POLÍTICA

Justiça condena ‘fantasma’ da Codesan e ex-secretário de Agricultura em ação do MP

Sentença impõe perda do cargo, multa e devolução dos salários pagos ao servidor que só batia ponto; caso foi revelado pelo jornal em 2018

Justiça condena ‘fantasma’ da Codesan e ex-secretário de Agricultura em ação do MP

‘FANTASMA’ — Em 2018, o servidor João César foi flagrado numa estrada rural: iria “bater o ponto”

Publicado em: 30 de julho de 2022 às 03:00
Atualizado em: 30 de julho de 2022 às 03:59

Sérgio Fleury Moraes

O ex-secretário de Agricultura no governo de Otacílio Parras (PSB), Erik Augusto Barreto, e o servidor público João César de Oliveira foram condenados pela Justiça por improbidade administrativa. De acordo com a sentença, os dois sofrerão perda de eventual função pública e suspensão dos direitos políticos, além de proibição de contratar com o município. Além disso, ambos foram condenados ao pagamento de multa cível, e o ex-servidor ainda deverá devolver aos cofres do município todos os salários que recebeu indevidamente. Ainda cabe recurso.

João César recebeu a pena maior. Ele terá os direitos políticos suspensos por oito anos e a proibição de contratar com o município durante uma década. Além disso, o ex-servidor deverá devolver aos cofres da prefeitura o valor de R$ 86.785,87, acrescido de juros e correção monetária, além de uma multa cível equivalente ao dano financeiro, totalizando R$ 173.571,74.

Já o ex-secretário Erik Barreto teve a suspensão dos direitos reduzida para cinco anos, além da proibição de contratar com o Poder Público por igual período. No entanto, Barreto também foi condenado a pagar uma multa cível no valor do dano ao município, exatos R$ 86.785,87, igualmente corrigidos e com juros.

Nenhum dos condenados exerce função pública atualmente. João Carlos de Oliveira pediu demissão do cargo de operador de máquinas agrícolas em dezembro de 2020, enquanto Erik Barreto também deixou a secretaria de Agricultura antes do final do governo de Otacílio Parras (PSB). O nome dele foi cogitado pelo prefeito Diego Singolani (PSD) para voltar à pasta após a demissão de Milton de Lima, mas Erik não aceitou.

O ex-prefeito Otacílio Parras, embora citado pelo ex-funcionário como envolvido no caso, não foi denunciado pelo Ministério Público.

O escândalo do funcionário “fantasma” foi denunciado pelo DEBATE em agosto de 2018. Depois de uma investigação jornalística, a reportagem conseguiu os dados de um servidor que estaria “batendo ponto” desde 2013, sem trabalhar.

Os repórteres Sérgio Fleury e Diego Singolani (rádio 104 FM e na época também no DEBATE) seguiram pistas e flagraram João César de Oliveira na estrada rural que liga o bairro da Onça à zona urbana de Santa Cruz do Rio Pardo.

Era o fim de tarde do dia 22 de agosto de 2018. O funcionário estava justamente a caminho da secretaria de Agricultura, onde iria “bater o ponto” pela quarta vez ao dia – ele repetia o ato duas vezes pela manhã e outras duas à tarde. E por cinco anos seguidos.

João César estava numa motocicleta e não demonstrou surpresa ao ser encontrado pela reportagem. “Sabia que um dia isto iria acontecer. Até que demorou”, disse na ocasião. O funcionário afirmou que não conseguia trabalhar porque seus chefes na administração não queriam. A última vez em que ele subiu numa máquina da prefeitura, segundo contou, teria sido em 2013.

O servidor reclamou que era vítima de “perseguição política”, uma vez que, embora concursado, não era simpático ao grupo político que comandava a administração. Ele ingressou nos quadros da municipalidade no governo de Adilson Mira.

A reportagem ganhou as páginas do jornal na edição de 26 de agosto de 2018. Foi a confirmação de um escândalo que teve desdobramentos imediatos. No dia seguinte, 27 de agosto, o então prefeito Otacílio Parras foi à Câmara e usou a tribuna livre para tentar explicar o caso do “fantasma”. Ele chamou as notícias de “escabrosas”, mas admitiu que o servidor estava “sem atribuição” havia cinco anos, recebendo sem trabalhar.

O então prefeito disse na tribuna que o servidor era lotado na prefeitura, enquanto a máquina agrícola havia sido transferida para a Codesan, que na época era uma empresa de economia mista. Portanto, na visão de Otacílio, ele não poderia usar o equipamento porque estaria em desvio de função.

O ex-secretário Erik Barreto

Porém, segundo o ex-prefeito, como a Codesan havia sido transformada em autarquia meses antes, já era possível convocar o servidor para trabalhar, garantindo que o ato aconteceria “nos próximos dias”. Entretanto, ele se esqueceu de uma lei de 1989, do ex-prefeito Clóvis Guimarães Teixeira Coelho, que autorizava a cessão de funcionários da prefeitura pela Codesan.

As declarações foram contraditórias e no mês seguinte, setembro de 2018, Otacílio usou os microfones da rádio Difusora para avisar que não mais falaria sobre o caso do “fantasma”. Ele alegou que não queria “ser pego no contrapé” por algumas palavras.

Ainda em setembro, o Ministério Público instaurou inquérito para apurar o caso. A portaria foi assinada pelo promotor Reginaldo Garcia. Em outubro, o funcionário João César usou a tribuna livre da Câmara para dizer que estava sendo “perseguido” politicamente e que era constantemente humilhado nas ruas, chamado de “Gasparzinho” ou “fantasma”.

Em dezembro de 2018, ele voltou a ser notícia. João César reclamou que continuava sem função, mas agora obrigado a ficar sentado num dos bancos da Codesan durante as oito horas de expediente.

Em maio de 2020, a promotora Paula Bond Peixoto denunciou o então secretário Erik Barreto e o servidor João César de Oliveira por improbidade administrativa. A sentença condenatória saiu na semana passada e é assinada pelo juiz Marcelo Soares Mendes.

Segundo o magistrado, “não há dúvidas de que João César ficou sem desempenhar, injustificadamente, qualquer função por longo período”. O juiz ainda ressaltou que, segundo consta nos autos, o funcionário praticamente se recusou a trabalhar, “sob as mais diversas e esdrúxulas desculpas”, ao mesmo tempo em que admitiu que dedicava parte de seu horário de trabalho a atividades particulares na lavoura da família.

A sentença também diz que o então secretário concorreu para a irregularidade, sem adotar providências efetivas. “Trata-se de conduta reprovável, tanto da autoridade que permite, quanto da pessoa que aceita ser favorecido por tal ilícito, ferindo em sua essência os princípios basilares da administração pública”, afirma. 

 

Servidor diz em juízo que ele próprio ‘procurou’ a imprensa

A ação civil pública que condenou o ex-secretário Erik Barreto e o funcionário João César de Oliveira mostra um emaranhado de irregularidades no governo de Otacílio Parras e um descaso em não solucionar o caso por uma via aparentemente fácil.

O servidor era o único operador de máquina agrícola rodoviária, mas o equipamento deteriorou-se e foi vendido como sucata. A partir daí, foi colocado em disponibilidade no viveiro municipal, sem fazer nada, até ser autorizado a ficar em casa e só bater o cartão de ponto.

Para o juiz Marcelo Soares Mendes, cabia à administração, através do responsável pela pasta da Agricultura, declarar extinto o emprego público que ela mesma declarou ser “inútil”, reaproveitando o servidor em outro emprego ou, conforme a legislação, readaptá-lo em outro setor.

A ação também mostra declarações inusitadas, como a do próprio funcionário João César de Oliveira. Em depoimento nos autos, ele disse que “procurou o jornalismo local” no “seu limite” para expor a situação, na condição do anonimato. Na verdade, ele foi flagrado pela equipe do DEBATE numa estrada rural em agosto de 2018, depois de meses de uma investigação jornalística sobre funcionários “fantasmas” no governo de Otacílio Parras.

Nos autos, Erik Barreto chegou a admitir “certa culpa” e preocupação com o processo, mas ponderou que agiu de forma a não prejudicar João César. “Por fim, acabei sendo prejudicado”, afirmou. O ex-secretário lembrou que tentou designar tarefas ao funcionário inúmeras vezes, até que “enjoou” de tentar uma solução que, segundo ele, era praticamente impossível.

Para o juiz, houve enriquecimento ilícito e grave prejuízo aos cofres do município. De acordo com a sentença, caso o trânsito em julgado for confirmado, os nomes dos condenados serão incluídos no Cadastro Nacional dos Condenados por Ato de Improbidade Administrativa.

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