O ex-presidente do Podemos Juraci Barbosa, denunciado pelo escândalo do Podemos (Reprodução / Facebook)
Publicado em: 25 de junho de 2022 às 01:15
André Fleury Moraes
O Ministério Público Eleitoral de São Paulo enfim denunciou, no âmbito criminal, os membros da antiga comissão provisória do Podemos de Santa Cruz do Rio Pardo pelo desvio de R$ 369 mil do fundo partidário. A ação penal foi ajuizada em maio e já foi aceita pela Justiça Eleitoral.
O processo atinge o ex-presidente da legenda em Santa Cruz, Juraci Barbosa, e o ex-tesoureiro Fábio de Oliveira Silva. Demais envolvidos são indicados, neste primeiro momento, como testemunhas.
Nenhum dos antigos dirigentes moravam no município — eles residem em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, e utilizaram um endereço falso para indicar domicílio em Santa Cruz.
Fábio e Juraci são acusados de terem se apropriado indevidamente de recursos destinados ao financiamento de campanha e manutenção do partido. A pena para este crime é de 2 a 6 anos de prisão, além do pagamento de multa.
Esta é a primeira denúncia formal ajuizada pelo MP desde a descoberta dos desvios. Por ora, porém, ela não alcança outros envolvidos no caso, que também é investigado pelo Ministério Público Federal e que, direta ou indiretamente, atinge políticos do alto escalão de Brasília.
O escândalo veio à tona em 2020 e só foi descoberto porque o ex-vereador Murilo Sala, atual presidente do Podemos no município, resolveu concorrer à prefeitura pela legenda e precisou regularizar a situação do partido na Justiça.
Num procedimento comum, o juiz eleitoral solicitou o histórico do Podemos em Santa Cruz. Foi aí que os repasses apareceram, e o magistrado determinou apuração imediata do caso.
A comissão provisória da legenda movimentou nada menos do que R$ 369 mil do fundo partidário, valor que veio diretamente de Brasília com aval da cúpula da Executiva Nacional do Podemos, presidido pela deputada federal Renata Abreu.
Os repasses, não declarados à Justiça, foram destinados a terceiros que também são desconhecidos em Santa Cruz do Rio Pardo.
Ao que se sabe até agora, apenas uma das envolvidas no caso possui vínculos com Santa Cruz. Trata-se da contadora Fátima de Jesus Chaves, que é prima da esteticista Alini Dias, proprietária da “Clínica dos Pés” — estabelecimento em cujo endereço estava a suposta sede do Podemos na cidade.
Fátima embolsou R$ 229 mil do total que foi repassado a Santa Cruz e tentou se justificar dizendo que prestou serviços contábeis ao partido. Afirmou também que proferiu palestras aos representantes da legenda.
As contas do Podemos de Santa Cruz em relação ao exercício de 2019 foram sumariamente rejeitadas em sentença que classificou a criação do partido em Santa Cruz como uma medida destinada única e exclusivamente a desviar recursos públicos.
A denúncia cita, entre outras coisas, a tentativa dos antigos membros do Podemos de justificar os repasses com documentos comprovadamente fraudulentos.
As notas fiscais dos supostos serviços prestados que a sigla afirmou ter contratado com recursos do fundo partidário foram emitidas com um atraso de um ano.
Além disso, os antigos membros apresentaram vídeos institucionais que teriam produzido para “fortalecer o partido” em Santa Cruz. Mas as filmagens mostraram trechos da cidade que foram reformados entre 2019 e 2020 – nas gravações, eles já estavam com o novo aspecto.
Um deles são as ruas ao redor da praça Major Antônio Aloe, a antiga “Rui Barbosa”, que foram parcialmente asfaltadas. Antes disso, elas eram cobertas por paralelepípedos.
Apesar das controvérsias nas alegações dos ex-dirigentes do Podemos, nenhum deles confessou os crimes apontados pelo Ministério Público — razão pela qual a promotoria não propôs na denúncia a formalização de um acordo.
Os desvios, quando descobertos, atingiram em cheio a campanha eleitoral do então candidato a prefeito Murilo Sala. No ano passado, ele chegou a dizer ao DEBATE que poderia deixar o partido a depender do resultado das investigações. Mas ainda não há quaisquer movimentações nesse sentido.
Numa tentativa de redução de danos à imagem de sua candidatura, Murilo chegou a convidar a contadora Fátima Chaves para participar do lançamento de sua convenção de campanha e disse, segurando uma série de documentos, que “estava tudo esclarecido”. Mas os acontecimentos seguintes mostraram o contrário.
O ex-vereador, por sinal, é uma das testemunhas que o MP arrolou na denúncia ajuizada contra os membros da antiga comissão provisória do Podemos.
A sentença que rejeitou as contas da legenda determinou, entre outras coisas, o envio do caso ao Ministério Público Federal para que os desvios fossem investigados. A Procuradoria já recebeu o processo, mas até o momento não há informações sobre o inquérito.
A principal incógnita está na definição do caminho a ser tomado pelo MPF na investigação. Existe a possibilidade de que o inquérito trate o escândalo como uma questão local e se limite aos ex-dirigentes da legenda.
A Procuradoria, em contrapartida, pode adotar outra linha de apuração e esmiuçar a relação que o grupo mantém com o alto escalão da política nacional. Como já mostrou o DEBATE, praticamente todos os envolvidos no escândalo se relacionam, de alguma maneira, ao Podemos ou a seus filiados.
Fátima Chaves, por exemplo, foi contadora oficial do Podemos nacional entre 2011 e 2019. Era uma espécie de “carro forte” do caixa da legenda e tomou atitudes que já ocasionaram problemas ao partido.
Sob sua gestão, o Podemos teve as contas partidárias de 2014 rejeitadas por uma série de irregularidades no balanço final.
A Justiça apontou, entre outras coisas, que a legenda usou recursos públicos para comprar móveis e promover reformas em imóveis particulares — os caciques da legenda alegaram que ali era a “sede” do partido, embora os endereços também fossem locais de negócios particulares da família Abreu.
Mas as ligações dos antigos membros com o alto escalão do Podemos não se limitam à contadora. A Executiva Nacional da sigla sustenta desde o início que o caso é “uma questão local” e tenta contornar demais questionamentos sobre o caso.
O fato, porém, é que o mesmo Juraci Barbosa que presidiu o partido em Santa Cruz foi contratado, em 2011, pelo deputado federal Marco Feliciano (Republicanos, ex-Podemos) para assessorá-lo no gabinete.
Juraci é marca registrada como prestador de serviços em campanhas eleitorais. E sempre com políticos ligados ao Podemos. Em 2018, trabalhou para o comitê de Marco Feliciano e também para o candidato derrotado Roberto Figueira Marinho, que tentou uma vaga à Assembleia Legislativa de São Paulo e hoje é assessor especial justamente do pastor Feliciano.
No decorrer do processo sobre os repasses em Santa Cruz, Juraci chegou a depositar os R$ 369 mil desviados do fundo partidário em juízo para alegar sua “boa-fé”.
Ele não indicou de onde saíram os recursos, mas o fato é que o ex-presidente do Podemos mora na periferia de Franco da Rocha e era defendido, até o ano passado, por uma advogada que trabalhou como “assessora jurídica” para Marco Feliciano.
Fábio de Oliveira Silva, ex-tesoureiro do Podemos em Santa Cruz, também prestou serviços de campanha aos políticos.
Além disso, ele é ainda o “empresário” que, proprietário de uma gráfica, recebeu mais de R$ 400 mil da Câmara dos Deputados para imprimir livros e outros produtos contratados pelo deputado Feliciano.
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