CULTURA

Um drama que se repete

Um drama que se repete

Publicado em: 05 de abril de 2020 às 15:13
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 03:25

Santa Cruz já viveu outras épocas de

comércio e escolas fechadas, como a

pandemia da “gripe espanhola” em 1918

PARIS — Foto de 1918 mostra mulheres da alta sociedade caminhando com máscaras



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Andar com máscaras, fazer quarentena forçada e ver escolas ou comércio fechados não é uma novidade para o brasileiro. Ao menos, não para as gerações passadas, quando Santa Cruz do Rio Pardo enfrentou outras epidemias, como varíola, gripe espanhola, cólera, febre tifóide e até meningite. Uma das mais graves foi a gripe espanhola, que infectou um quarto da população mundial (cerca de 500 milhões na época) e matou, segundo avaliações, 5% das pessoas no planeta.

Mas a primeira grande epidemia em Santa Cruz foi a varíola — doença altamente contagiante cujos sintomas são semelhantes a uma gripe. A doença atingiu o município por volta de 1891, mas só foi noticiada em 1902, pelo “Correio do Sertão”, que lembrou a epidemia ocorrida dez anos antes. O historiador Celso Prado possui documentos e jornais da época que narram o aparecimento de um doente que estava hospedado num hotel de Santa Cruz. Imediatamente ele foi isolado numa chácara, segundo o jornal, “para não sacrificar a população desta cidade”.

PÂNICO — Capa da ‘Gazeta de Notícias’ do Rio de Janeiro, de outubro de 1918, mostra o caos com a gripe espanhola; imprensa de Santa Cruz publicava nome dos mortos



Jornal "O Contemporâneo", de Santa Cruz do Rio Pardo, de 1918, narra a mobilização da Câmara contra a pandemia



No entanto, a varíola se espalhou pela enorme zona rural de Santa Cruz. Houve surtos no bairro da Mombuca, em 1895, com diversas mortes numa mesma família, e no distrito de Óleo, com cinco ou seis pacientes. Em 1898 a doença voltou a ameaçar a população e o governo de São Paulo enviou os primeiros enfermeiros ao município.

Segundo Celso Prado, não havia um programa de controle preventivo por meio de diagnóstico ou tratamento precoce. A única preocupação possível era conter o número de mortos quando o mal já estava instalado. Mas o jornal “Correio do Sertão” de 1902 também informou que, no ano anterior, uma outra onda de malária atacou o bairro Córrego Fundo, à direita do Pardo, e matou mais de 40 pessoas.

"O Contemporâneo" publicava todas as semanas a relação de mortos



Celso Prado conta que, de acordo com autoridades sanitárias da época, as epidemias poderiam ter sido causadas por imigrantes que, segundo publicações da época, seriam mais “sensíveis” às doenças. Tanto que o governo italiano chegou a impedir novas saídas migratórias em determinados períodos.

Médico João Fortes, em foto de 1901



Para tentar debelar a epidemia de varíola, chegou a Santa Cruz em 1891 o sanitarista João Cândido de Souza Fortes, que foi a primeira autoridade registrada na Diretoria do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. Fortes residiu por alguns anos na cidade, onde nasceu a filha Amélia, batizada em 1893.

O médico costumava receitar um remédio que só existia em grandes centros. Segundo Celso Prado, foram várias as cavalgadas de cavaleiros — alternando com outro em São Domingos do Tupá — até Botucatu, onde já existia o trem. Na volta, usava-se a mesma estratégia de cavalgada rápida e o remédio prescrito num dia chegava no outro em Santa Cruz.

A falta de informações oficiais se deve à atitude do padre Bartholomeu Comenale, que resolveu “apagar” dos registros eclesiais e cartoriais da época as transcrições das vítimas da varíola. “Ele achava que não se devia registrar coisas ruins. Na época, acreditava-se muito que as moléstias eram castigos enviados por Deus”, disse Prado.

A epidemia de varíola foi finalmente debelada em 1912, quando os médicos Leite Oiticica e Ernesto Torres Cotrim idealizaram a construção de um hospital na cidade. A Santa Casa foi oficialmente inaugurada em 1919, quando outro célebre médico, Pedro Cesar Sampaio, também liderava o movimento.



Gripe espanhola

Em 1918, a grande pandemia da gripe espanhola — que, na verdade, teve origem nos Estados Unidos — aterrorizou o mundo. Afinal, pegou os países fragilizados pela Primeira Guerra Mundial e se espalhou rapidamente, matando aproximadamente 40 milhões de pessoas (mais do que nos campos de batalha), sendo 35 mil no Brasil, inclusive o presidente eleito Rodrigues Alves.

Na verdade, a gripe espanhola — ou “influenza” — era menos letal do que o atual coronavírus, mas não havia tecnologia e nem a imprensa alcançava com rapidez as cidades do interior. O resultado foi desastroso. O vírus teria chegado ao Brasil em setembro, quando uma esquadra de marinheiros voltou de uma missão da África, certamente contaminados. Pelo menos uma centena deles morreu.

A gripe espanhola se espalhou tão rapidamente que já havia pacientes em Santa Cruz do Rio Pardo em outubro de 1918. No mês seguinte, a imprensa do município já noticiava as primeiras mortes, com o jornal “O Contemporâneo” publicando a relação das vítimas.




Em dezembro de 1918, Câmara de Santa Cruz autoriza o prefeito a proceder aos pagamentos necessários para o tratamento dos atacados pela gripe espanhola e defesa da invasão da epidemia”, inclusive “fazendo as operações de crédito necessárias”






O comércio foi fechado e as aulas no antigo Grupo Escolar foram suspensas. Um grupo da Cruz Vermelha Brasileira instalou um verdadeiro hospital no prédio do “Grupão”. Logo, o prefeito Antônio Evangelista da Silva — o “Tonico Lista” — determinou que uma ala da Santa Casa de Misericórdia, mesmo sem acabamento, fosse utilizada pela Cruz Vermelha para o combate à pandemia. A entidade permaneceu em ação na cidade até abril de 1919.

Como hoje, a população evitava o contato individual e os “gripados” foram isolados. Havia um grande temor e mortes enlutaram famílias tradicionais, como Camarinha, Magnani, Mamede, Lorenzetti e outras.

A sociedade se mobilizou para combater a pandemia, através do Tiro de Guerra — que sofreu a morte de um atirador —, Igreja Católica, através do padre Gasparini Dantas e das irmandades, professores da rede pública, farmacêuticos e até escoteiros.

Os médicos, mesmo sem informações da gripe e dos medicamentos adequados, fizeram de tudo para atender os doentes. Eram Pedro Cesar Sampaio, José Carqueijo e Emygdio de Novaes, que recomendaram à população para evitar aglomerações e permanecer em casa para evitar contágios.

Qualquer tipo de concentração pública foi proibido e até visitas ao cemitério foram suspensas. Irmandades católicas visitaram as casas em busca de casos suspeitos, enquanto escoteiros faziam campanhas para angariar fundos para compra de medicamentos. Atiradores do TG ficavam na estação ferroviária para “desinfetar” quem desembarcava do trem.

Aparentemente, o surto da gripe espanhola foi contido em abril de 1919, quando a Cruz Vermelha encerrou suas atividades em Santa Cruz. Segundo Celso Prado, a entidade repassou à Santa Casa de Misericórdia seu saldo total, de 653$800, oriundos de donativos arrecadados no município.

Entretanto, a cidade ainda enfrentaria novas epidemias, como a febre tifóide, outro mal que se alastrou nos anos 1950. Segundo Celso Prado, a doença apareceu porque havia muitos comerciantes que vendiam água de minas espalhadas pela cidade. Uma delas, por exemplo, ficava ao lado do cemitério de Santa Cruz e possivelmente foi infectada por necrochorume.

Ao longo das décadas, equipes de saúde combateram, ainda, surtos de cólera e meningite. Este último, nos anos 1970, teve a divulgação censurada pela ditadura militar, o que acentuou o contágio. No início, a letalidade atingia 14% dos casos.



  • Publicado na edição impressa de 29/03/2020


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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