CULTURA

Pascoalino: 'Um haitiano branco, gordo, rico e... empregado!'

Pascoalino: 'Um haitiano branco, gordo, rico e... empregado!'

Publicado em: 23 de setembro de 2020 às 16:03
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 08:54

Um haitiano branco, gordo, rico e... empregado!

Pascoalino S. Azords

A nossa Avenida Paulista é um dos endereços mais inflacionados do planeta. O metro quadrado de chão batido na Paulista vale mais do que a minha casa e, convenhamos, num metro quadrado mal cabe uma privada de buraco. Para viabilizar um preço impagável, na cidade de São Paulo os escritórios, as lojas e os lares são colocados uns sobre os outros, como se sucede com certas colônias de bactérias e do emplumado joão-de-barro. Na Avenida Paulista, 1.499, está localizado o Consulado do Haiti, o país mais pobre do continente americano. Para se ter uma idéia do tamanho dessa pobreza basta dizer que o Brasil socorre o Haiti desde 2004 com uma força-tarefa que mobiliza mais de 1.200 soldados – o Brasil!! Embora conte com 9 milhões de habitantes, pelas ruas do Haiti circulam 50 mil veículos, uma frota numericamente parecida à que sacoleja pela cidade de Ourinhos. O Haiti é muito mais pobre do que esse Brasil brasileiro, de misérias gritantes e fortunas isentadas que você conhece como eu. E, como se não bastasse, o Haiti acaba de entrar para a História como palco da maior tragédia letal em continente americano, do Alasca à Patagônia, desde que portugueses e espanhóis nos descobriram quietos aqui há mais de 500 anos!

Poucas horas depois do terremoto, o cônsul do Haiti no Brasil, George Samuel Antoine, passou a experimentar seus instantes de fama. Nunca tinha sido tão requisitado na sua longa vida diplomática. Bisneto de um ex-presidente do Haiti, o cônsul destoa da gente do seu país onde 95% da população são de negros. Os 5% destoantes são formados por mulatos e brancos. O cônsul é um desses poucos brancos, e gordo. Ele também destoa da imensa maioria por ter emprego fixo. Enquanto no Haiti apenas uma em cada 50 pessoas tem emprego formal, George Samuel Antoine é cônsul no Brasil desde 1975. E infinitamente mais rico do que 80% de seus compatriotas que sobrevivem com menos de 4 reais por dia! O cônsul George Samuel ainda acumula a presidência do Conselho da União Libanesa Cultural Mundial.

Ele recebe a imprensa no consulado da Avenida Paulista, ao lado do Parque Trianon e do MASP. Enquanto a equipe de reportagem do SBT posiciona suas câmeras, o cônsul toca adiante uma conversa que vinha tendo com Roberto Marton, presidente do Conselho do Instituto Americano de Pesquisa, Medicina e Saúde Pública. Pelo gabinete circulam jovens haitianos, magros, todos negros. A entrevista ainda não começou, mas o microfone já está ligado sobre a mesa. As autoridades brancas não são avisadas e prosseguem conversando. Na verdade, trata-se de um monólogo do cônsul. O americano se limita a concordar com movimentos de cabeça.

Naquele instante, a menos de 24 horas do terremoto, um número incerto entre 100.000 e 200.000 pessoas jaziam sob os escombros. Outras tantas mil se agarravam à vida embaixo do que restou da cidade. Não se sabia, mas alguns sobreviventes ainda resistiriam por uma semana à espera de resgate. Estima-se que 1 milhão de haitianos perderam as suas casas. Mas entre a tragédia haitiana e o consulado refrigerado do Haiti na Avenida Paulista havia muito chão – mais de 6 mil quilômetros em linha reta. Uma distância tão grande, mas tão grande, que o microfone do SBT ligado (antes da entrevista começar) registrou as seguintes opiniões do cônsul George Samuel Antoine: “A desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui, (porque) fica conhecido. Acho que de tanto mexer com macumba. O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano tá fodido”.

A frase foi dita assim mesmo, como você acaba de ler, em português, afinal, o gordo George Samuel Antoine vive (bem) no Brasil há 35 anos. E, certamente, porque vive no Brasil, mandou sua assessoria (de jovens negros e magros) redigir a seguinte desculpa esfarrapada: “A dificuldade do sr. Cônsul na utilização da língua portuguesa, levou-o a um erro de expressão”. Erro de expressão! A nota do Consulado do Haiti no Brasil quer fazer crer que o problema somos nós. Que eu, como você, não sabemos ler, somos meio surdos ou idiotas completos. A outra hipótese não lhes é nada favorável: ter como cônsul um retardado, incapaz de aprender o básico de um idioma ao longo de 35 anos!

Ruth de Aquino, diretora da sucursal da revista Época diz que “uma tragédia como a do Haiti desperta o melhor em nós”. No cônsul George Samuel Antoine a tragédia do seu país despertou esses sentimentos: que “a desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui”, que o terremoto é decorrência da macumba e que “o africano em si tem maldição”. Se esse é o seu melhor, já pensou na calmaria dos dias favoráveis, o que deve pensar (ou fazer) esse homem?

* Publicado em 24/01/2010 e repercutido na edição impressa de 13 de setembro de 2020
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