CULTURA

Nos tempos da ‘Loja Riachuelo’

Nos tempos da ‘Loja Riachuelo’

Publicado em: 11 de outubro de 2019 às 15:11
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 08:29

Concorrente direto das Casas Pernambucanas, loja

fica na área central de Santa Cruz e marcou uma época


Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Bloco de carnaval no Icaiçara Clube



Com origem provavelmente na histórica “Batalha do Riachuelo”, na sangrenta guerra com o Paraguai ainda na época do Império brasileiro, o nome da cadeia de lojas já teve uma unidade bem no centro de Santa Cruz do Rio Pardo. A loja “Riachuelo” fez história, uniu pessoas e até hoje é lembrada como um dos grandes magazines da história da cidade. Um de seus últimos gerentes, Nelson Maia de Castro, 86, ainda é comerciante em Santa Cruz, mas lembra da época da “Riachuelo” como um dos períodos de efervescência do comércio de tecidos, especialmente entre moradores da zona rural.

Nelson veio de Pirapozinho para assumir a gerência da “Riachuelo” em Santa Cruz. Ele já era funcionário da rede e, na verdade, voltou para sua cidade natal. Maia nasceu no distrito de Sodrélia e, ainda menino, trabalhou junto com o pai na venda dos “Libardi”, no centro do distrito.

Era a maior mercearia de Sodrélia. Libardi, segundo Nelson, vendia melancia, grãos, alfafa e todos os tipos de insumos agrícolas. “Eu aprendi a ser comerciante logo cedo. Eu me lembro do grande movimento quando o trem chegava com mercadorias. Viajei muito naquele trem e queimei muita roupa com a fuligem da locomotiva a vapor”, contou.

Foi na venda que Nelson presenciou uma cena marcante. “Eu estava dentro do depósito misturando arroz, três por um. Três sacos de arroz bom e um de quirera para reduzir o preço. Foi quando escutei tiros e corri para ver. O Libardi estava no chão, morto. Dizem que o crime foi motivado por ciúmes”, lembrou.

Depois que o pai morreu, Nelson “ganhou o mundo”, trabalhando em várias cidades até entrar na Pernambucanas como “pacoteiro”, em 1950. Era mais do que vendedor, pois também limpava a casa do gerente. “Em 20 anos, nunca tirei férias”, garante.

Quando chegou a vendedor, ninguém batia o índice de Nelson. “Eu punha qualquer vendedor de merda no bolso. Vendia muito”, conta, rindo. Se destacou tanto que chamou a atenção da Riachuelo, que estava se expandindo em todo o Estado. Fez estágio em Presidente Prudente e em alguns anos já era o gerente em Santa Cruz do Rio Pardo.

MEMÓRIA — Na foto, um grupo de funcionários no final da década de 1960



Criatividade

A Riachuelo em Santa Cruz enfrentou forte concorrência. A loja ficava exatamente em frente às Casas Pernambucanas e havia uma “guerra” comercial. Na época, as lojas vendiam pouca roupa feita. “Era quase tudo tecido, que o pessoal do sítio comprava aos montes”, disse Nelson Maia.

Mas ele contou que a criatividade contava muito. Ele comprou um jipe, instalou um microfone e saía pelas ruas anunciando as ofertas. De vez em quando, inventava alguma “engenhoca” para espalhar bexigas pela loja, tudo para cativar os clientes.

Nelson conta que ensinou muita gente no ramo de vendas. Citou, por exemplo, antigos funcionários como Miguel Lopes Dias, Celso “Preto”, “Toninho da Iap”, João Garcia (do “Armarinhos Três Patetas”), Luiz Antônio Depizol e outros. “Todos eram ótimos”, garante Nelson, que admite ter sido rígido. “Quem balançasse no ferro na hora de abaixar o toldo, era demitido”, lembra.

Outra inovação foi oferecer aos clientes a viagem de volta para as propriedades agrícolas. “Eu dizia que eles poderiam guardar as mercadorias na loja e continuar fazendo compras em outras, pois também vinham atrás de mantimentos e outros produtos. À noite, eu levava o pessoal embora, abrindo porteiras pelos sítios agora”, afirmou.

Nelson Maia, o gerente que fez história em Santa Cruz



Mas a Riachuelo foi perdendo espaço porque insistiu em continuar comercializando apenas tecidos. As concorrentes, como a Pernambucanas, já vendiam roupas prontas. O movimento caiu e a rede começou a fechar lojas nas pequenas cidades. O ex-gerente não se lembra exatamente do fim da Riachuelo em Santa Cruz, mas acredita que foi no final dos anos 1970.

Nelson Maia deixou a Riachuelo e montou um comércio próprio, o “Bazar Santa Rita”. Empregou alguns ex-funcionários da Riachuelo até que resolveu parar definitivamente. Mas só com o ramo de tecidos. Hoje, mesmo numa cadeira de rodas, possui um estabelecimento na avenida Pedro Camarinha, onde comercializa principalmente carvão. Como bom comerciante, ainda faz propaganda: “É o melhor da cidade”. 

* Colaborou Toko Degaspari

LEMBRANÇAS — Miguel Lopes guarda fotos e recordações da antiga loja



‘Éramos uma família’,

lembra um ex-vendedor


Aposentado no INSS, Miguel Lopes Dias já passou pela Merenda Escolar de Santa Cruz e alguns escritórios. Mas lembra com saudades da época em que foi vendedor da antiga loja e se tornou o “Miguel da Riachuelo”. Entrou como “pacoteiro”, o primeiro funcionário contratado pelo novo gerente da loja em Santa Cruz, nada menos do que Nelson Maia. “Foi meu primeiro emprego com registro”, conta.

Ele logo chegou a vendedor — e dos bons. Naquela época, provavelmente final dos anos 1950 e início da década de 1960, quando grandes japonesas chegaram na região da Água do Meio, Miguel adotou uma estratégia. “Perto da loja havia um bar de uma japonesa, onde a gente se reunia no final do expediente. Pois ali eu aprendi algumas palavras em japonês, o que era uma vantagem para atender as famílias que procuravam a loja. Eu tinha a preferência delas porque dizia alguma coisa na língua deles”, contou.

E a compra, diga-se de passagem, era grande. “Eu lavava a égua”, conta Miguel, rindo. Era peça fechada e em grande quantidade. A Riachuelo pagava 5% de comissão. Os vendedores, aliás, ficavam observando os clientes na rua e, quando observavam algum deles em direção à loja, tinham um código para anunciar que fariam aquela venda. Era “às ordens para aquela pessoa”. Havia códigos até para avisar que alguém estava roubando peças.

Segundo Miguel, a concorrência era muito forte em Santa Cruz. “Não era apenas a Pernambucanas, pois havia a Casa Yoneda, MM, Loja do Povo e, salvo engano, até a Buri”, lembra. Mas havia outro tipo de concorrente, os mascates, que viajavam pela zona rural vendendo tecidos.

O declínio aconteceu porque a loja não diversificou seus produtos. “A Riachuelo ficou vendo a caravana passar. E passou”, lembra, sobre o fechamento da loja em muitas cidades. Na verdade, a rede insistiu em vender tecidos enquanto as concorrentes tinham roupas prontas.

A loja de Santa Cruz era enorme, mas só vendia tecidos para confecções



Uma ‘família’

Segundo Miguel Lopes Dias, trabalhar na Riachuelo significava um status naquela época. Mais do que isto, o grupo de funcionários formava uma espécie de “grande família”. Ele cita, por exemplo, Luiz Carlos Roder, Orlando Taconi, Norberto Maia, João Menon, Orlando Severino, Vanderlei Soares, Antonio Pegorer, Maria José Giacomini, Lázara Neide, Lurdona, Cida e tantos outros.

“A gente trabalhava de camisa branca e gravata. O tratamento era senhor e senhora, mesmo se fosse um casal de namorados”, conta Miguel.

A Riachuelo, por exemplo, sempre se apresentava nos carnavais de salão com grupos engraçados. Um deles, por exemplo, foi caracterizado como “Batalha do Riachuelo”. Nas ruas, Lopes era um dos “propagandistas”, com uma desenvoltura que, muitos anos depois, levou-o ao grupo teatral TAC. O gerente ia junto no jipe e olhava feio quando Miguel deixava de cumprimentar alguém na rua. “Ele gritava: óia aí o cliente!”, lembra “Miguel da Riachuelo”. 



  • Publicado na edição impresa de 06/10/2019


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