GERAL

Diretoria da ACE omite gastos e joga entidade numa grave crise

Nota oficial ‘passa pano’ para gastos pessoais do atual presidente; texto diz que tudo foi feito “de bom grado”

Diretoria da ACE omite gastos e joga entidade numa grave crise

Renan Alves, presidente da ACE, negou documentos sobre seus gastos pessoais bancadas pela entidade

Publicado em: 16 de janeiro de 2024 às 20:05
Atualizado em: 16 de janeiro de 2024 às 20:27

Sérgio Fleury Moraes

 

Mais de dois meses após ignorar um pedido formal para explicar gastos pessoais da entidade com seu presidente Renan Alves, a ACE — Associação Comercial e Empresarial — de Santa Cruz do Rio Pardo emitiu uma nota à imprensa em que tenta negar informações publicadas pelo jornal no final do ano passado. O texto não trouxe qualquer documento capaz de desmentir os gastos pessoais de combustíveis e alimentação do presidente bancados pela entidade. O resultado foi o agravamento de uma crise que já está provocando a saída de associados e a demissão de diretores e dirigentes de alguns órgãos ligados à ACE.

A nota foi divulgada em nome da diretoria da associação, cujos membros provavelmente não verificaram os documentos contábeis que mostram gastos pessoais do presidente que foram feitos em desacordo com o estatuto da ACE. Além de não responder a um requerimento protocolado pelo jornal em novembro, solicitando todos os documentos e os extratos do cartão corporativo, inclusive na condição de associado da entidade, o presidente Renan Alves também se recusou a responder um questionamento feito por escrito.

As informações publicadas pelo jornal mostram que Renan Alves gastou com recursos da ACE, num período de apenas três meses, aproximadamente R$ 3,5 mil em combustíveis para seu veículo particular, um automóvel Jeep Renegade. A entidade possui um automóvel próprio.

Além disso, a entidade banca uma média de R$ 800 na alimentação do presidente em restaurantes ou lanchonetes de Santa Cruz do Rio Pardo e região. Há outros gastos considerados exorbitantes para eventos de curta duração. Por fim, Renan contrata empresas de outras localidades para prestar serviços à entidade santa-cruzense cujo principal objetivo é fomentar o comércio e empresários da cidade.

 

Presidente chegou a publicar em seu “stories” nas redes sociais foto de almoço no luxuoso restaurante “Paris 6 Vaudeville”, pago pela ACE 

 

Dez semanas depois do primeiro pedido de informações, surge a polêmica “nota oficial” que, enfim, nada explica. O texto começa explicando que nenhum membro da diretoria ACE recebe salário, o que sempre foi de conhecimento da população. Em seguida, diz que “em comum acordo”, todas as representações dos diretores “na cidade ou fora dela” são reembolsadas nos âmbitos de locomoção em combustível e alimentação.

A nota oficial insiste que todos os pagamentos foram feitos em dias de realização de eventos ou compromissos do presidente, mas não exibe notas, datas e nem as agendas da entidade para comparação. O texto afirma, ainda, que o uso do veículo particular do presidente “foi feito de bom grado”.

Este tipo de autorização não existe e é proibida pelo estatuto da ACE. Um dos artigos diz que é vedado “sob qualquer pretexto” autorização para auxílio, ajudas, donativos ou doações. Quando em viagem, as despesas realmente podem ser ressarcidas, mas desde que autorizadas pelos dois conselhos da entidade — Deliberativo e Fiscal — e obviamente anotadas em ata.

Em nenhum momento, a nota oficial da ACE menciona as vedações contidas em seu estatuto. Assim, se o código interno proíbe o financiamento de despesas pessoais para seus diretores, o caso deve ser tratado como possível desvio de recursos da entidade. Existe a possibilidade de algum associado solicitar uma prestação de contas, mas, a exemplo do que aconteceu com o pedido feito pelo jornal, estas informações contáveis estão sendo escondidas pela diretoria.

 

Plataforma eleitoral da chapa que hoje comanda a ACE pregava “prezar ed tornar a ACE transparente através de contas públicas”

 

Antes de Renan Alves, nenhum outro presidente da ACE teve suas despesas pessoais bancadas pelos cofres da entidade do comércio santa-cruzense. A postura é explicada pelo fato de o cargo de presidente ser uma doação de serviços à ACE, um ato de cidadania. Este é o espírito que permanece em praticamente todas as entidades do município, inclusive filantrópicas. Os únicos remunerados são os funcionários que trabalham em regime de carga horária.

A nota também diz que as despesas de Renan num restaurante de luxo em São Paulo, bancadas pela ACE, ocorreram por conta de um programa do Sebrae que levou comerciantes para um roteiro na capital paulista. Não diz, entretanto, que o Sebrae é o órgão que custeia o transporte e alimentação de todos os convidados nestes tipos de eventos, não havendo justificativa para a associação de Santa Cruz  do Rio Pardo bancar qualquer despesa de associado ou diretores nestas ocasiões.

As despesas de Renan em restaurantes do “McDonald’s” foram justificadas como feitas em dias de palestras e encontros em Marília e Ourinhos, mas a nota da diretoria não informou datas e nem exibiu as agendas dos eventos. Não há notícia alguma sobre evento na mesma data em Ourinhos.

A nota oficial da diretoria também contesta gastos com um imóvel emprestado de um empresário de Santa Cruz, usado pela ACE na decoração “Estação de Natal” durante o final do ano. As informações obtidas pelo jornal são de que o custo das reformas no prédio ficou entre R$ 20 mil e R$ 30 mil, considerado alto para um período tão curto antes da devolução do imóvel.

O posicionamento oficial da diretoria não informa o custo da reforma e nem os valores gastos com a compra de enfeites. Porém, ao mesmo tempo, diz que é “abominável” dizer que foram gastos exorbitantes. “Os gastos de reparos locais foram mínimos comparados aos efeitos da ação”, diz o texto, sem exibir qualquer documento.

A nota também distorce as informações publicadas pelo jornal sobre o fato de a ACE alugar o salão “Esplendor Hall” para promover o evento “Destaques do Ano”, que antes sempre foi realizado em sua própria sede. Segundo a entidade, isto aconteceu porque o evento foi ampliado e necessitou de um espaço maior.

Porém, o jornal questionou o fato de a ACE ser ré numa ação civil pública movida pelo Ministério Público, que pede judicialmente a devolução do prédio do Clube dos Vinte. Em sua defesa na Justiça, a ACE diz que o salão é imprescindível para a realização de seus eventos e que a devolução seria uma “sentença de morte” para a entidade.

Sem a exibição de documentos, dos balanços integralizados e das notas fiscais das despesas pessoais de seu presidente, a atual diretoria da ACE provocou uma crise sem precedentes nos últimos anos, que está provocando a saída de associados e de dirigentes de órgãos ligados à entidade.

A atitude contrasta com a campanha eleitoral da chapa “Avança Santa Cruz”, encabeçada por Renan Alves, que venceu as eleições da ACE em novembro de 2022.

Nas plataformas do grupo publicadas nas redes sociais, jornais  e até impressas em panfletos, havia inúmeras propostas anunciadas pela chapa. Uma delas dizia expressamente: “Prezar e tornar a ACE transparente através de contas públicas”.

 

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