CULTURA

Um mal ‘invisível’

Um mal ‘invisível’

Publicado em: 26 de julho de 2019 às 19:42
Atualizado em: 28 de março de 2021 às 21:54

Erradicada na maior parte do mundo, doença persiste no Brasil

graças ao estigma e a falta de capacitação, analisa especialista

Diego Singolani

Da Reportagem Local

O Brasil é um dos poucos países no mundo que ainda convive com casos de hanseníase. No trágico ranking da doença, é superado apenas pela Índia em número de pacientes infectados, chegando próximo aos 30 mil diagnósticos por ano. A hanseníase afeta os nervos periféricos e a pele, podendo causar deformidades físicas — é daí, inclusive, que surgem o estigma e discriminação que envolvem a doença. O preconceito é tão grande que a sociedade, muitas vezes, prefere esquecer e ignorar a existência da enfermidade e dos indivíduos acometidos por ela. São pessoas que se tonam “invisíveis”.

De acordo com a enfermeira Uiara Aline de Oliveira Kaizer, 35, o grave cenário passa pela falta de informação e pela capacitação deficiente dos profissionais da saúde, tendo em vista que a doença tem cura e o diagnóstico é feito no consultório do médico, sem necessidade de exames mais complexos. Uiara é doutoranda em Ciências da Saúde pela Unicamp e especialista em feridas, estomas e incontinências. Ela nasceu e viveu em Santa Cruz do Rio Pardo até os 17 anos de idade, quando saiu para estudar e trabalhar. Atualmente mora em Sorocaba. A enfermeira conversou com o DEBATE sobre o tema da hanseníase, os mitos que envolvem a doença, sintomas e tratamento. Uiara também compartilhou algumas experiências com pacientes que mostram o tamanho do estrago que o preconceito pode causar a uma pessoa infectada. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

DEBATEO que mais lhe choca até hoje sobre a maneira como a sociedade encara os pacientes com hanseníase?

Uiara Aline de Oliveira Kaizer — É o desconhecimento em relação à doença e o preconceito que ainda existe em torno da hanseníase. Muitos pacientes relatam que quando são diagnosticados sofrem muito com o preconceito das pessoas que convivem junto, começam a diferente, com medo de pegar a doença, separam objetos, rompem relação. O pessoal da igreja evita ou os professores da escola têm medo de outras pessoas pegarem a doença. Também já tive casos de atender pessoas cujo próprio profissional de saúde evitou ter contato com o doente por medo de se contaminar.

ESTIGMA — Para Uiara de Oliveira Kaizer, preconceito dificulta erradicação



DEBATEVocê teve alguma experiência marcante durante o tempo em que está trabalhando com os pacientes?

Uiara — Eu tenho a experiência com uma pessoa que não sabia que tinha a doença e evoluiu para amputação dos dois pés. Ela veio comigo depois que já tinha amputado e logo vi que tinha a doença, pois havia uma deformidade grande na mão, que ela escondia. Quando interroguei sobre a mão, ela me disse que era queimadura de criança e não queria mostrar. No dia do diagnostico, ela chorou muito, não queria contar para a família e tinha medo de ter passado para os filhos. Foi um momento bem difícil. Mas hoje ela está bem e agradece muito.

DEBATEVocê acha que o brasileiro é bem informado a respeito da doença?

Uiara — Infelizmente, ainda não. O diagnóstico é tardio e por isso muitas pessoas evoluem para sequelas que poderiam ser evitadas se o diagnóstico fosse precoce, na fase inicial da doença. Muitos pensam que a doença não existe mais e que é coisa do passado. Os dados mostram que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de casos só perde pra Índia. Temos a doença espalhada por todos os estados do Brasil. E cada vez mais, profissionais não estão sendo capacitados nas escolas tanto de enfermagem quanto medicina para atender essas pessoas.

DEBATEO que é indispensável que as pessoas saibam sobre a hanseníase?

Uiara — As pessoas precisam saber que a doença tem cura e que o tratamento é realizado de graça pelo SUS. É uma doença crônica infecciosa que afeta os nervos periféricos e a pele. Apresenta alto poder de causar incapacidades e deformidades físicas, que são os principais responsáveis pelo estigma e discriminação que envolvem a doença. A transmissão se dá de uma pessoa doente sem tratamento para outra pessoa por meio do contato próximo e prolongado por meio das vias aéreas superiores (exemplo: tosse e espirro). É transmitida pela bactéria “Mycobacterium leprae”, que tem afinidade pelos nervos periféricos e a pele, a pessoa pode perder ou ter diminuição da sensibilidade à dor, ao toque, ao frio e calor além das manchas na pele. Essas manchas podem ser brancas, avermelhadas ou acastanhadas. Por afetar os nervos, pode causar formigamento, dormência, sensação de choque, fisgadas no corpo, além de diminuição da força muscular, feridas por falta de sensibilidade ou até mesmo queimaduras. A doença também pode provocar o surgimento de caroços pelo corpo. Exames de laboratório não conseguem identificar todos os casos sendo necessário capacitação dos profissionais de saúde para o diagnóstico. O tratamento consiste em usos de antibióticos e leva de seis meses a um ano dependendo da forma da doença. O período de incubação de seis meses a cinco anos. A maneira como ela se manifesta varia de acordo com a genética de cada pessoa.

DEBATEEm um único contato, a pessoa pode adquirir o bacilo e desenvolver a doença?

Uiara — Para se contrair a doença tem que ter um contato íntimo e prolongado, todos os dias, em ambiente fechado com uma pessoa que seja da forma transmissível. A gente sabe que cerca de 90% das pessoas tem imunidade contra a doença. Então não há necessidade de ter esse medo. As pessoas que moram junto com o doente e que tem contato diário precisam ser examinadas para verificar se não tem algum outro doente na família e essa investigação acontece por 5 anos, pois o período de incubação da hanseníase é longo. Às vezes os familiares têm medo e evitam contato com o paciente, mas após o início do uso de antibióticos a pessoa não transmite mais a doença, não é necessário separar do convívio social como se fazia antigamente. As pessoas que viveram nos leprosários sofreram muito com essa segregação e hoje sabemos que não precisa mais disso.



  • Publicado na edição impressa de 21/07/2019


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