CULTURA

Geraldo Machado: 'Lambido é apelido'

Geraldo Machado: 'Lambido é apelido'

Publicado em: 27 de agosto de 2019 às 22:11
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 14:05

Lambido é apelido

Geraldo Machado *

Seu verdadeiro nome é, na verdade, Reginaldo Sousa Garrido. Seu padrasto é o Bisteca, também apelido, se vê. Sua idade, mal calculada, anda pelos quarenta e poucos anos, seja como for, vividos, pelo que eu sei aqui em Chavantes. Filho de casal que passou por fazendas deste município ou de Irapé, distrito. O pai bebia e a mãe deve, por consequência, ter desmanchado o casamento.

Aumentou a família quando passou a viver com o padrasto do Lambido, o Bisteca. Deve ter sido um osso duro de roer, mas hoje há muitos filhos dessa união. Irmãs e irmãos são vários e, um deles toca violão e canta modas de viola. O Lambido, durante muito tempo, trabalhou direitinho, como caminhoneiro, lavador de carros num lava–rápido e era estimado pelo serviço bem feito. Estes dados pessoais não indicam (não seria correto), uma devassa na vida do rapaz, nem tampouco uma pesquisa do IBGE. Ele jamais seria entrevistado, pois todo mundo sabe que o enteado do Bisteca não para. Anda pra lá e pra cá com a companheira magrinha e moça, sempre com uma sacola de supermercado com miudezas que ganham pelas ruas e quando pedem. Dinheiro, este, tem um mínimo estabelecido no pedido: 2 reais. Não sei onde esse casal mora, dorme e acomoda a espinha.

A ideia deste artigo fora da praxe nasceu de um encontro que mantive com o Lambido no shop do Mimura, lugar de destaque nesta cidade. Entrei para tirar uma xérox e, nisto, vi o Reginaldo sem a companheira, coisa de espantar, eles não se largam, sempre grudados e agora sós? Me perguntei.

Cumprimentei-o com um “como vai” e vi no olhar dele um quê de tristeza mal encoberta. “Eu estou bem e melhor agora por ter visto o senhor”. Este gesto do moço me tocou profundamente. Talvez, lá longe, onde deve estar a sua Dulcineia de Toboso, dama dos pensamentos desse Quixote sem estribo, ou melhor, que perdeu as estribeiras. Da Mancha? Não, eles, a pé, não viriam de tão longe assim. Daqui a Irapé, pra eles é chão; Canitar? Só de Manoel Rodrigues, porque ninguém da carona nestes tempos de assaltos e sequestros, sequestrar só por 2 reais e uma sacola? Não é roubo, é bobeira desmedida.

Qual de nós poderá dar um jeito no Lambido? Buda, o Sábio? Siddartha Gautama, citado pelo Dr. Hugo Di Domenico, meu amigo da Academia Taubateense de Letras, com quem correspondo há mais de 20 anos? Na sua última carta, em certo ponto, ele diz, me confortando: “…Vamos vivendo de acordo com as condições do momento. Nem muito pra lá, nem muito prá cá; no caminho do meio, como aconselhava Buda aos seus discípulos, e vamos enfrentando as situações que se apresentam com as armas, nossas possibilidades. Agora me lembrei exatamente do seu conto, DEUS, EU E A ONÇA:…” se o Senhor não está do meu lado nem do lado da onça, sente quieto neste tronco e vai ver que briga bonita vai dar”. Belo momento para fechar este artigo com um empurrãozinho do Dr. Hugo. Só Buda pode dar um bom conselho ao Lambido: diria Júpiter Tonante; raios! Diria Camões, com medo do naufrágio. “Senta quieto neste toco, Lambido, e veja como um caboclinho, com o facão fora da bainha, cara-a-cara com a onça pintada, nem treme. Ou vou eu sentar no toco, de tocaia, torcendo prá você, meu amigo, por que: em briga de homem e mulher, não cabe meter a colher. Disso sabe, há muito tempo, o seu padrasto, ele está sempre por fora, na encruzilhada — ele não é budista nem faquir, é do fast-food — só come sanduíches. Se a sua amada voltar, o Cartola voltará com ela (ela na terra, ele do céu), e vai, ele mesmo, cantar a sua imortal melodia que diz que as rosas não falam, as rosas exalam perfumes que (diz o meu amigo e xará, Geraldo Generoso), vêm de Timburi. Fico aqui, à sombra do Tamarindo que inspirou Augusto dos Anjos, pensando no Reginaldo Souza Garrido, garridíssimo, porque não? Diz o Bisteca que um boi solto lambe-se todo. Você está — não resta dúvida, solto e são, Lambido talvez, pela língua de uma sociedade que não lhe deu a mão e escola na hora certa. E agora, José (digo Garrido), você vai topar? Quem faz essa pergunta à sociedade é ela mesma.

Eu vi na televisão de casa, meu caro Reginaldo, que as lágrimas são o xixi da alma. Cuide para não fazer xixi na calça: você não tem mais a sua mulher para lavá-la. A sociedade, de A a Z, esse abecedário tem a lavadeira da Brastemp. Chore, é bom para a alma, mas enxugue os olhos — eu faço assim com o lenço — ninguém vê, são lágrimas de saudade de velho.

* In memoriam



  • Publicado originariamente em 2012


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