CULTURA

Geraldo Machado: ‘Sempre é bom lembrar'

Geraldo Machado: ‘Sempre é bom lembrar'

Publicado em: 17 de fevereiro de 2020 às 17:11
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 11:09

Sempre é bom lembrar

* Geraldo Machado

“Porque — como bem

disse Sêneca — saber

só o que os antigos

souberam não é saber,

é lembrar-se”

Vamos lembrar do que sabemos e temos guar dado para contar, levando a atenção para as mudanças tempo-espaciais da vida. ‘’Seria bom envelhecer se não parassemos de melhorar’’, disse o genial Montaigne.

Estou envelhecendo e, ao mesmo tempo, nutrindo de otimismo a esperança, para deixar melhor o que achei, já redimindo dos meus pecados congênitos. Serei, então, grato com a vida, grato com Deus. E fica tudo bem, se lembrarmos da velha sabedoria: “O que não pode o que quer, que queira o que pode”.

No escaninho das minhas recordações gratificantes, tenho, num ponto muito elevado, a lembrança da família piracicabana dos Morais. Vou falar deles (mais pela verdade do que pela gratidão), mesmo me servindo deles (mais pela verdade do que pela gratidão), mesmo me servindo deste comprimindo resumo a que, com pesar, me submeto.

Vieram para Chavantes no início do século. Compram a fazenda que hoje se chama “São José do Lago”, pertencente a uma usina de açúcar. Todavia, só se refere a ela como “Moraizinho’’. Moraizinho lembra o professor José Elias de Morais Filho, que nas décadas de vinte e trinta (se não me falha a memória), lecionou no Grupo do Irapé e, mais tarde, como Diretor do Grupo de Chavantes. Terminou a árdua carreira como Delegado de Ensino em Santa Cruz do Rio Pardo.

Chavantes não foi justa para com o Professor Morais. Pensei, até sugeri, o seu honroso nome para o Centro Cultural da cidade. Como o meu horizonte tem raio curto e não tenho confissão política, minha voz soou fraca. Parei de melhorar. Não parei de envelhecer. Desmenti Montaigne, desmenti Chavantes na sua gratidão fementida.

Não cabe no espaço que me reserva o jornal, campo para biografias da importância reconhecida dos Morais. Ponho à frente da família o velho teimoso, de muito caráter, José Elias de Morais. Dele é que vou contar o que me lembro de memória. Quero citar o nome respeitável da Dona Ada, mãe do Morais, que me recebia tão bem na sua casa em Piracicaba. O Bento, o Quinzinho (que faleceu tão moço), o Plínio e as suas irmãs. Especialmente, dedico esta memória à Dona Alcina, viúva do Professor Morais. Com suas irmãs em Chavantes dizer que tem história. Morreria com os trilhos abandonados da sorocabana.

Quando faleceu a sogra do Quinzinho, ele telefonou para o pai José Elias, pedindo para esperar o corpo dessa senhora que seria sepultada em Piracicaba. De terno preto, gravata, sapato e chapéu de luto, o velho foi ao velório da cidade. Nada. Foi para entrada do cemitério. Lá postado, sozinho, tinia de raiva com o desacerto do recado.

Uma filha que passava por ali, vindo de uma escola rural onde lecionava, vendo o pai naquele lugar fúnebre, estranhou e perguntou ao pai: “Papai, o que o senhor está fazendo ai? Quem morreu?”

O velho José Elias, no ponto em que todo humor desfalece, respondeu: “Fui eu, não está vendo? Fui eu que morri!!!”

José Elias passava por uma rua de Piracicaba. Encontrou com um velho amigo de infância e de labores rurais. Cumprimentaram-se com abraço. Depois de contar das dores e dos dissabores da idade, de propiciar ao amigo uma carrada de lamurias e queixas fundamentadas, disse: “Olhe Zé Elias, estou tão cansado e aborrecido com a vida que penso até em dar um tiro no ouvido e acabar com isso!“ — José Elias não pensou duas vezes para responder positivo: “Pregue fogo! Você já viveu muito. Pra que ficar sofrendo?”

Sempre vale lembrar Nietzsche: “Quando uma coisa quer cair, o melhor a fazer é empurrá-la”.

Os Morais tinham na fazenda um emprego simplório chamado Lazinho. Desligado das reflexões rigorosas, trabalhava e era empregado. Alegre com o que fazia, fazia com alegria — “este bonito papel de embrulho das coisas da vida”. Lazinho vivia embrulhado para presente. O pai dele, muito velho, muito doente, morava longe: em Cândido Mota. Volta e meia, o Lazinho era chamado às pressas que o pai estava nas ultimas. Varias vezes fez isso, deixando o serviço atrasado e a planta por colher. Como os recados vinham por telefone para o escritório da fazenda, o José Elias ficou sabendo que o velho de Cândido Mota estava mal.

— Lazinho, seu pai está muito mal. Você não foi vê-lo?

— Não fui, ‘seu’ Morais. Sempre a mesma coisa. Vou perder a viagem…

Já que comecei com Sêneca, vou terminar ouvindo-o: “Atormenta-se com os males dos outros é tornar-se perpetuamente infeliz e alegrar-se com eles é adotar um prazer desumano”. Eu, que não sei, — lembro. 

* In memoriam

* Publicado originariamente em 2018
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