SOCIEDADE

João Nantes: As mil faces de um advogado sempre ativo

Sempre ativo, João participou de instituições, presidiu clubes e era procurado até para diagnósticos médicos

João Nantes: As mil faces de um advogado sempre ativo

João Nantes cultivou amizades ilustres e trocava ensinamentos com os colegas; na foto dos anos 1990, ele está ao lado de Ângelo Aloe

Publicado em: 15 de abril de 2022 às 22:47
Atualizado em: 16 de abril de 2022 às 01:08

Sérgio Fleury Moraes

O advogado João Aparecido Pereira Nantes, que morreu no domingo, 10, aos 70 anos, foi um dos mais ativos participantes da sociedade de Santa Cruz do Rio Pardo. Além do escritório de advocacia e da imobiliária que fundou há muitos anos, Nantes presidiu o Icaiçara Clube por cinco mandatos, foi dirigente do Rotary Club e participou de diretorias de diversas instituições filantrópicas, como Apae, Lar São Vicente de Paulo, Santa Casa de Misericórdia, Educandário O Lar da Criança e outras. De quebra, foi diretor regional do Creci, o conselho dos corretores de imóveis, da OAB e de tantas outras entidades.

Este era João Nantes, que abraçava tudo aquilo que imaginava poder ajudar. Mas a trajetória do advogado que ganhou fama estadual não foi nada fácil.

Ele nasceu na zona rural de Santa Cruz do Rio Pardo, no bairro da Onça, onde os pais José e Lourdes eram lavradores. Aos 6 anos já ajudava os pais na lavoura. Veio para a cidade morar com os avós porque precisava estudar.

Numa época em que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda estava longe de ser criado, João Nantes manipulava pólvora e testava os produtos em latinhas, assustando os vizinhos. Foi quando, segundo ele próprio, virou “fogueteiro” — o nome se explica porque Nantes conseguiu emprego na fábrica de foguetes de Lazinho “Fogueteiro”.

Depois, foi sapateiro na fábrica de calçados de Américo Di Angeni. João Nantes foi daqueles funcionários que colocavam as tachinhas na boca enquanto tratava o coro com um martelinho na mão. Teve como colega de profissão o conhecido sapateiro Carlos Cabral. Algum tempo depois, o jovem foi trabalhar na fábrica de Ermínio Paulin.

MOMENTOS — João Nantes sempre procurava se atualizar no Direito e foi especialista em divórcio quando a lei foi implementada em 1977

Sua vida começou a tomar um rumo quando ele conseguiu trabalho na tradicional farmácia “Drogalar”. Nantes se deu tão bem no novo ramo que logo foi contratado pela Farmácia Santa Cruz, na época a maior de toda a região e comandada pelo farmacêutico Alziro de Souza Santos, o líder político da antiga UDN — mais tarde dos chamados “azuis” da política santa-cruzense.

Na época havia muitos acidentes na zona rural, principalmente picada de cobra. Sempre atento aos procedimentos e “aluno” de Alziro Santos, Nantes logo descobriu que um lavrador que apareceu na farmácia estava com um torniquete feito no sentido contrário, o que piorou seu quadro de saúde. Imediatamente enviou o homem ao hospital, mas ele acabou morrendo.

O fato que abalou o jovem, na verdade, o fez mergulhar no ramo farmacêutico. Tornou-se um “prático”, nome que se dá ao funcionário experiente que adquire as técnicas da profissão. Assim, vivendo e aprendendo, João Nantes participou até de partos de emergência.

Ele conheceu os médicos Valdomiro Ferreira Neves, Pedro César Sampaio, Samuel Martins Figueira, Tuffi e outros, que recorriam ao jovem quando precisavam de medicamentos — alguns dos quais, inclusive, manipulados. O motivo: ao lado de Alziro Santos, Nantes foi um dos precursores da manipulação de remédios, seguindo um velho livro de receitas do farmacêutico.

Nos anos 1960, conheceu os médicos da “nova” maternidade “Maria Perpétua Piedade Gonçalves”, como Calil Ali, Paulo Corazza, Zurray Tarraf e Luiz Carlos Famadas. A partir dali ele passou a perceber que tudo na cidade tinha divisão política, inclusive nos hospitais.

A direção ou era “vermelha” — grupo de Lulu Camarinha e Carlos Queiroz — ou “azul” — de Alziro Santos, Onofre Rosa e Lúcio Casanova Neto.

João na juventude “rebelde” dos anos 1960, ao centro de um DKW

Percebendo a inteligência incomum de Nantes, o patrão Alziro Santos passou a utilizá-lo para escrever discursos políticos de seu grupo. Em papel usado para embrulhar remédios, João ouvia o político ditar frases, melhorava o discurso e datilografava numa máquina de escrever antiga.

“O compadre Onofrinho está de volta” era uma das frases no início de um discurso, possivelmente para a campanha vitoriosa de 1968, quando Onofre Rosa se tornou prefeito de Santa Cruz pela segunda vez.

Após tantos anos na farmácia Santa Cruz e amigo de vários médicos, era praticamente impossível João Nantes não abraçar a Medicina. Mas uma nova guinada em sua vida o levou à prefeitura — e justamente na gestão de Carlos Queiroz, o líder dos “vermelhos”. O caso aconteceu nos anos 1960, e foi difícil convencer Alziro Souza Santos de que era o caminho a seguir e o salário era melhor.

Nantes lembrou que o farmacêutico criava obstáculos para evitar sua saída da empresa. “O pessoal dos vermelhos é perigoso”, chegou a dizer Alziro, que logo aceitou as ponderações de Nantes e aceitou sua demissão.

Na prefeitura, João Nantes trabalhou no setor de compras e passou a conviver com os mais tradicionais empresários e comerciantes de Santa Cruz. Foi com Carlos, aliás, que Nantes descobriu o potencial de uma boa equipe. “O Carlos procurava os melhores nomes e era muito honesto e trabalhador. Para fazer uma peça para algum veículo, por exemplo, ele recorria ao Ari Torneiro, o mais famoso de toda a região na época”, contou Nantes em entrevista ao jornal em 2004.

“Além disso, acordava às 5h e percorria a cidade antes de a prefeitura abrir. Assim, quando chegava ao gabinete, já sabia quais as ordens que daria à sua equipe”, disse.

O curso de Medicina ainda era o sonho do jovem. Aprovado na faculdade de São Carlos, logo se desligou da prefeitura porque o curso era integral. Voltou à farmácia Santa Cruz e chegou a iniciar o curso, mas desistiu ao perceber que não teria condições financeiras para arcar com os estudos. Foi, então, que resolveu cursar Direito, viajando todos os dias para a faculdade.

Quando se formou, ainda se dividiu entre a advocacia e o emprego na farmácia de Alziro Santos. Nantes sabia que ainda iria demorar um tempo para se estabelecer como advogado em Santa Cruz. Em 1977, o Brasil aprovou a emenda constitucional que autorizou o divórcio e o jovem advogado percebeu no tema um novo filão de mercado. Estudou muito e se tornou especialista no tema.

No hospital de Bauru, lendo o DEBATE uma semana antes da morte

Mas o ramo farmacêutico nunca deixou João Nantes. Tanto que era ele quem medicava os filhos pequenos em casa. O advogado contou, por exemplo, que aprendeu com Alziro Santos os “macetes” da Medicina e a importância dos toques no corpo do paciente. Foi Nantes, aliás, quem descobriu o câncer que em 1978 matou seu amigo de profissão Cláudio Sérgio Piedade Catalano, que havia se candidatado a prefeito dois anos antes e estava estudando para a magistratura.

Durante uma viagem de negócios com o amigo, ele percebeu gotas de sangue no chão do banheiro de um posto de gasolina e logo questionou Cláudio sobre o problema. Em seguida, um toque na barriga mostrou que havia algo sério. Em Santa Cruz, contou o fato a amigos que convenceram Catalano a fazer exames. O advogado morreu meses depois da descoberta do câncer.

João cresceu como advogado, montou uma imobiliária e se aventurou até no ramo de lazer e entretenimento, criando a “Nantes Eventos” — que trouxe a Santa Cruz artistas de expressão nacional.

Presidiu durante anos a ACE — Associação Comercial e Empresarial — e fomentou a criação de diversas associações classistas, como calçadistas e arrozeiras. Ele também teve papel fundamental na fundação do Conselho Tutelar em Santa Cruz e na criação de mais varas judiciais para o fórum da comarca.

Como se não bastasse, Nantes também foi empresário do ramo de loteamentos em Santa Cruz e Garça, criando a empresa “Nantes P. Carmon”. O Jardim São João, um dos principais bairros da cidade, foi construído pela empresa do advogado e empreendedor.

Ícone de Santa Cruz do Rio Pardo, ele sempre dizia ter aprendido com o farmacêutico Alziro de Souza Santos que o homem deve ser plenamente realizado plantando uma árvore, tendo filhos, construindo uma casa e escrevendo um livro. “Está faltando o livro, que brevemente pretendo escrever”, disse em 2004 ao jornal.

Não teve tempo. João Nantes morreu na madrugada de domingo, 10. Uma multidão acompanhou seu sepultamento na tarde de segunda-feira, 11, no cemitério de Santa Cruz do Rio Pardo, onde se ouviu palmas, choros e muita gratidão pela vida intensa de Nantes.

Como um símbolo da tristeza que abateu sobre a cidade, quando o último tijolo do túmulo foi colocado, o céu se escureceu às 17h como se fosse noite. Minutos depois, uma forte chuva caiu sobre Santa Cruz do Rio Pardo e refletiu uma cidade que chorou a perda de uma das mais importantes personalidades do município. 

SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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