CULTURA

Pascoalino: 'Demasiado humano'

Pascoalino: 'Demasiado humano'

Publicado em: 07 de outubro de 2020 às 19:26
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 14:09

Demasiado humano

Pascoalino S. Azords

Quatro jovens tomam de assalto a residência de um casal depois de passarem a noite se drogando numa leiteria futurista. Eles não estão à procura de bens materiais, apenas atrás de fortes emoções. Amordaçado num canto da sala o marido assiste ao bando seviciar e estuprar sua esposa. Por essa e outras cenas não menos violentas, o filme “A Laranja Mecânica” esteve proibido no Brasil por quase uma década. Mas em 1978, nossas autoridades concluíram que os brasileiros já podiam assisti-lo — com algumas restrições. Nessa cena, por exemplo, a Censura conseguiu preservar a intimidade da mulher violentada com uma bolinha preta. Deve ter dado um trabalho danado queimar um pontinho negro sobre o sexo da vítima se debatendo, fotograma por fotograma. Mas as autoridades entenderam que dessa forma nos poupavam da obscenidade daquela cena.

O editorial da revista Veja de 27/01/2010 me fez lembrar os nossos censores de 30 anos atrás. “A catástrofe natural fez emergir no Haiti o que há de pior na espécie humana”, escreveu um editor indignado com as “gangues armadas que saqueiam, roubam, estupram e matam”. Num cenário onde os mortos e os vivos se misturam, numa cidade onde não é possível voltar para casa ou para o trabalho porque esses espaços de repente desapareceram, a revista Veja consegue se chatear com ondas de saques e roubos!

O problema não está nos saques praticados no Haiti, em Nova Orleans ou São Luiz do Paraitinga. O problema está no homem. No dia 21 de janeiro passado, um caminhão carregado de maçãs tombou em Jacarezinho, norte pioneiro do Paraná. Na boleia, além do motorista viajavam sua esposa e dois filhos, de 4 e 5 anos de idade. Os pais tiveram ferimentos leves, mas os dois meninos morreram esmagados. A reportagem do Jornal da Divisa esteve no local e, no dia seguinte, a matéria ocupou meia página do diário ourinhense. Abaixo da manchete, duas fotos. Em uma vemos o bracinho de uma das crianças ainda sob as ferragens; na outra, dezenas de curiosos que saqueavam a carga de maçãs. Este é o grau de selvageria que chateia a revista Veja, um bando de miseráveis caçando ou roubando para perpetuar sua miséria.

Um pouco mais ao Sul, dois anos atrás, as enchentes do Vale do Itajaí acabaram revelando o que há de melhor ou pior dentro de nós. As doações para Santa Catarina debaixo d’ água chegaram de todos os cantos do Brasil. Enquanto famílias choravam o quase tudo perdido, de repente, as câmeras da Rede Globo flagraram militares e voluntários levando pra casa o que encontravam de melhor naquela montanha de solidariedade. Dias depois, um empresário de Rio Negrinho foi preso com 300.000 peças de roupas doadas às vítimas das enchentes que seriam vendidas a 1 real no seu brechó. Além das 300 mil peças de roupas, 15 toneladas de alimentos foram desviados por um empresário de Campo Alegre, na mesma região. E para quem ainda sobra otimismo, temos agora os comentários do cônsul do Haiti no Brasil. O branco, gordo, rico e mui bem empregado sir. George Samuel Antoine que, do alto de seu escritório refrigerado na Avenida Paulista, disse que “a desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui”.

A revista Veja incomodada com a onda de saques no Haiti não se parece com a velha Censura pintando bolinhas pretas sobre o sexo da mulher estuprada em A Laranja Mecânica?

Publicado em 07/02/2010 e repercutido na edição impressa de 27 de setembro de 2020
SANTA CRUZ DO RIO PARDO

Previsão do tempo para: Sábado

Céu nublado
22ºC máx
10ºC min

Durante a primeira metade do dia Períodos nublados com tendência na segunda metade do dia para Céu limpo

COMPRA

R$ 5,41

VENDA

R$ 5,42

MÁXIMO

R$ 5,43

MÍNIMO

R$ 5,39

COMPRA

R$ 5,45

VENDA

R$ 5,63

MÁXIMO

R$ 5,46

MÍNIMO

R$ 5,43

COMPRA

R$ 6,38

VENDA

R$ 6,39

MÁXIMO

R$ 6,38

MÍNIMO

R$ 6,37
voltar ao topo

Voltar ao topo