CULTURA

Beto Magnani: ‘O fio de cabelo'

Beto Magnani: ‘O fio de cabelo'

Publicado em: 25 de janeiro de 2020 às 23:23
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 02:44

O fio de cabelo

Beto Magnani

Da Equipe de Colaboradores

Metrô de São Paulo. Entre Consolação e Paraiso. Ouvi, não resisti.

— O panaca imbecil leu uma citação nazista como se fossem palavras suas, acreditando de verdade no que estava dizendo.

— Eu vi o vídeo.

— Depois disse que não sabia que eram palavras nazistas. Disse que foi um amigo que escreveu para ele ler em público, sem avisar que era uma citação.

— Sim. Deve ser o mesmo que colocou a música de fundo. Sacaneou legal.

— Pois é. De duas, uma: ou o amigo foi genial na intensão de sacanear o imbecil, ou ele tá entre os piores indivíduos de nossa espécie. Assim como o imbecil que pegou as palavras pra ele, claro. E antes fosse só palavras.

O trem parou na Trianon-Masp. Eles ficaram em Silêncio. Voltou a andar.

— É lamentável.

— Hoje ninguém aceita. Hoje quem mata uma criança é morto por suicídio na primeira madrugada que passa na cadeia.

— É memo. Assim que é.

— Imagina aqueles caras!? Matavam todas as gerações de famílias inteiras. Crianças inclusive, para extinguir aqueles que não tinham os mesmos méritos para poder continuar no mundo. Gente doida!

— Sabe aquela música do “pedacinho dela que existe, um fio de cabelo no meu paletó”?

— É “fio de cabelo em nosso suor”.

— Essa é outra parte. Essa mesmo. A tia que me mostrou essa musica. Faz tempo. Hoje eu me lembrei da música na hora que o caixão tava descendo. Só não me veio o começo. Você lembra?

— É “há uma nuvem de lágrimas sobre os meus olhos”.

— Não. Essa é outra.

Silêncio novamente até a Brigadeiro. O trem parou.

— Quando o caixão desceu só pensei nos duzentos e cinquenta reais que eu fiquei devendo pra ela. Ela me emprestou na semana passada. Quem poderia imaginar? Vou pagar o primo.

— Que isso. Deixa quieto. Ele nem vai aceitar.

— Tem que aceitar ué. Eu não vou dormir tranquilo se não falar com ele.

— Você aceitaria se fosse ao contrario.

— Acho que não. Quer dizer, não.

O trem voltou a andar.

— Hoje quem defende os caras é doido igual. Mal e perverso como eles. Ou é de uma extrema inocência. Criminoso pela ignorância. Acho que foi sacanagem do amigo. Argiloso.

— Mas e se eu tivesse precisando muito, como estava quando a tia me emprestou?

— Aí você até cobraria o primo. Ele ia entender. Você não entenderia?

— É. Entenderia. Acho.

— Então. Relaxa.

— Mas ele não sabe.

— “Quando a gente ama qualquer coisa serve para relembrar.”

— Isso mesmo! Boa!

O trem parou no Paraíso. Desci. 

(Magú)



  • Publicado na edição impressa de 19/01/2020


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