CULTURA

‘Silêncio no quarto ao lado’

‘Silêncio no quarto ao lado’

Publicado em: 07 de julho de 2019 às 12:30
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 20:32

Passados três anos do assassinato do filho Brian, Valdineia

aguarda por justiça e convive com a dor que o tempo não cura

Diego Singolani

Da Reportagem Local

Durante meses, a moto taxista Valdineia Pontes, 45, manteve a esperança de que, ao chegar em casa, encontraria o filho Brian no quarto, brincando com seu cachorro. Ela sabia que isso nunca mais iria acontecer, mas o sentimento era inevitável, algo subconsciente. Hoje, a mãe parece se conformar com a ausência, mas não com a dor. Já se passaram três anos desde que Brian Bueno foi morto por um policial militar na saída da Feira Agropecuária e Industrial de Ourinhos (Fapi) e o caso ainda não foi julgado. Vivendo entre as memórias e os objetos do filho que guarda, Valdineia clama por justiça.

Brian tinha apenas 22 anos quando foi morto a tiros



Na madrugada do dia 9 de junho de 2016, Brian, então com 22 anos de idade, foi morto pelo PM Luís Paulo Izidoro em uma blitz. O jovem estava no carro junto com mais quatro amigos, todos de Santa Cruz do Rio Pardo, na avenida Jacinto Sá, na saída da Fapi, em Ourinhos. De acordo com as testemunhas, o veículo seguia em baixa velocidade quando Brian teria colocado o braço para fora e erguido um cone de sinalização, devolvendo-o ao local em seguida. Uma equipe da PM deu ordem de parada. Um soldado iniciou a abordagem, quando o outro policial, Luís Paulo Izidoro, se aproximou e sacou a pistola. Brian estava no banco do passageiro da frente e foi alvejado pelo PM, morrendo praticamente na hora. Nenhum dos ocupantes do veículo tinha antecedentes criminais. Todos sustentaram que o PM Luís Paulo Izidoro estava “transtornado” e sacou o revólver sem nenhum motivo, o que é comprovado por imagens do circuito de segurança de um estabelecimento na região onde o crime aconteceu. A defesa do PM alega que o disparo foi acidental.

Valdineia, apesar de tentar seguir a vida, não esconde as marcas do luto enraizado. Ela conta que os períodos mais difíceis do ano são os meses de março — quando Brian faria aniversário — e junho, quando começa a da Fapi. “No começo ainda achava que ele voltaria a qualquer momento. Depois que cai a ficha, a gente sente um vazio que o tempo não cura”, afirmou.

Como um filme que se repete, Valdineia constantemente relembra de seus últimos momentos com o filho. Um dia antes do crime, ela não queria que Brian fosse a Fapi, receosa com as notícias de brigas no evento. Era quarta-feira, dia 8 de junho, e o jovem ainda teria que levantar cedo na manhã seguinte para participar de um treinamento para seu novo emprego. “Ele pareceu ter desistido. Só que depois voltou dizendo que queria muito ir e que tinha carona com os amigos”, declarou Valdinéia. Foi quando algo inesperado aconteceu. “Eu tive uma crise de choro intensa, do nada. Isso nunca tinha acontecido”, afirmou. Valdinéia seguiu para a cozinha e Brian foi atrás. O jovem abraçou e beijou a mãe antes de sair. Segundo Valdinéia, Brian teria dito que “isso iria acabar”, frase que até hoje à intriga. “Não sei se ele estava sentindo alguma coisa ou era eu que pressentia o pior”, disse.

Outro fato marcante, relatado por Valdinéia, foi uma ligação que ela recebeu às 3h10 da madrugada de quinta-feira, 9 de junho, exato momento da morte de Brian. “Acordei ouvindo o telefone tocar. Atendi, mas do outro lado ninguém respondia. Eu ainda não sabia da morte do meu filho. E no meu celular, na verdade, vi depois que não havia nenhum registro de chamada”, afirmou.

LEMBRANÇAS — Valdineia mantém o quarto de Brian intacto, mas chora ao ver as lembranças que o filho deixou



À espera do júri

O policial militar Luís Paulo Izidoro, que matou Brian Bueno, não chegou a ser preso. Aliás, ele sequer foi afastado da Polícia Militar, onde continua trabalhando no setor administrativo da corporação em Ourinhos. Apesar da alegação de disparo acidental e possível falha da pistola, Izidoro foi indiciado por homicídio doloso qualificado, quando há intenção de matar. Ele será julgado por um júri popular em Ourinhos, ainda sem data marcada.

O advogado do policial, Osny Bueno de Camargo, que já foi juiz em Santa Cruz do Rio Pardo, apresentou recurso ao Tribunal de Justiça, sem previsão de andamento, para protelar ao máximo um júri popular. Um processo disciplinar foi aberto contra Izidoro pela Policia Militar, mas não há informação sobre sua conclusão. Também foi instaurado um inquérito policial militar, que acabou sendo remetido para a Justiça comum.

O policial Luís Paulo Isidoro, que há três anos matou um santa-cruzense



O contexto que envolveu a morte de Brian fez com que o caso repercutisse nacionalmente. A gravação de uma câmera de segurança, que flagrou a abordagem, demorou a ser recuperada após interferência da Polícia Militar. Houve, inclusive, denúncias de que os envolvidos estariam tentando apagar as imagens. A Polícia Civil só conseguiu resgatar o vídeo mediante uma ordem judicial.

Além disso, o carro onde Brian foi morto foi lavado por ordem da PM logo após o crime e antes de ser entregue à família. Segundo explicou oficialmente a corporação, a limpeza teria sido “um favor” porque o veículo estava bastante ensanguentado. O inquérito da Polícia Civil apontou que a lavagem poderia ter prejudicado a coleta de provas.

Valdinéia continua morando no Parque das Nações, na casa onde Brian cresceu. Ela diz que mantém muitas coisas do filho. “O quarto dele está praticamente como era, com seus objetos. Até a blusa que ele usava na noite do crime, marcada pelo tiro, está lá. O carro dele nós também não vendemos’, diz. Indignada, Valdinéia revela que prometeu ao filho, ao lado de seu caixão, que não descansaria até que a justiça fosse feita. “Se fosse meu filho, ou o de qualquer um, que tivesse feito alguma coisa, já estaria até condenado. Só que o sujeito é policial e a justiça é outra, mesmo com as imagens mostrando que ele matou o Brian”, declarou.



  • Publicado na edição impressa de 30/06/2019


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