CULTURA

Beto Magnani: 'A pinguela'

Beto Magnani: 'A pinguela'

Publicado em: 26 de outubro de 2019 às 16:10
Atualizado em: 28 de março de 2021 às 06:00

HISTÓRIAS DO MAGÚ

A pinguela

Beto Magnani

Da Equipe de Colaboradores

Para chegar à cachoeira mais bonita precisava atravessar uma pinguela bem estreita de madeira que passava por cima de um pequeno riacho. Nada perigoso, mas um senhor empacou no meio. Não ia nem para frente, nem para traz. Parou o fluxo congestionando a passagem das dezenas de pessoas que queriam visitar a famosa queda d’agua naquela manhã de sol.

— Calma gente! Não pressiona que não adianta! — gritou uma menina que parecia ser parente daquele senhor.

—Mas porque ele não aceita a nossa ajuda?! Eu preciso chegar logo em casa. Minha filha está vindo de São Paulo para apresentar o amigo de trabalho que é sobrevivente do acidente de Chernobil. — falou uma senhora que já estava voltando da cachoeira.

— Ele tem alguma sequela?! — perguntou um senhor do outro lado da pinguela, que estava indo para a cachoeira.

— É isso que eu quero ver. Tô curiosa. — respondeu a senhora.

— Eu conheci um sobrevivente de Chernobil lá na espanha. Um juiz de direito aposentado. Tinha um pequeno retardo mental e um pouco de dificuldade motora. – contou um senhor ao lado da senhora, também voltando da cachoeira.

— Juiz retardado a gente tem de monte! Não precisa de radiação nuclear para isso! — falou o senhor que estava empacado.

— Retardado é o senhor que não consegue mais sair daí! – gritou um jovem lá do fundo da fila que voltava da cachoeira, provavelmente juiz de direito.

— Tenho dó dessa gente do povo que idolatra juizinho bandido de primeira instância sem saber que está sendo enganado!! Um bando de idiota! — retrucou o senhor empacado.

— O senhor pode fazer o favor de primeiro sair daí e deixar a gente passar? Depois o senhor pode ter dó de quem você quiser. — reclamou a senhora da filha que tem um amigo sobrevivente de Chernobil.

- Ninguém merece ser povo. – comentou baixinho uma menina ao meu lado, que também tentava chegar à cachoeira.

Eu não estava exatamente a fim de conversar, mas não resisti:

— Você não pertence ao povo? — provoquei.

— Não. Não sou manobrada por essa gente. Tudo lobo em pele de cordeiro.

— A qual grupo você pertence? — continuei.

— Ao grupo que quer chegar nessa bendita cachoeira e não consegue por causa daquele senhor. O mesmo grupo que você pertence. — ironizou a menina.

Ela falou e voltou a colocar o fone do celular no ouvido para continuar escutando música enquanto esperava a solução daquele impasse. Eu desisti da cachoeira e voltei para trás sem me despedir da menina. As pessoas continuaram ali brigando com o senhor empacado. A gritaria foi ficando distante. Fiquei confuso com o que tinha acabado de presenciar. Que sentido fazia aquilo? Quem estaria em pior situação? O povo que estava indo ou o povo que estava voltando? Ou o sujeito empacado? Sem comentários. Voltei.? (Magú)



  • Publicado na edição impressa de 20/10/2019


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