CULTURA

Jorge, um santa-cruzense

Jorge, um santa-cruzense

Publicado em: 26 de janeiro de 2020 às 14:09
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 13:38

Mecânico de uma era de carros importados,

Cassiolato é intelectual, estudioso da

política e um indignado com a política


Jorge Cassiolato e um amigo na frente de um Chevrolet importado dos Estados Unidos, pois o Brasil só começou a fabricar automóveis no final dos anos 1950



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Jorge Cassiolato acaba de completar 83 anos e está debilitado por um tratamento contra um câncer. No entanto, mantém a indignação contra a opressão aos pobres, a situação do Brasil sob o regime Bolsonaro e os políticos. Engana-se quem pensa que Jorge é algum sociólogo. Na verdade, trata-se de um dos mais antigos mecânicos de Santa Cruz do Rio Pardo, que se aposentou cedo para tratar de problemas de saúde — ele tem a pele muito clara. Mas também é um intelectual: leu muito e sempre se manteve sempre bem informado.

Jorge não gosta de rotular sua ideologia, mas uma pista está no nome que deu ao cachorro de estimação, com quem ralhou ao ouvir seus latidos durante a entrevista. “Fica quieto, Fidel”.

Cassiolato nasceu num bairro rural de Santa Cruz. Ele virou mecânico quando fez um curso específico e, ao longo dos anos, se aperfeiçoou. Teve a sorte de trabalhar nas melhores oficinas de Santa Cruz do Rio Pardo a partir dos anos 1940.

Eram outros tempos, em que não existia veículos nacionais. Jorge se especializou em motores Land Rover, Volkswagen, Volvo e, inclusive, dos tratores Fendt. “Havia agências destas marcas em Santa Cruz. Quem vendia o Land Rover, por exemplo, era a família do Raul Pereira. Foi um veículo espetacular, mas muitos postos de gasolina estragavam os motores ao usar o óleo errado. O Land Rover era o único carro que usava o óleo 50”, contou.

ANOS 1950 — Jorge Cassiolato está em cima de um antigo jipe importado, ao lado de amigos de uma oficina



Mas nem todos tinham qualidade, segundo Jorge Cassiolato. “O fato é que a Segunda Guerra Mundial havia terminado e a Europa procurou se modernizar. Assim, não sabiam para quem vender aquelas sucatas. Adivinhe? Vieram para o Brasil. O mesmo aconteceu nos Estados Unidos durante o governo Juscelino, antes da fabricação dos primeiros carros nacionais”, disse.

Uma dessas sucatas, aliás, Jorge disse que chegou a Santa Cruz do Rio Pardo. Era um caminhão inglês usado pela prefeitura para a coleta de lixo, cuja direção fica do lado contrário. “Venderam depois para um ferro velho de Avaré”, disse.

Jorge Cassiolato entre amigos na oficina



Já os caminhões surgiram antes, no final da década de 1940, com os lendários FNMs. Aliás, a criação da Fábrica Nacional de Motores ocorreu no governo de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. Vargas pregava um esforço nacional para acelerar a industrialização do País e queria iniciar pela indústria bélica. A ideia era produzir motores de avião. Só que, quando a fábrica ficou pronta, a guerra acabou.

Em 1949, já com Vargas fora do poder, a FNM começou a produzir caminhões a diesel. Nas estradas, os concorrentes eram modelos a gasolina importados dos Estados Unidos. “O FNM vendia muito. Era considerado o ‘João Bobo’ das estradas, pois carregava tudo o que colocassem na carroceria”, lembra Jorge Cassiolato.

Ele contou que, como os bons mecânicos da época, trabalhava com todos os motores, de carros a caminhões. “Naquela época, o mecânico precisava saber de tudo”, disse.

Nos anos 1940, segundo Jorge, havia várias agências de automóveis em Santa Cruz do Rio Pardo, todas oferecendo modelos importados. “Eu me lembro que a Morris era do Silvério Ricardo Marques, conhecido como Guaçu. A Ford era do Romeu, a Hell do Barella e a Chevrolet, de propriedade da Narcina. Todas funcionavam numa mesma época, pois havia mercado”, disse.

A oficina tinha sempre um churrasco de confraternização entre mecânicos, amigos e convidados



Política

Jorge Cassiolato diz que só começou a se interessar por política — e tentar entendê-la — a partir de 1947, quando Lúcio Casanova Neto foi eleito prefeito de Santa Cruz do Rio Pardo. Na época, o grande “cacique” da política da cidade era o deputado Leônidas Camarinha, o “Lulu”.

O jovem Cassiolato percebeu que o jeito de se fazer política na cidade não era, digamos, politicamente correta. “Eu me lembro que ia na zona rural na companhia do frei Antônio, que pedia votos e eu não achava certo. Ele começou a correr de mim, assim como o Carlos Queiroz corria da minha mãe, que era muito politizada”, conta.

“Eu cheguei a discutir muito com o frei Antônio, pois os dominicanos defendiam o grupo político do Carlos Queiroz nos anos 1960. E, muitas vezes, isto era feito diretamente nas igrejas, na hora da missa. Era um absurdo”, disse.

Segundo ele, o irmão Júlio, que foi professor de Educação Física, quis ser vereador em São Pedro do Turvo e a mãe o chamou. “Ela deu umas aulas de política até que ele desistiu”, disse, rindo. Júlio morreu novo.

Um dos carros que adorava, o simples Volkswagen Fusca



Sem papas na língua, Jorge garante que a maioria dos candidatos naqueles tempos “era muito ruim”. Ele arrisca a dizer que um dos melhores prefeitos que conheceu é justamente o atual, Otacílio Parras. “Mas ele também vem de uma família de políticos. O avô dele, Lindolpho Ferdinando Assis, foi vereador e se candidatou à prefeitura junto com Filadelpho França Aranha. Perderam, se não me engano, para o Cyro de Mello Camarinha em 1951”, lembra.

Entretanto, Jorge garante que, para a Câmara, os vereadores eram melhores, talvez porque não existia o salário mensal. “Eles se candidatavam pela dignidade e para ajudar a cidade. Quem criou esta porcaria de vereador assalariado foi o regime militar. Aí estragou tudo”.

O mecânico também acompanhou uma transformação econômica no município, com o fim do ciclo do café, que, segundo ele, fez grandes fortunas e gerou muito emprego no campo. Para Jorge, o culpado foi o ex-presidente Juscelino Kubitschek, a quem nunca perdoou pelos gastos excessivos. “Aquele imbecil pegou todo o dinheiro da Previdência, que na época era classista, para construir Brasília. Quando os recursos acabaram, meteu a mão no café, o que desestimulou a produção e afastou o homem do campo”, avaliou.

o mecânico com amigos durante uma volta num jipe fabricado na época da Segunda Guerra Mundial



‘Tempos sombrios’

Com a experiência sobre política que adquiriu ao longo da vida, Jorge não poupa o governo Bolsonaro. “Temos um soldadinho de chumbo no poder, um burrão, com uma família inteira que só faz besteira. Ninguém sabe o que isto vai dar, pois o homem não tem nenhuma qualidade”, disse.

No entanto, ele avalia que a liberdade e uma possível candidatura do ex-presidente Lula não contribui para melhorar o momento político. “Parece que estamos novamente em 1952, quando Getúlio voltou ao poder e o clima no Brasil ficou muito tenso. Aquela situação resultou no golpe de 1964”, disse. “Mas acho que não haverá mais golpe militar, mas o perigo é um golpe congressual, como aconteceu na Venezuela com o Hugo Chaves”, disse.

Cassiolato não poupa nem Lula. “Difícil dizer que ele não está envolvido em alguma coisa. Acho que tem algumas coisinhas”, afirmou.

Jorge só deixa de falar de política quando a mecânica volta ao tema. Viúvo de Cleonice dos Santos Cassiolato e pai de quatro filhos (Vinícius, Lisandra, Magnus e Thiago), ele ainda mantém em sua casa as bancadas de madeira com todas as ferramentas que costumava usar. Tudo está organizado em pelo menos dois cômodos, trazendo lembranças de uma época que Cassiolato sabe que não vai voltar. 

* Colaborou Toko Degaspari



  • Publicado na edição impressa de 19/01/2020


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

Previsão do tempo para: Quarta

Céu nublado
22ºC máx
11ºC min

Durante todo o dia Céu limpo

COMPRA

R$ 5,43

VENDA

R$ 5,43

MÁXIMO

R$ 5,43

MÍNIMO

R$ 5,42

COMPRA

R$ 5,47

VENDA

R$ 5,63

MÁXIMO

R$ 5,47

MÍNIMO

R$ 5,46

COMPRA

R$ 6,40

VENDA

R$ 6,41

MÁXIMO

R$ 6,40

MÍNIMO

R$ 6,39
voltar ao topo

Voltar ao topo