CULTURA

Zanata: 'Personalização administrativa'

Zanata: 'Personalização administrativa'

Publicado em: 15 de junho de 2020 às 18:44
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 08:28

Personalização

administrativa


João Zanata Neto

Da Equipe de Colaboradores

Parabéns a todos os brasileiros que provaram ter nervos de aço. Estamos enfrentando muitos problemas, mas ainda conseguimos ir em frente. Pandemia, corrupção e crises políticas são as pedras deste caminho. A pandemia, sendo natural, não é previsível e requer medidas preventivas para uma possível ocorrência. Quando eu digo medidas preventivas, não quero dizer apenas precauções na área da saúde. Também, é preciso fazer provisões econômicas para suportar alguns meses sem atividades econômicas. Ficou claro que muitos brasileiros não possuem reservas financeiras para os piores dias. Não ter uma pequena poupança não é só vergonhoso, mas é também patológico. Existe uma grande fatia da população que pode ser denominada de classe precária. Estão quase sempre no vermelho financeiro. Não se pode dizer que elas são vítimas perfeitas da sociedade. Existe uma série de fatores que as conduzem à insolvência que normalmente as afetam, mas as suas escolhas inadequadas lhes dão uma parcela de culpa neste desarranjo financeiro. Os fundos compulsórios como o PIS e o FGTS são ferramentas adequadas para os piores momentos. Mas, infelizmente, foram liberadas pouco tempo antes da pandemia por leis estimuladoras do consumo e ou destinadas a melhorar a inadimplência no setor comercial.

Quando o ministro Guedes anunciou a liberação daquela soma milionária para combater a pandemia, na hora, já imaginei a ocorrência de corrupção e superfaturamento. Não precisava ser vidente para imaginar tais coisas. Há aqui na terra adorada uma estirpe de políticos que não se compadecem com a vida dos seus semelhantes. Não se pode nem os comparar a animais, pois estes não possuem propósitos tão baixos. Isto prova que os casos de dispensa de licitação devem sofrer alterações substanciais em seus requisitos, pois são recorrentes os contratos com valores superiores ao de mercado e a utilização de empresas de fachada.

Outro tempero amargo deste prato indigesto é a crise política. Todo mundo já percebeu que este momento de pandemia não é adequado para se ter uma crise política. Talvez, a crise política não seja adequada em momento algum. Contudo, ela tem, às vezes, a finalidade de promover mudanças necessárias à boa condução do país. A crise política não é uma intriga de vaidades ou a confrontação de ideologias discordantes. O verdadeiro problema não pode ser dissimulado por meras conjecturas de panos quentes. Como todo mundo pode ver, há alguns dias atrás, existe dois governos: um aparente e um outro real. A base de uma crise política é uma ilicitude que se deseja ocultar para a manutenção do poder. Em nome desta ilicitude, normalmente, se perpetra outras ilegalidades a fim de ocultação. Às vezes, tal ocultação exige o uso da influência do poder. Tal influência age dentro da legalidade, mas é hábil o suficiente para calar e ou cessar os tentáculos do judiciário. A legalidade que dá sustentáculo a tais influências do poder é apenas uma situação não prevista no ordenamento jurídico. E este, quando se der conta dos seus fins acobertatórios de supostas ilicitudes, poderá atribuir a estas influências uma nova espécie normativa. A influência do poder, dentro do abuso do poder, não é propriamente dita um excesso de poder ou desvio de poder, pois tudo ocorre conforme os ditames da lei. Ela é uma obtenção de favores particulares em razão do oferecimento de um cargo àquele que seja conivente com as intenções secretas do ofertante. A influência do poder pode ser considerada um abuso do poder, pois está muito próxima do desvio de finalidade. A influência do poder tem as suas intenções veladas, impedindo normalmente a certeza do desvio de finalidade. Ela poderá ser uma nova espécie normativa denominada de Personalização Administrativa, como uma espécie de abuso de poder que não carece de demonstrar o desvio de finalidade, mas apenas a vontade de influenciar em atos administrativos. Nos baixos escalões do Poder Executivo há muita vulnerabilidade em relação às influências do poder. Um ordenamento jurídico que permite tais ingerências não há de ser adequado ao controle da legalidade e das ilicitudes.

* João Zanata Neto é escritor santa-cruzense, autor do romance “O Amante das Mulheres Suicidas”.



  • Publicado na edição impressa de 7 de junho de 2020


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