leitura da sentença que condenou o policial militar Luís Paulo Isidoro a 14 anos de prisão por ter matado em 2016 o filho de Valdineia, Brian Cristian Bueno da Silva, 22. Para aquela mãe, pode ter sido o fim de uma luta por justiça durante longos seis anos.

O julgamento durou quase 15 horas e avançou pela madrugada de sexta-feira, 3. Ele havia sido adiado várias vezes a pedido da defesa, primeiro alegando a pandemia e, depois, a necessidade de ouvir outras testemunhas.

O policial Luís Paulo Isidoro matou o santa-cruzense Brian Cristian com um tiro de pistola modelo Taurus calibre 40. O jovem estava saindo da Fapi no início da madrugada de 9 de junho de 2016, quando o carro foi abordado numa “blitz”, inicialmente pelo policial militar Francisnei Molina Leite.

Segundo os policiais, o carro estava trafegando em “zigue-zague” e um dos ocupantes retirando os cones de sinalização do caminho. Além disso, estaria na contramão de direção.

 

SEGUNDOS FATAIS — Quando o carro foi abordado pelo soldado Molina, o policial Luís Paulo Isidoro caminha em direção ao veículo, disparando contra Brian (abaixo) em seguida: foram oito segundos de ação

 

Na verdade, esta é a informação que partiu dos próprios policiais militares, pois não há imagens do carro trafegando irregularmente. Segundo testemunhas, Brian – que estava no banco do passageiro – chegou a levantar um único cone como uma brincadeira.

Enquanto o cabo Molina abordava o veículo, o policial Luís Paulo Isidoro atravessa a rua em passos rápidos e vai em direção ao automóvel. Em questão de segundos, Isidoro encosta na porta do passageiro, puxa a camisa de Brian e dispara a arma.

Não há qualquer indicação de que o carro trafegava na contramão. Um vídeo do trânsito no local pouco antes do crime, apresentado pelo representante do Ministério Público, mostra outros carros passando pelo mesmo fluxo, com o policial Molina sinalizando para liberar a passagem.

A defesa de Luís Paulo Isidoro, a cargo do advogado e ex-juiz Osny Bueno de Camargo, tentou convencer os jurados que o tiro foi acidental. Vários vídeos foram exibidos no plenário sobre reportagens de falhas com a pistola Taurus que na época equipava a Polícia Militar de São Paulo.

Entretanto, laudos oficiais, um deles da própria Polícia Militar, disseram o contrário. A arma estava em boas condições e o disparo só foi possível com o acionamento do gatilho.

 

Brian tinha apenas 22 anos

 

Integrantes do próprio batalhão da PM de Ourinhos conspiraram para dificultar a produção das provas. As imagens de uma câmera de monitoramento de uma oficina mecânica nas imediações da Fapi, por exemplo, só foram recuperadas depois de uma ordem da Justiça. Há indícios de que houve tentativa de se apagar as imagens.

Além disso, o carro onde estavam Brian e os amigos foi lavado por ordem da PM. Na época, o comando militar de Ourinhos informou que a lavagem teria sido “um favor” porque o veículo estava bastante ensanguentado. A Polícia Civil apontou que a limpeza do carro prejudicou a coleta de provas.

Nenhum dos jovens tinha antecedentes criminais e o carro trafegava em baixa velocidade. O PM Luís Paulo Isidoro foi absolvido em procedimento instaurado pela corporação e continuou trabalhando em atividades internas, inclusive sendo autorizado a portar armas. No decorrer do processo, ele foi promovido a cabo.

 

O policial Luís Paulo Isidoro durante seu interrogatório no Tribunal do Júri, quando insistiu na tese de disparo acidental (Foto: Dário Miguel/Diário Cidadão)

 

Em sua sentença, a juíza Raquel Grellet Pereira exaltou a importância da corporação militar para a garantia da ordem pública. Ela fez uma homenagem “à quase totalidade” dos policiais militares, lembrando a colaboração de todos nos feitos judiciais e na proteção das pessoas. Exatamente por isso, afirmou a magistrada, a conduta do réu foi reprovável em todos os sentidos.

A juíza também determinou a suspensão dos direitos políticos do réu assim que o processo transitar em julgado. No entanto, pelo fato de Luís Paulo Isidoro preencher os requisitos da legislação penal, ela concedeu ao condenado o direito de recorrer em liberdade. O advogado Osny Bueno de Camargo anunciou no final do julgamento que a defesa vai apresentar um recurso.

Para o promotor Lúcio Camargo de Ramos Júnior, o tribunal do júri de Ourinhos “fez justiça mais uma vez”, afirmando esperar que a punição “deve confortar um pouco mais o coração da mãe”. Camargo não acredita no sucesso do recurso por parte da defensa, salientando que a anulação de um júri só acontece em casos raros. “A própria Constituição estabelece que a decisão dos jurados é soberana”, disse.

Segundo o representante do Ministério Público, a pena terá um caráter didático. “Vai mostrar a todos, não apenas para policiais militares, que a lei funciona. Esta é a função geral da pena. Aliás, quero registrar que os policiais de Ourinhos são valorosos e prestam um excelente trabalho, que é testemunhado por este promotor nas audiências criminais. Não podemos generalizar, pois casos como este que julgamos são exceção”, disse.

 

Valdineia sobe as escadas do Fórum de Ourinhos: uma cruzada contra a impunidade e pela justiça

 

‘É uma sensação de alívio”,

diz a mãe do jovem Brian

 

Durante seis anos, Valdineia Pontes denunciou o fato do policial que matou seu filho não ter sido preso sequer um dia e sucessivas as manobras para adiar o julgamento. Na quinta-feira, 2, ela chegou ao Fórum de Ourinhos antes do início do Tribunal do Júri e acompanhou atentamente os trabalhos, sentada numa das primeiras filas. Chorou várias vezes, inclusive quando a sentença foi proferida.

Nos dias que antecederam o julgamento, Valdineia quase não dormiu. Sonhava, se revirava na cama e ficava pensativa. “Foi terrível, mas agora eu sinto uma sensação de alívio”, disse.

Quando deixou o prédio do Fórum, o semblante de Valdineia já estava mudado. “A Justiça pelo meu filho foi feita. Eu prometi a ele e cumpri, pois Deus me segurou firme e forte”, disse. Ela disse que a fé a fortaleceu durante todos estes anos esperando pelo julgamento.

Ficar frente a frente com o homem que matou Brian foi difícil para Valdineia. “Foi a pior coisa que eu passei neste Fórum no dia de hoje”, disse.

Ela disse que ficou conformada com a dosagem da pena imposta ao policial Luís Paulo Isidoro. “Sinceramente podia ser maior, mas acredito que é o suficiente”, afirmou.

 

Valdineia Pontes no Fórum de Ourinhos, onde ficou quase 15 horas acompanhando o júri

 

Desde que Brian foi assassinado, a vida de Valdineia se transformou. Ela recebeu o apoio de muitos amigos e moradores solidários de Santa Cruz do Rio Pardo, mas teve depressão e muita tristeza. O quarto do jovem foi preservado pela mãe.

A morte do filho teve uma série de acontecimentos que ninguém pode explicar. Por algum motivo, Valdineia não queria que o filho fosse à Fapi de Ourinhos com os amigos naquele 9 de junho de 2016. A princípio ele concordou, mas depois insistiu na viagem dizendo que queria ver o show de Henrique & Juliano. Brian partiu, mas Valdineia continuou preocupada.

Era madrugada do dia 9 de junho de 2016 quando Valdineia acordou com o celular tocando. Atendeu, mas o telefone estava mudo. Depois, percebeu que não havia chamada alguma registrada no aparelho. O telefone teria tocado no exato momento em que Brian perdia a vida em Ourinhos.

Quando o crime completou um ano, Valdineia sonhou com Brian chorando e perguntando sobre o paradeiro de um anel. A mãe nem imaginou do que se tratava, mas dias depois encontrou um anel numa das gavetas da casa. No metal, havia uma frase bíblica: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”.

Durante seis anos, Valdineia acordou todos os dias no horário em que o filho morreu. ll

 

Entre seus advogados, o policial Luís Paulo Isidoro ouve a sentença que o condenou a 14 anos

 

Júri descartou tiro acidental

 

O Júri popular que condenou o policial militar Luís Paulo Isidoro a 14 anos de prisão aceitou duas qualificadoras do crime – a dificuldade de defesa da vítima, que estava com o cinto de segurança afivelado e a materialidade do disparo. Os jurados, porém, afastaram a qualificadora do motivo fútil.

Durante horas, defesa e acusação fizeram de tudo para convencer os jurados sobre as teses apresentadas. O advogado Osny Bueno de Camargo insistiu que a arma do policial disparou acidentalmente, devido a um defeito de fabricação. Ele exibiu várias reportagens de televisão mostrando que a Taurus apresentou inúmeros problemas até ser retirada de fabricação.

Foi uma tese contestada, uma vez que os laudos oficiais do processo, inclusive um da própria Polícia Militar, apontaram que a pistola não apresentou nenhum defeito. O advogado sugeriu que o policial agiu para se proteger, pois ele e seus colegas não sabiam quem estava no carro que, segundo ele, estaria cometendo infrações de trânsito.

O promotor Lúcio Camargo de Ramos Júnior acabou se transformando num dos destaques do júri. Uma a uma, ele derrubou as teses da defesa, inclusive sobre infrações de trânsito, uma vez que o policial Isidoro insistiu que o automóvel trafegava na contramão de direção.

 

O promotor Lúcio Camargo de Ramos Júnior, que atuou na acusação

 

Camargo mostrou um vídeo do trânsito no local – avenida Jacinto Ferreira de Sá -, pouco antes do crime, com automóveis trafegando no mesmo sentido e um policial militar fazendo sinal para seguirem. Um dos carros, apontou o promotor, tinha um teto solar, sugerindo que era de luxo e de algum proprietário de alta renda.

Em outro momento, o advogado do policial leu um trecho do processo onde um documento apontou “desgaste” no percussor da pistola. O promotor Lúcio Camargo contestou, dizendo que o advogado estava omitindo um adjetivo antes da palavra. “Está escrito pequeno desgaste”, informou.

 

A mãe de Brian é abraçada por amigos e advogado após a sentença ser anunciada

 

“Pequeno, médio ou grande, o fato é que a arma tinha um defeito”, retrucou Osny, afirmando que os jurados deveriam votar “não” à qualificadora de materialidade. Segundo ele, não foi Luís Paulo quem disparou a arma, uma vez que o armamento teria feito um disparo sem que o gatilho fosse acionado.

Nos laudos oficiais, porém, não há informações sobre defeito na arma utilizada pelo policial militar naquele dia. “Quem matou Brian não foi a Taurus, mas o Isidoro com seu comportamento irresponsável”, afirmou o promotor.

O representante do Ministério Público também mostrou uma cartilha sobre as normas da Polícia Militar para abordagens de veículos. Mesmo em casos suspeitos, o procedimento é para que o policial não saque a arma. “Ficaram evidentes todos os descumprimentos de Isidoro quanto às normas da Polícia Militar”, disse.

 

Advogados do policial militar (com a camisa branca de costas), conversam com a juíza durante intervalo do julgamento

 

Quando a defesa mostrou um vídeo em que uma pistola Taurus dispara seguidamente somente com o movimento da arma, novamente o promotor lembrou que, conforme as imagens, as cápsulas permaneciam no interior da pistola. No caso do crime em julgamento, a bala atingiu Brian e um banco do automóvel, mas a cápsula foi ejetada e encontrada pela perícia no asfalto.

O promotor também exibiu vídeos para demonstrar que não eram verdadeiras as alegações de Isidoro e do cabo Francisnei Molina Leite, sobre terem dado ordens seguidas para que os integrantes deixassem o veículo e que os jovens supostamente as descumpriram.

Ao exibir imagens de laudos oficiais, o representante do Ministério Público mostrou que apenas oito segundos separaram o momento da ordem de parada do automóvel até o disparo da pistola – foram três segundos entre Isidoro fazer menção de sacar a arma e o tiro. “Ninguém teve tempo de deixar o carro”, afirmou. “Foi um ato de indiferença com a vida daquele jovem, quando o policial assumiu o risco de matar”, insistiu.

A defesa também alegou que Brian teria feito um movimento brusco com o braço, o que teria assustado o policial. As imagens, porém, são inconclusivas. “A abordagem foi ilegal, ilícita e criminosa”, afirmou o promotor Lúcio.

Segundo o promotor, o policial puxou Brian pelas vestes antes de disparar a arma. Este fato pode explicar o fato de a blusa ter um buraco na altura da barriga, enquanto o tiro atingiu o pescoço do jovem. “O policial não pode agir com truculência e os jurados devem votar pela liberdade de todo cidadão em ter a certeza de que não será morto numa abordagem. Brian poderia ser qualquer um de nós”, disse Lúcio Camargo.

No final, o promotor ainda citou trechos da música “Pedaço de Mim”, de Chico Buarque, que registra a morte de Stuart Angel, assinado durante a ditadura militar, pela visão de saudade da mãe Zuzu Angel, praticamente um hino a todas as mães que perderam seus filhos pela violência.

Olhando para a plateia, onde estava Valdineia Pontes, o promotor afirmou: “Aquela mãe está esperando até hoje seu filho voltar da Fapi”.

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