CULTURA

Nasceu surda e hoje é professora diplomada: a superação de Carlota

Maria Carlota Oliveira de Almeida Lopes Batista superou inúmeras adversidades para se formar em Pedagogia e sonha em lecionar Libras

Nasceu surda e hoje é professora diplomada: a superação de Carlota

Na casa da tia Haydee, Maria Carlota posa num móvel com fotos de sua infância: surdez não impediu que ela buscasse seus sonhos

Publicado em: 10 de fevereiro de 2024 às 22:21

Sérgio Fleury Moraes

 

No final do ano passado, entre dezenas de alunas na festa de formatura em Pedagogia da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos, uma tinha um motivo especial para agarrar e agradecer o diploma. Aos 27 anos e deficiente auditiva, Maria Carlota Oliveira de Almeida Lopes Batista alcançou o topo universitário, depois de enfrentar preconceitos e ultrapassar barreiras. Agora, quer dar aulas de Libras, a Língua Brasileira de Sinais.

O diploma, claro, qualificou Maria Carlota como uma professora. No entanto, ela sabe que não consegue, como surda, dar aulas para uma classe normal. “Quero ensinar Libras”, diz, com a tradução feita pela mãe. “Sempre foi meu sonho”, garante.

Maria Carlota é totalmente surda desde o nascimento. A mãe, Cassiana Oliveira de Almeida, teve rubéola na gestação e a doença provocou o problema. No entanto, a família só começou a desconfiar da surdez um ano depois, uma vez que a bebê era quieta. Foi a avó Maria do Carmo Oliveira de Almeida, mãe de Cassiana, que deu o primeiro alerta. “O incrível é que, entre seis meses e um ano, ela se desenvolvia normalmente, inclusive falando ‘mama’, ‘vovô’ ou ‘papa’. Mas era a repetição da leitura labial”, conta Cassiana.

A partir daí, foi uma busca por médicos e exames. No Centrinho de Bauru (USP), Maria Carlota fez uma cirurgia chamada “Bera” para detectar o nível de resposta auditiva. O resultado comprovou que a criança, agora com dois anos, não tinha restos auditivos “Era 100% surda”, contou Cassiana.

Maria Carlota ficou na fila para outra cirurgia, de implante coclear. É um dispositivo que tem a função de captar estímulos sonoros. No entanto, a fila não andou e a cirurgia não foi realizada. Neste período, Carlota estudava na escola infantil “Casa da Vovó”.

 

Maria Carlota junto com a família, de onde vem o apoio fundamental para todas as conquistas

 

Cassiana, então, percebeu que precisava se aproximar da Libras, a Língua Brasileira de Sinais. “A Maria Carlota não tinha comunicação. Ela gritava e esta era a forma de ela se comunicar”, conta. Era o início da década de 2000 e a Libras não era tão difundida. Não havia sequer escolas ou professores na região.

Depois de buscar pelo aprendizado em São Paulo, a família descobriu que o Centrinho havia acabado de implantar um projeto para ensinar Libras, chamado de NIR. “O problema é que o programa não contemplava crianças, mas adultos. No máximo, adolescentes podiam iniciar, mas minha filha tinha seis anos. Por sorte, o professor — que era surdo — se surpreendeu com a força de vontade de Maria Carlota. Dias depois, ela estava matriculada. Era uma exceção.

 

Foto dos tempos alegres da antiga escola “Casa da Vovó”, em S. Cruz

 

Ao mesmo tempo, Cassiana resolveu aprender Libras durante sete anos, em Bauru. A comunicação, enfim, estava garantida.

De volta a Santa Cruz do Rio Pardo, já praticamente alfabetizada, a família enfrentou outros problemas. Aluna da escola “Sinharinha Camarinha” e fluente em Libras, a garota não tinha uma intérprete que a ajudasse nos estudos. A avó Maria do Carmo não viu outra saída a não ser recorrer à Justiça.

Num primeiro momento, o processo não vingou. Assim, o apoio da diretora da escola na época, Ana Manzo, foi fundamental. “Ela permitiu que outras três alunas, que também estavam aprendendo Libras, ajudassem a Maria Carlota”, conta a avó Maria do Carmo.

Quando a adolescente entrou no ensino Médio, na escola “Leônidas do Amaral Vieira”, a Justiça finalmente determinou ao Estado que providenciasse uma intérprete de Libras para Maria Carlota. Um ano depois, a estudante prestou um concurso para ser monitora no contraturno do horário escolar. Foi aprovada em primeiro lugar em toda a região. Era seu primeiro emprego, na própria escola em que estudava.

 

Enfim, o diploma universitário

 

Com o diploma do ensino Médio em mãos, Maria Carlota foi à luta pelo diploma universitário. Passou a viajar todos os dias para Ourinhos, onde cursou Pedagogia. Ela lembra que teve a solidariedade de muitos amigos, uma vez que a surdez pode provocar até riscos no trânsito — o deficiente não ouve o barulho do motor do ônibus ou de outros veículos.

Mas nem sempre foi assim. Maria Carlota já sofreu bullying e muito preconceito. “Em quase todos os lugares ela sofreu este tipo de preconceito, além das risadas”, conta a mãe. “Num dos empregos, num estabelecimento de saúde, a superiora gritava com ela. E geralmente as pessoas querem colocar o deficiente em trabalho braçal. Não queremos jamais desmerecer, por exemplo, a função de faxineira, mas a Maria Carlota enfrentou muitos sacrifícios para estudar”, disse Cassiana.

A jovem deixou o emprego e agora parte em busca de seu sonho, procurando vaga como professora de Libras. Maria Carlota, aliás, tem uma vantagem sobre outros intérpretes da Língua Brasileira de Sinais exatamente porque é surda. “Ela vive a cultura surda, que é diferente. Eu sei Libras, mas de uma forma diferente da minha filha”, explica Cassiana.

Apesar da dificuldade de obter emprego, o mercado de trabalho para intérpretes de Libras é vasto. É comum, por exemplo, um paciente surdo ter problemas de comunicação numa unidade de Saúde ou qualquer outra repartição pública. Hoje, especialistas defendem que estes locais necessitam, obrigatoriamente, de intérpretes.

A boia notícia é que a tecnologia e o respeito pelos surdos, enfim, avançaram. Hoje, Maria Carlota tem à disposição um canal da operadora Vivo que traduz Libras quando ela conversa com alguém que não entende a Língua Brasileira de Sinais. “Ela usou este canal, por exemplo, para se comunicar com um médico. Ela faz a ligação em vídeo, usa a Libras e a intérprete transmite tudo para a outra pessoa. É muito bom”, conta Cassiana.

A jovem recebeu a reportagem na casa da tia Haydee Aparecida Caetano de Oliveira Silveira, ao lado da mãe Cassiana e da avó Maria do Carmo. Ela tem todo o apoio da família para buscar seu sonho. Para Maria Carlota, será mais uma etapa de sua trajetória de luta e superação.

 

* Colaborou Toko Degaspari

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