CULTURA

Pascoalino: 'Macaco não paga mico'

Pascoalino: 'Macaco não paga mico'

Publicado em: 06 de setembro de 2019 às 15:28
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 13:02

Macaco não paga mico

Pascoalino S. Azords

Da equipe de colaboradores

O homem foi feito para acreditar. Depois de cinco dias de intensa criatividade, talvez tenha faltado paciência ao Criador na hora de nos modelar no barro. O Criador já tinha dado às aves o poder de voar sem hélices, às minhocas tinha oferecido o banquete inesgotável do recheio da Terra, aos peixes permitido andar sob as águas; para não dizer que desde a véspera já circulavam na paisagem uns nossos primos muito parecidos que haveriam de se virar sem palavras – faladas ou escritas. De forma que, muito provavelmente para não se repetir, foi que o Criador nos fez assim tão confiados.

Mas, dada a largada, a inveja do homem para com o macaco só tem aumentado. Não é fácil tolerar esse ente que se mantém sem documentos ou chapa dos pulmões, sem religião e álbuns de casamento ou formatura. Que macaco, além de não entrar em fila, também não paga impostos e nem pedágio.

Na década de 1960 essa inveja milenar culminou com a série de filmes “O planeta dos macacos”. Enquanto acumulavam um arsenal atômico capaz de destruir a Terra mais de 50 vezes, os americanos inventaram uma história onde os macacos (sem advogados para defendê-los) ficaram com o papel do bandido que acaba com o planeta. Charlton Heston interpretou o último homem na face da Terra. Diante da Estátua da Liberdade destruída, ele esmurrava a areia da praia gritando: “malditos, malditos”. É de se admirar que os macacos tenham sobrevivido àqueles filmes.

Espécies como a dos micos dourados estão ameaçadas de extinção; mas, na verdade, todas vivem em risco permanente. Imagina a situação do macaco distraído que cruza o caminho de um homem armado tão necessitado de treinar pontaria. Ou daquele outro que cruza o caminho de uma senhora que desembolsou R$ 35,00 para assistir a palestra do doutor Lair Ribeiro. Tente se colocar na pele desse primo perdido que passa pela porta do teatro de Ourinhos no exato momento em que 547 pessoas acabam de assistir ao doutor Lair. Quinhentos e quarenta e sete pares de olhos fuzilando aquele atrevido que dispensa autoajuda para ir em frente se equilibrando no seu galho.

Você acha difícil se colocar na pele de um macaco? Fica meio apertado? Esqueça. Vista uma roupa adequada e adentre comigo o teatro de Ourinhos, minutos antes da palestra começar. Na bilheteria já ficaram R$ 35,00. No hall, à direita, uma mesa com livros e fitas K7. Doutor Lair não é músico. As fitas são coletâneas de música barroca vendidas a R$ 25,00, o mesmo preço de lançamento de um CD. Os livros também custam R$ 25,00, cada. Títulos disponíveis: O sucesso não ocorre por acaso, Pro$peridade — fazendo amizade com o dinheiro, Como passar no vestibular – aqui está a solução, Emagreça comendo – livro recomendado para quem já está cansado de fazer dietas, ensinando ao leitor “despertar o magro que existe dentro de você”. Na compra de três produtos (livro ou K7), o freguês recebe das mãos do autor uma nota de 1 dólar americano, à guisa de talismã. Na ponta do lápis, o dólar representa um desconto de R$ 2,27 para uma compra de R$ 75,00. É pouco se levarmos em conta que, do outro lado da rua, na Livraria Nobel, cada livro do doutor Lair Ribeiro sai por R$ 22,70 — com direito a nota fiscal e desconto para pagamento á vista.

Mas, pela cara do público, todos acreditam que acabaram de fazem um bom negócio. Acreditar: não foi para isso que fomos colocados na Terra?



  • Publicada originariamente em 29/04/2001


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