CULTURA

A HISTÓRIA DE SANTA CRUZ E BÚZIOS

Como a venda da fazenda Jamaica de Santa Cruz do Rio Pardo transformou Búzios na praia mais charmosa e internacional do Brasil

A HISTÓRIA DE SANTA CRUZ E BÚZIOS

Brigitte Bardot na praia de Búzios em 1964, na companhia do namorado Bob Zagury, um marroquino-brasileiro amigo de vários artistas

Publicado em: 01 de fevereiro de 2024 às 21:55
Atualizado em: 01 de fevereiro de 2024 às 22:11

“Não havia nada em Búzios. Nem eletricidade, nem telefone, nem água corrente. Havia apenas o mar, o céu, uma casinha rústica e doce, praias douradas a perder de vista e algumas embarcações coloridas com as quais os moradores dali pescavam em alto mar.

Guardo preciosamente a lembrança inesquecível de um pequeno paraíso onde eu corria descalça, acompanhada de um gato que eu chamava de Mou Mou, maravilhada com os beija-flores, com os flamboyants, as buganvílias, a cor translúcida de um mar cheio de espuma e brilhante que parecia um champagne azul e com o qual me embriagava.

Foi talvez naquele universo tão primário, tão natural, tão verdadeiro que passei as melhores horas, os mais lindos dias da minha vida”.

- Brigitte Bardot

 

Bardot e o namorado passeiam pela orla de Búzios em 1953, na época uma comunidade de pescadores longe de ter o glamour internacional

 

 

Miguel Moyses Abeche Neto
Especial para o DEBATE

 

Deus criou a mulher e Brigitte Bardot descobriu Búzios para o mundo. Muito antes que Luiza Brunet ocupasse a praia de Geribá com sua beleza, elegância e simpatia, a francesa permaneceu em Búzios entre janeiro e abril de 1964, retornou em janeiro de 1965 e nunca mais voltou, deixando saudades e a sua estátua na orla que leva seu nome.

Em 1964, Búzios era apenas uma aldeia de pescadores. Brigitte veio ao Brasil para passar o verão e o Carnaval no Rio de janeiro. Chegou acompanhando seu namorado Bob Zagury, um marroquino-brasileiro, amigo de Jorge Benjor e outras figuras conhecidas no mundo carioca.

O assédio da imprensa e do público tornou sua presença quase impossível no Rio e nas areias de Copacabana. Bardot queria conhecer as praias desertas e selvagens do Brasil. Foram parar em Armação dos Búzios — ou só Búzios, como ficou conhecido o então distrito de Cabo Frio. Afinal, naqueles tempos o chique era Cabo Frio, com seus casarões antigos e praias maravilhosas como a sua principal areia turística — a Praia do Forte e suas dunas (hoje quase não existem mais).

A estrada entre Cabo Frio e Búzios era praticamente intransitável, com muita areia e buracos. Os 25 quilômetros que separam os dois lugares representavam mais de uma hora para percorrer.

 

CHARME FRANCÊS — Acima, a casa onde Brigitte Bardot se hospedou em Búzios, quando a comunidade não tinha energia e nem água encanada; abaixo, a atriz francesa acompanha a construção de um imóvel

 

E assim Brigitte Bardot passou dois verões na então aldeia isolada de Armação dos Búzios. Quando a imprensa descobriu seu paradeiro, noticiavam que Brigitte estava em Cabo Frio. E estava mesmo naquele município, mas no distrito de Búzios.

Até o início dos anos 1970, Búzios não era conhecida. Com a partida de Brigitte em 8 de janeiro para filmar “Viva Maria” no México, a atriz prometeu voltar, o que nunca aconteceu. Búzios, então, ficou esquecida e retomou sua vida pacata e tranquila como distrito de Cabo Frio, com estrada horrível, energia gerada por óleo diesel e cuja iluminação pública era desligada às 20h. Continuava sem água encanada, sem hotéis ou pousadas, sem restaurantes e sem lojas.

 

Estátua de Brigitte Bardot que fica na orla de Búzios, como uma homenagem à atriz que mostrou o paraíso ao mundo

 

Ao mesmo tempo, havia uma movimentação econômica a muitos quilômetros de Búzios – e em outro Estado, mais precisamente em Santa Cruz do Rio Pardo.

Em 1969, Henrique da Cunha Bueno vendeu a fazenda Jamaica para os irmãos Quagliato. “Henriquinho”, como ficou conhecido, era filho de Dona Sebastiana da Cunha Bueno, moradora e proprietária de fazendas em Ipaussu e Santa Cruz do Rio Pardo.

Ela foi uma das principais figuras femininas da agricultura cafeeira no Brasil, se não a principal. Ficou viúva muito cedo e criou os três filhos praticamente sozinha. Durante um período, viveu em Santa Cruz do Rio Pardo, e sua filha Renata Cunha Bueno Melão hospedou a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, em sua fazenda em Campinas, durante a visita ao Brasil da rainha e de seu marido Philip.

Henrique da Cunha Bueno era sócio fundador do Clube dos Vinte. Aliás, ele foi um dos 20 que investiram financeiramente na construção da nova sede do clube, inaugurada em 1958. Ele era muito ligado ao deputado Leônidas Camarinha e ao advogado Cyro de Mello Camarinha, ambos ex-prefeitos de Santa Cruz do Rio Pardo.

 

Acima, estatuto do Clube dos Vinte de 1958, com o nome de Henrique da Cunha Bueno Filho como contribuinte para a
construção da sede social.

 

O gerente da fazenda Jamaica durante os anos em que a propriedade pertenceu a Henrique da Cunha Bueno foi Guido, pai de Márcio Moreira, um dos principais publicitários do mundo, e da Eliana, minha amiga que tão nova faleceu em Maringá para onde se mudou o antigo gerente da Jamaica.

A fazenda Jamaica tinha uma sede maravilhosa. Havia até cinema para os funcionários. Tudo construído por Henriquinho. Hoje, a sede da fazenda é a residência de João Luiz Quagliato, conhecido como “Luizito” e um dos maiores empresários da agroindústria do Açúcar e Álcool. Junto com seu irmão Roque e os filhos de Fernando e Chicão Quagliato, representam um dos maiores grupos da pecuária no Brasil.

 

FAZENDAS — Acima, a Fazenda Jamaica de Santa Cruz, vendida por Cunha Bueno a Luizito Quagliato; abaixo, a fazenda de Búzios construída por santa-cruzenses pelo cafeicultor Henrique da Cunha Bueno Filho

 

Com a venda da Jamaica, foi oferecido a Henrique Cunha Bueno uma área enorme denominada “Fazenda Porto Velho”, que se localiza exatamente em Armação dos Búzios. A área pertencia à destilaria Medelin, mas era um desafio investir num lugar que, segundo a própria Brigitte Bardot, não havia nenhuma estrutura.

Henrique havia contratado Naur Cardoso para trabalhar com ele, também especialista em gerenciar projetos agropecuários. Na verdade, Naur havia chegado em Santa Cruz do Rio Pardo em 1966. Veio do Paraná com sua família. Entre os filhos, dois se tornaram meus grandes amigos: Antônio Cardoso Neto e Paulo de Tarso Cardoso.

Antônio, o mais velho, conhecido como Cardoso, sempre foi dotado de uma rara inteligência. Doutor em Hidráulica pela Universidade Oxford, se aposentou pela Agência Nacional de Águas deixando um extenso trabalho técnico e teórico tanto na ANA quanto nas escolas de Engenharia.

Aliás, o médico Isaías Carvalho dos Santos se refere a ele como o “Fellini de Santa Cruz”. E foi mesmo, pois criativo, irreverente e dono de uma inteligência aguçada.

E Henrique da Cunha Bueno resolveu comprar a área denominada “Fazenda Porto Velho”, com a intenção de criar gado aproveitando a boa qualidade da terra. Era uma área imensa que colocava quase metade de Búzios nos seus domínios.

E havia uma extensa praia nesses domínios. Toda a chamada “Praia Rasa” estava dentro da fazenda Porto Velho. Não havia sede e Cunha Bueno e sua mulher, dona Luíza, escolheram o local para construir um casarão. Junto com Naur Cardoso, agora gerente da fazenda, contrataram todos os serviços para a construção em Santa cruz do Rio Pardo, ou seja, a 1.000 quilômetros da obra. Desde a mão de obra, passando pelo construtor e técnicos, tudo foi “made” em Santa Cruz do Rio Pardo.

No início de 1970, Henrique e sua mulher fizeram uma viagem em um navio do antigo “Loyd Brasileiro” e neste passeio conheceram o casal Jorge e Maria Helena Tedesco.

Ao comentar sobre a Fazenda Porto Velho, Jorge - que era frequentador antigo de Búzios e conhecia bem os encantos de suas praias e paisagens - sugeriu a Henrique o desenvolvimento de um loteamento que norteasse as construções futuras da região. Cunha Bueno, homem do café e da pecuária, inicialmente não se entusiasmou muito com a proposta. Queria criar gado e aproveitar a qualidade da terra para esse fim.

Com o tempo, foi convencido pela esposa Luísa, Tedesco e por um personagem que se incorporou ao projeto e que foi decisivo para o sucesso do empreendimento: o arquiteto Otávio Raja Gabaglia, ou simplesmente Otavinho.

 

O arquiteto Otávio Raja Gabaglia, o "Otavinho"

 

Na época, Otávio era uma figura diferente. Andava de “sarong”, o traje havaiano colorido e com havaianas no pé. Foi dele a sugestão de negociar terrenos com no mínimo 2.000 metros quadrados e com baixa ocupação do solo. O loteamento da “Praia da Baía Formosa” na época era o metro quadrado mais caro de todo o Litoral Brasileiro, com exceção de terrenos com frente para o mar nas praias do Leblon e Ipanema, no Rio de Janeiro.

Foi Otávio, Jorge Tedesco e Henrique e Luiza Cunha Bueno que definiram o modelo de construção que Búzios adotou e evitaram que Búzios se tornasse esse horror das praias brasileiras cercadas de prédios altíssimos e de construções de gosto duvidoso, que desfiguram e escondem toda a beleza e charme das praias brasileiras.

Otávio Raja Gabaglia era um arquiteto visionário, que criou posteriormente a famosa “Rua das Pedras” em Búzios, com um calçamento único e perto da famosa “Orla Bardot”, um espaço que hoje é frequentado por artistas de televisão em geral.

 

Autor do artigo, Miguel Moyses Abeche Netto na Praia dos Ossos, em Búzios, em julho de 2010

 

O empreendimento foi um sucesso. E ali se construíram casas que serviram de modelo e criaram a arquitetura “buziana”. Esse estilo teve origem nas primeiras casas compradas de pescadores por um grupo de pessoas com cultura e sensibilidade para preservar o espírito simples e nativo da aldeia de pescadores.

Búzios se tornou um caso inusitado, sem prédios altos, sem grandes hotéis e uma arquitetura preservada principalmente em volta da “Rua das Pedras”.

Vi e vivi essa história. Em julho de 1971, eu, Cacau (que saudades do meu amigo!) e Paulo de Tarso Cardoso passamos 30 dias na “Fazenda Porto Velho”. Paulo de Tarso, filho do gerente e administrador da propriedade, nos convidou e fomos para Búzios. Na verdade, nós falávamos “Cabo Frio”, pois ninguém sabia onde era Búzios.

Foram dias inesquecíveis. Dormíamos num galpão que era a sede da fazenda. A casa ainda estava em construção e diziam que que os móveis haviam sido comprados em um convento do Peru, todos do século 18. A comida deliciosa - principalmente arroz, feijão preto e um saboroso bife - eram feitos por dona Noêmia, que morava em um povoado bem ao lado da entrada da fazenda, na estrada que liga Cabo Frio a Búzios. O nome deste povoado era engraçado: “Saco de Fora”.

Namoramos, dançamos e íamos à praia a cavalo. A preferida era a “Praia de Geribá” e a Tucuns, ambas praticamente desertas na época. Cacau ligava um rádio “Transglobe” da Philco, sintonizado na “Rádio Mundial”, e ouvíamos toda a programação, principalmente o “Big Boy” em ritmos de boate.

Levei uma prancha de surfe longboard toda vermelha e todas as manhãs íamos para as praias desertas de Búzios. Às vezes, um japonês maluco no volante nos levava e só voltávamos no final da tarde, caminhando.

De certa forma, acompanhamos as obras finais no casarão da fazenda. Quase todos os funcionários da fazenda e aqueles que construíam a casa eram de Santa Cruz do Rio Pardo.

Foram dias tão marcantes que, anos depois, o Cacau alugou uma casinha em “Saco de Fora”, provavelmente à procura de alguma coisa que deixou ali. Todos nós levamos saudades e a memória esses dias maravilhosos.

Nesse julho de 1971, eu vi visitarem Henrique da Cunha Bueno na fazenda, e depois se deslocarem para a praia da Baía Formosa, três grandes empresários do Rio de Janeiro: Roberto Marinho, Braguinha (Sul América Seguros) e Chico Bastos (Ipiranga Petróleo). Era o empreendimento ousado que dava origem ao lugar desvendado por Brigitte Bardot que se transformaria no paraíso turístico.

E foi assim que a venda da Fazenda Jamaica em Santa Cruz do Rio Pardo mudou Búzios e me proporcionou dias maravilhosos.

SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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