CULTURA

Franco Catalano: 'Heranças e cicatrizes culturais'

Franco Catalano: 'Heranças e cicatrizes culturais'

Publicado em: 15 de junho de 2020 às 12:30
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 21:03

CULTURA   A herança da colonização portuguesa na arquitetura brasileira é presente e forte. E as cicatrizes do modelo escravocrata também. Nesta semana utilizei um termo que, felizmente, está caindo em desuso: “criado-mudo”. E por que utilizar esta palavra aparentemente inocente é uma gafe? Porque ela carrega em si uma memória racista, cujas origens remontam ao século 19. Neste momento convido o leitor a reler o termo e tirar suas próprias conclusões. Conseguiu perceber? “Criado” refere-se ao escravizado, que servia aos seus senhores. “Mudo”, pois esta era a maneira que os escravizadores exigiam que os negros ficassem. Eles ficavam à disposição do patrão, a noite toda, de prontidão para servi-los de água, manter as velas acesas e até mesmo segurar os urinóis enquanto eles se aliviavam.

A história dos negros traficados da África ajudou a escrever a história e cultura do Brasil. Enriqueceu-a com novas crenças, costumes e sabedoria popular. Mas essa influência não se explicitou na arquitetura. São nítidas as heranças da arquitetura portuguesa, também de outros tantos estilos europeus que foram importados pelos nobres e absorvidos pelos nascidos na colônia, pois eram “chiques”. O tema da arquitetura africana é muito pouco explorado na academia. Em partes pela falta de interesse — os estudos da história da arte no Brasil se centram sobretudo numa visão ainda eurocêntrica, americana ou, quando muito, japonesa — em partes por falta de documentação.

Diferentemente do “velho continente”, na África estuprada pelos colonizadores a tradição construtiva era oral, o que chamamos de arquitetura vernacular, aquela que é espontânea, instintiva, passada de pais para filhos. Os escravizados que foram arrancados de seus lares natais não puderam edificar no país que lhes coube, e os que detinham o conhecimento não puderam transmiti-lo, pois a transmissão era prática.

Alguns estudiosos da cultura africana tentam comprovar que elementos como as treliças de janela (muxarabis), a taipa de pilão (método de construção baseado no apiloamento de barro em formas de madeira) e arcos em forma de ferradura são originais dos imigrantes — se é que podemos chamá-los assim — africanos. Mas até hoje não conseguiram, já que estes elementos também são encontrados na cultura moura.

Muitas das mais belas construções do país têm sangue, suor e lágrimas dos escravizados. Inclusive igrejas. E esse passado, tão triste, tão recente, ainda ecoa sobre os negros descendentes deles. Quer saber como falar corretamente termos de origem racista? “Criado-mudo” é mesa de cabeceira e “fazer nas coxas” é fazer mal feito. Ah, acha que o mundo está ficando chato? Imagine para quem sofre as consequências de um passado que não escolheu.

* Franco Catalano é santa-cruzense, cursou História da Arte em Madrid e é arquiteto



  • Publicado na edição impressa de 7 de junho de 2020


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

Previsão do tempo para: Terça

Céu nublado
21ºC máx
13ºC min

Durante a primeira metade do dia Céu nublado com tendência na segunda metade do dia para Períodos nublados

COMPRA

R$ 5,46

VENDA

R$ 5,46

MÁXIMO

R$ 5,46

MÍNIMO

R$ 5,45

COMPRA

R$ 5,50

VENDA

R$ 5,67

MÁXIMO

R$ 5,50

MÍNIMO

R$ 5,49

COMPRA

R$ 6,43

VENDA

R$ 6,45

MÁXIMO

R$ 6,44

MÍNIMO

R$ 6,43
voltar ao topo

Voltar ao topo