CULTURA

João Ferreira: "A relação secreta"

João Ferreira:

Publicado em: 15 de maio de 2020 às 19:18
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 06:33

A relação secreta

João Ferreira *

POLÍTICA     Não adianta. Eu tento fugir desse assunto, mas o assunto chama por mim. Nesta semana, o Prefeito desta cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, Otacílio Parras Assis, em um de seus pronunciamentos diários, disse com essas palavras sobre a pandemia de coronavírus: “[...] o que eu tô pensando de fazer é uma coisa simples. Psicológica, só. Buscar os fiscais da vigilância, os fiscais da prefeitura, na rua, com um relatório. Pessoa sem máscara para, por favor, nenhuma penalidade. Qual o seu nome, endereço e o seu telefone...Mas prá que isso? Simplesmente prá anotar quando o senhor chegar no hospital sabermos que o senhor estava passeando na rua, só prá isso. As pessoas que estão nas praças, também. Colocar um fiscal lá da Vigilância Sanitária, por favor, seu nome, seu endereço, seu telefone. Prá que? Prá sabermos quando o senhor chegar no hospital , puxarmos no computador...(incompreensível)...no seu histórico epidemiológico nós vamos saber que o senhor passeava na praça, o senhor andava sem máscara e uma das causas de ter ficado doente. Porque quando essas pessoas chegarem no pronto socorro da Santa Casa vão mentir, com certeza, nunca vão falar que faziam caminhada na praça. Nunca vão falar que iam na academia pública. Eles mentem, nessa parte. Então, do ponto de vista psicológico, como nós não podemos fazer nada, nós vamos fazer uma relação secreta, sem publicar, claro, prá que nós tenhamos, dessas pessoas que desobedecem, só isso, nada mais”.

Ainda nessa semana, Otacílio reafirmou a ideia da “relação secreta” de pessoas advertidas e anunciou que iria consultar o “jurídico” da prefeitura para saber se essa lista poderia ser publicada para todos ficarem sabendo.

Toda crise é uma oportunidade para que os instintos mais naturais sejam despertados. Parece que esse é o caso de Otacílio.

Bem no meio desse furacão devastador, surge a ideia de uma “relação secreta” para catalogar as pessoas que perambulam pelas ruas e praças sem um destino devidamente justificado.

Por mais bem intencionadas sejam as intenções do governante municipal, não dá para admitir a elaboração de uma “relação secreta” de pessoas para “histórico epidemiológico” no momento de ingresso na Santa Casa.

A Constituição Federal garante a todos uma porção de privacidade e intimidade que ninguém pode penetrar. O destino, o percurso e a geolocalização das pessoas pertencem a ela e a mais ninguém, assim como o nome, a imagem e a honra.

Trata-se de um absurdo aplaudido por boa parte da população, que vê desmoronar o rol das suas liberdades individuais e coletivas, tudo em nome de um “interesse público” e de um “bem estar coletivo”.

Ora, toda liberdade individual foi construída sobre (e com) muito suor e sangue. Contudo, os governantes temporários, com base em decretos recheados de solipsismos, estão abusando do poder de regulamentação, obrigando o cidadão a fazer coisas que a lei não obriga.

Fiz questão de abordar esse assunto por meio desta coluna para que fique registrada minha indignação e o próprio fato na história dessa cidade: houve um tempo que o Poder Público municipal pretendeu fazer uma “relação secreta” de cidadãos livres.

Otacílio x Lucas Pocay

Em uma semana recheada de surpresas, ficamos sabendo que uma paciente com o novo coronavírus foi transferida de Ourinhos para a Santa Casa de Santa Cruz do Rio Pardo. Temos uma obrigação moral e religiosa de fazer esse acolhimento. Todavia, ao que parece, Ourinhos não tomou as providências adequadas para enfrentar essa pandemia. O tom irônico e desproporcional do prefeito de Ourinhos também soou inadequado e desnecessário.

* João Ferreira é advogado em S. Cruz



  • Publicado na edição impressa de 10/05/2020


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